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Em depoimento a Moro, Cunha contradiz Temer sobre nome à Petrobras e diz ter aneurisma

Cunha 2 - Reprodução - Reprodução
O deputado cassado é interrogado pelo juiz Sérgio Moro, no âmbito da Lava Jato
Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

07/02/2017 20h32Atualizada em 07/02/2017 23h01

Durante quase três horas de interrogatório, na tarde desta terça-feira (7), comandado pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contradisse o presidente Michel Temer sobre reunião para definir nomeações do PMDB para a Petrobras. Além disso, disse ter um aneurisma cerebral e pediu para sair da prisão.

Questionado sobre a eventual participação de Michel Temer em uma reunião para discutir as nomeações do partido para a direção da Petrobras, Cunha confirmou a presença do atual presidente da República, então presidente do PMDB, em 2007.

Temer, em depoimento por escrito enviado à PF (Polícia Federal), havia negado participação no encontro, que, segundo Cunha, contou ainda com os políticos Henrique Alves, Fernando Diniz [morto em 2009] e Walfrido Mares Guia.

“Michel Temer esteve nessa reunião junto com Walfrido Mares Guia. Essa reunião era justamente pelo desconforto que existia com as nomeações do PT de Graça Foster para a diretoria de gás e José Eduardo Dutra para presidente da BR Distribuidora terem sido feitas, sem as nomeações do PMDB terem sido feitas. Houve uma, digamos assim, revolta na bancada do PMDB na votação da CPMF [o antigo imposto do cheque] e, nesse dia, eles chamaram o Michel e o Henrique Alves para essa reunião”.

De acordo com o ex-deputado, após o encontro, os parlamentares peemedebistas ficaram mais tranquilos e resolveram apoiar o governo, então do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na votação da CPMF.

“Aí o Michel e o Henrique acalmaram a bancada, e a bancada acabou votando em seguida a CPMF. Mas a resposta do presidente Michel Temer nas perguntas está equivocada, ele participou sim dessa reunião e foi ele quem comunicou a todos nós o que tinha acontecido na reunião”, contou Cunha.

“Porque não era só o cargo da Petrobras, eram várias outras discussões que existiam no PMDB. Nós tínhamos um hábito que era um hábito praticamente semanal. Eu, Henrique Alves, Michel Temer, Fernando Diniz e também o [Tadeu] Filippelli, que éramos os três coordenadores, o presidente do PMDB e o líder da bancada, nós nos reuníamos pelo menos duas vezes por semana, no almoço ou no jantar, para debater e combinar toda a situação política. Então, tudo era reportado, e a gente sabia de tudo e de todos”.

Cunha - Rodolfo Buhrer/Fotoarena/Estadão Conteúdo - Rodolfo Buhrer/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Eduardo Cunha (de gravata vermelho) chega à sede da Justiça Federal em Curitiba para prestar depoimento ao juiz Sérgio Moro
Imagem: Rodolfo Buhrer/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Veja abaixo outros trechos do depoimento de Eduardo Cunha a Sérgio Moro:

Aneurisma cerebral

Após ser interrogado, Cunha leu uma carta escrita à mão, na qual declarou que tem aneurisma cerebral (dilatação de um vaso sanguíneo que pode causar AVC [Acidente Vascular Cerebral]). 

"Eu gostaria de dizer que também sofro do mesmo mal que acometeu a ex-primeira-dama Marisa Letícia [morta na semana passada], um aneurisma cerebral. Aproveito até para prestar minha solidariedade à família. O presídio onde ficamos não tem a menor condição de atendimento se alguém passar mal. São várias as noites em que presos gritam sem sucesso por atendimento médico e não são ouvidos pelos poucos agentes que lá ficam à noite", disse.

O ex-parlamentar apelou para que Moro o libertasse. "Quero aproveitar a oportunidade para que minha defesa entre com o pedido da minha soltura [...] Embora digno, respeitoso, não tenho o que reclamar com relação a isso, mas estamos misturados a presos condenados por violências inimputáveis, onde todos estão absolutamente em risco dentro do presídio".

Moro disse que vai analisar o pedido, "mas por ora vou manter a posição, que até foi a posição do ministro Teori Zavascki, que negou liberdade ao senhor". "Claro que existe preocupação com a segurança de qualquer preso, mas até o momento não houve nenhum incidente afetando fisicamente qualquer preso dessa Operação Lava Jato".

Acusado de receber propina

Cunha se tornou réu na Operação Lava Jato em 13 de outubro do ano passado por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ele é acusado de receber R$ 5 milhões de propina em contas na Suíça de contratos de exploração de petróleo da Petrobras em Benin, na África.
 
Durante seu depoimento, Cunha afirmou que esse dinheiro recebido por ele em 2011, por meio de cinco depósitos bancários, foi a quitação de uma dívida que o ex-deputado federal Fernando Diniz, morto em 2009, tinha com ele. 
 
"Foi uma operação privada de empréstimo entre eu e Fernando Diniz", justificou. Cunha declarou que só tomou "conhecimento do exato depósito em período posterior", em 2012, por meio do filho de Diniz, Felipe Diniz.
 
