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FHC na defesa de Lula: "cuidar de acervo é obrigação, mas não há dinheiro"

"Se pedir ajuda à OAS é crime, me fala qual é a pena", afirma Okamotto

UOL Notícias

Bruna Souza Cruz e Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

09/02/2017 16h48

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou nesta quinta-feira (9), durante depoimento ao juiz federal Sergio Moro, que os ex-presidentes são “obrigados a manter o acervo presidencial”, mas não têm recursos para isso, e que eles “não estão fazendo nada de ilegal” ao pedir a contribuição  de empresas privadas para esse fim.

As declarações foram feitas na manhã de hoje na sede Justiça Federal de São Paulo durante uma videoconferência com Moro, que ouviu o ex-presidente da Justiça Federal do Paraná, em Curitiba.

FHC é testemunha de defesa no processo que investiga o transporte do acervo presidencial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele deixou o Palácio do Planalto, em 2010, que teria sido pago pela OAS. Além de FHC, outras oito pessoas convocadas pela defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, também réu na ação, foram ouvidas pelo juiz federal.

“Isso é um problema a ser resolvido. Pela lei, o acervo é de interesse público e é pessoal, só que não tem apoio financeiro nenhum. O presidente quando sai da presidência só tem aposentadoria, não tem um local para por [o acervo] e você tem que cuidar [dele]”, afirmou.

Fernando Henrique Cardoso afirmou que para criar a Fundação FHC, que administra os documentos e objetos recebidos por ele na época em que era presidente, recebeu doações da Odebrecht, Camargo Correia, dos bancos Itaú, Safra e Bradesco. “Está tudo registrado lá. A OAS não contribuiu. No geral, quem contribui começo são pessoas com as quais temos relações pessoais. OAS nunca tive contato”, afirmou.

FHC também relatou que no final do seu segundo mandato houve um jantar de para discutir a criação do “instituto” – Fundação FHC – e que alguns empresários presentes fizeram doações. “O jantar foi para saber se havia base para isso [a criação], não foi para levantar recursos. Mas poderia ter sido, porque você tem que pensar no que vai fazer com esse material [o acervo]. Não se está fazendo nada ilegal”, disse. 

O ex-presidente disse ainda que foi procurado por Paulo Okamotto na Fundação FHC. Ele estava interessado em saber como eram administrados e armazenados os documentos e objetos recebidos por Fernando Henrique enquanto ele era presidente. “O Okamotto foi. Eu convidei várias vezes o Lula. Ele nunca foi”, disse.

Ao juiz Sergio Moro, o ex-presidente informou que seu Instituto tem as seguintes fontes de renda: doações, patrocínio e recursos por meio da Lei Rouanet.

Defesa: "denúncia não passa de enredo de ficção"

Em nota divulgada logo após o depoimento de FHC, a defesa de Lula diz que os depoimentos das testemunhas ouvidas hoje "destroem a linha central da acusação feita pelo Ministério Público Federal" na ação que envolve acervo de objetos recebidos durante dois mandatos presidenciais de Lula. A defesa afirmou que a denúncia não passa de um "enredo de ficção". 

Segundo a testemunha Danielle Ardaillon, que trabalha com  FHC desde a década de 70 e é curadora de seu acervo, os objetos nem sempre passam pela mão do presidente.

A defesa afirmou ainda que, em depoimento, Emerson Granero, representante da Granero Transportes, disse que Lula não participou de qualquer etapa da contratação e que a transação seguiu o padrão normal de sua empresa. 

Denúncia do MPF

Segundo o Ministério Público Federal, a empreiteira OAS teria pago R$ 1,3 milhão a Granero Transportes para manter o acervo de Lula em depósitos. Segundo a defesa de Okamotto, o acervo tem 369 mil cartas, 9.965 livros e 15.896 discursos feitos pelo petista. Foram pagos ainda R$ 4.726,11 mensais, entre o início de 2011 e junho de 2012, para armazenamento climatizado das bebidas, que inclui vinhos, champagnes e espumantes de diversas origens.

Os contratos foram assinados pelo presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, que é réu no processo.

A defesa de Okamotto arrolou Fernando Henrique Cardoso para que ele falasse sobre a importância histórica de um arquivo presidencial.

O depoimento de FHC abre os que serão feitos pelas testemunhas de defesa do processo que julga o suposto favorecimento de Lula em três contratos da Petrobras com a OAS, a negociação para a compra e reforma de um apartamento tríplex no Guarujá em favor da família de Lula e o pagamento de despesas para transporte a armazenagem de objetos do ex-presidente.

Além de Fernando Henrique, o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) também foi arrolado como testemunha de Paulo Okamotto. O depoimento também será colhido por videoconferência de São Luiz (MA) e está marcado para o dia 14 de fevereiro.

Além de Paulo Okamotto, são réus na ação o próprio Lula e outras cinco pessoas. A ex-primeira dama Marisa Letícia, que morreu na semana passada vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) também era ré nessa ação.

A defesa de Lula chegou a pedir que as audiências fossem adiadas por causa da morte de Marisa Letícia. Mas o pedido foi negado por Moro, que afirmou que “apesar do trágico e lamentável acontecimento, há diversas audiências já designadas, com dezenas de testemunhas”, que exigiram esforços da Justiça para viabilizar os interrogatórios por videoconferência. Por outro lado, segundo o juiz, Lula foi dispensado de comparecer às audiências.

"O presidente não pode saber de tudo"

Durante o depoimento a Moro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ainda que um presidente da República não consegue saber de tudo. A resposta foi dada ao ser questionado se ele conhecia o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e se tinha conhecimento sobre o esquema de pagamento de propina em projetos da Petrobras durante sua gestão.

“Não conheço esse senhor, nunca ouvi falar dele. Não tenho a menor ideia. Agora, um presidente da República não pode saber o que está acontecendo no convívio das pessoas. É um procedimento incorreto de pessoas e deve ser combatido. Não posso dizer nem que sim, nem que não”, declarou após a pergunta de um dos advogados de defesa de Luiz Inácio Lula da Silva.

Sobre as acusações de que desde 1990 existia um cartel de empreiteiras que atuava na Petrobras, FHC alegou que nada sobre isso chegou ao seu conhecimento. “Não, nunca chegou até mim. As coisas que chegaram foram comunicadas pelo presidente da Petrobras [na época]. Eram casos individuais e eram alegações, não eram coisas concretas.”