Para Procuradoria, novo texto de abuso de autoridade "intimida" investigações
Para a Procuradoria-Geral da República, o novo texto apresentado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) para o projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade pode levar à multiplicação de ações de investigados contra autoridades do poder público, o que representaria uma forma de “intimidação” aos órgãos de investigação.
A avaliação é do secretário de Relações Institucionais da PGR, o procurador da República Peterson Pereira, que critica especificamente a possibilidade, prevista na última versão do texto no Senado, de que sejam permitidas ações penais privadas contra autoridades acusadas de cometerem abusos.
Isso significaria que os processos por abuso de autoridade não seriam mais uma iniciativa exclusiva do Ministério Público a partir de denúncias recebidas, como acontece com a maioria dos outros crimes, mas poderiam ser movidos pelas supostas vítimas de abusos, como suspeitos investigados em casos de corrupção ou alvos de ações da polícia, por exemplo.
Pereira afirma que a preocupação com esse ponto do texto é partilhada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com quem ele conversou sobre o tema.
“Eu acho que intimida a atividade da administração pública como um todo. Não tenho dúvida disso. E aí não é só Ministério Público, não é só juiz”, diz.
“E, principalmente, o que mais me preocupa e preocupa o procurador-geral é a segurança [pública] lá na ponta. Imagina o policial militar na ação contra o crime organizado, além de expor sua vida nesses combates, [o policial] vai pensar: esse camarada [o criminoso] amanhã vai entrar com uma ação penal contra mim”, afirma Pereira.
O procurador coordenou o grupo de promotores e juízes que elaboraram o anteprojeto entregue pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aos presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com sugestões ao projeto do abuso de autoridade.
Parte das sugestões da PGR foram incorporadas à última versão do texto de Requião, apresentada nesta quarta-feira (19) à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O projeto será votado pela comissão na próxima quarta-feira (26).
Como a lei de abuso de autoridade prevê punições a todas as esferas da administração pública, como secretarias de governo e prefeituras, Pereira afirma que a autorização das ações privadas por abuso de autoridade pode se tornar uma forma de intimidar não apenas juízes e membros do Ministério Público.
“Isso afeta o Ministério Público, afeta a Justiça, mas não só. Vai afetar o prefeito, vai afetar o servidor público. Porque se abrir um procedimento administrativo de apuração de uma falta funcional de um servidor público, aquele servidor que se sentiu injustiçado ele pode entrar com uma ação penal”, diz.
Para o procurador, a atribuição ao Ministério Público para processar suspeitos pelo crime de abuso de autoridade seria uma garantia de uma análise imparcial sobre se o crime foi ou não cometido.
“Hoje, como regra no processo penal, o órgão responsável pela acusação é o Ministério Público, e isso é um avanço do ponto de vista civilizatório no mundo todo, porque deixa de permitir a chamada vingança privada, o olho por olho, e constitui um órgão do Estado com garantias, pautado na ordem jurídica para proceder a investigação com imparcialidade e apresentar um pedido de condenação ou de arquivamento”, ele afirma.
Em entrevista após a sessão de hoje da CCJ, Requião rebateu as críticas a esse ponto do seu texto, e afirmou que o dispositivo garante que as vítimas de abuso possam processar o agressor mesmo se o Ministério Público decidir arquivar o caso.
“[O projeto] abriria brecha para qualquer pessoa que sofreu abuso de poder, pudesse, apesar da contrariedade do Ministério Público, mover uma ação contra o abusador”, disse o senador.
Punição por aplicar a lei
Segundo Pereira, a nova versão do projeto melhorou a redação de uma das principais críticas feitas pelo meio jurídico ao texto, a de que juízes, promotores e autoridades poderiam ser punidos por causa de sua interpretação na aplicação da lei, o chamado “crime de hermenêutica”.
O procurador afirma que o texto do Senado agora torna mais difícil esse tipo de punição, apesar de manter o critério, considerado vago pela PGR, de que o ato da autoridade seja baseado em interpretação “razoável” da lei para não ser considerado abusivo.
A preocupação com o uso do termo “razoável” é a de que, por exemplo, um juiz de primeira instância possa ser punido por uma ordem de prisão posteriormente revogada por um tribunal.
“Dá um grau de subjetividade que não caberia num texto legal. Porque o que é razoável para um não é razoável para outro”, afirma Pereira.
O anteprojeto apresentado ao Senado pela PGR tratava de forma diferente o texto com a ressalva para evitar punir a divergência na interpretação da lei. O anteprojeto afirmava que "não configura abuso de autoridade a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentadas".
Para Requião, a expressão "desde que fundamentadas" não era suficiente pois, segundo o senador, essa versão da PGR "permite que uma autoridade deliberadamente cometa abuso de autoridade" bastando, para escapar da punição, fundamentar o ato com argumentos jurídicos.
Na nova versão, o texto de Requião prevê que "a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade".
Outra alteração no novo texto de Requião foi a exigência de que fique comprovada a intenção da autoridade de “prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal” para que fique caracterizado o crime de abuso.
Para o procurador Pereira, a exigência de que fique comprovada que houve intenção da autoridade de praticar o ato com alguma forma de abuso de suas funções é uma garantia de torna mais difícil a punição apenas com base em divergências na interpretação da lei.
Reação da Lava Jato
Também nesta quarta-feira (19), procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba afirmaram, em vídeo divulgado na internet, que o projeto de abuso de autoridade seria uma “vingança” contra as investigações da operação.
Mas Pereira afirma discordar das críticas que apontam no projeto uma retaliação às investigações contra a corrupção.
“Não. Quero acreditar que não. Acho que é uma preocupação justa dos senadores. Mas por mais que eles estejam bem-intencionados, o nosso papel é alertá-los que isso pode causar um prejuízo”, disse. “Não só o problema da Lava Jato nesse momento, mas a gente tem que ver o sistema [jurídico] como um todo”, afirma.
O procurador afirma ainda que não há na PGR nenhuma intenção de “beligerância” contra os senadores.
“Não há nenhum tom de beligerância do procurador-geral em momento algum. O procurador-geral está muito ciente da responsabilidade e do papel do Congresso em ter um texto bom para esse momento que a gente vive, mas ele sempre ressalta isso, a confiança que ele tem no Senado de que vai conseguir produzir uma legislação que atenda os interesses do país”, diz Pereira.
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