Perguntado por Moro se tinha algum documento que comprovasse a liquitação do débito citado, Cunha afirmou que destruiu o contrato. "Eu tive com ele [Fernando Diniz] um contrato de garantia desse valor. Quando eu recebi, eu destruí. Não tinha razão de manter uma obrigação que já não mais existia", explicou.
 

Gastos da família

Questionado sobre o alto gasto de sua família com cartões de crédito, Eduardo Cunha frisou que as compras eram feitas baseadas no patrimônio que ele acumulou durante a vida, e não em seus rendimentos como deputado.

"[Foram] gastos de consumo, todos autorizados por mim e feitos com o meu patrimônio. Se eu quis gastar o patrimônio que eu detinha anteriormente da forma que eu quisesse, isso cabia a mim, não cabia a ninguém", disse o ex-deputado.

"Essa história de querer colocar se eu tinha um rendimento como deputado como que eu poderia ter esses gastos, se eu estivesse gastando do rendimento de deputado, era outra coisa, mas eu gastei do meu patrimônio. Você pode ter um rendimento de R$ 10 mil, ter um patrimônio de R$ 100 (mil) e gastou R$ 50 (mil) porque usou seu patrimônio para gastar. Isso é uma opção sua, cada um faz sua opção".

Negou ter mentido à CPI da Petrobras

Questionado por Moro sobre depoimento que prestou à extinta CPI da Petrobras, na qual negou ter contas no exterior, Cunha declarou que não mentiu ao não mencionar que possuía trusts (pessoa jurídica que administra patrimônios alheios) fora do país.
 
"Eu acho que eu falei a verdade conforme a pergunta que me foi feita. Eu não tinha razão nenhuma para mentir, até porque eu não minto [...] Eu não tinha razão nenhuma para dar informação além daquilo que tinham me perguntado. Nós estamos no mundo da política, não estamos num processo jurídico. No mundo da política, a gente não fala aquilo que não é perguntado", afirmou.
 
Em setembro do ano passado, Cunha teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara, por quebra de decoro parlamentar, por ter mentido à CPI da Petrobras, em um processo que se arrastou por 11 meses no Conselho de Ética da Casa. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado.
 

Contatos com Bumlai, Youseff e Delcídio

Durante o depoimento, Eduardo Cunha respondeu sobre seu envolvimento com diversas personalidades políticas envolvidas nas investigações da Operação Lava Jato, entre eles, o pecuarista, empresário e amigo do ex-presidente Lula José Carlos Bumlai, o doleiro Alberto Yousseff e o senador cassado Delcídio do Amaral.

"Senhor José Bumlai eu só vi aqui no depoimento. Vi o senhor Alberto Youseff única e exclusivamente na carceragem da Polícia Federal. Nunca tinha visto seu Youseff na minha vida, nunca falei com ele na minha vida, não o conheço e desafio a comprovar que eu o conheço", afirmou o depoente.

"Conheço senador Delício do Amaral. Foi líder do governo, foi presidente da CPI do Mensalão, tinha uma relação contínua, normal. Sabia da influência dele na Petrobras, sabia do patronato dele de [Nestor] Cerveró, ele sim era o padrinho de Cerveró e como era líder do governo eu tive várias conversas com ele".

Caso decidido

Na carta que leu no fim do depoimento, Cunha declarou que queria esclarecer pontos que, segundo ele, não haviam sido questionados e disse que seu caso já estava decidido.
 
"Eu estou fazendo questão aqui em ser muito claro, porque estou cumprindo aqui minha defesa, inclusive uma defesa futura, porque não entendo como estamos diante de um processo em que a condenação parece já estar decidida. Aqui a gente está meramente cumprindo uma formalidade processual", disse o ex-deputado, que foi rebatido por Sérgio Moro.
 
"Não é isso. As questões vão ser examinadas e isso me ofende", afirmou Moro, que ouviu pronta resposta do réu. "Me perdoe se foi ofensivo, não é o intuito do depoente ofender".
 

Próximos passos do processo  

Após o interrogatório de hoje, o processo entra na fase final. O MPF (Ministério Público Federal) e a defesa apresentarão suas alegações finais e, em seguida, Moro poderá proferir a sentença.

Moro já ouviu testemunhas de defesa e acusação. Entre as de defesa, prestaram depoimento o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o senador cassado e delator da Lava Jato Delcídio do Amaral e o ex-diretor da Petrobras e também delator Nestor Cerveró. 

O presidente Michel Temer também foi arrolado como testemunha de defesa. Moro chegou a vetar metade das perguntas feitas por escrito pelos advogados de Cunha por causa do "teor inapropriado de parte dos quesitos" e por não haver "qualquer notícia do envolvimento do presidente da República nos crimes que constituem objeto desta ação penal".

Preso desde outubro de 2016

Eduardo Cunha está encarcerado em Curitiba desde 19 de outubro do ano passado. A prisão foi decretada por Sérgio Moro que, em seu despacho, argumentou que Cunha tinha poder para obstruir as investigações e intimidar testemunhas.

Cunha foi preso quase um mês após ter seu mandato cassado pela Câmara. No entanto, desde maio, ele estava afastado tanto da função de deputado federal como da presidência da Câmara, por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). A Suprema Corte atendeu pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), que acusava Cunha de usar o cargo para interferir nas investigações contra ele.