Quais as estratégias dos presidenciáveis para vencer a guerra das redes sociais
A cena é conhecida e hoje inseparável do dia a dia da política nacional: a figura do assessor com telefone celular em punho gravando tudo o que o político fala, para logo em seguida, às vezes ao vivo mesmo, compartilhar cada instante nas redes sociais. Afinal, é preciso promover o que se faz com agilidade, engajar, gerar bochicho, conquistar mais fãs/eleitores, enfim, "mitar" nas redes para se credenciar à eleição.
É um corpo a corpo dedicado, que não tem hora certa para começar, podendo ser logo nas primeiras horas da madrugada, quando o político se levanta, nem para acabar, avançando as horas do dia seguinte, até o momento de o político se retirar para o descanso. Onde estiver o possível futuro candidato, lá estará o celular, registrando tudo.
Entre os presidenciáveis, esse trabalho ganha profissionalismo, obedece a certos critérios e tem estratégia.
O UOL conversou com as equipes encarregadas da comunicação nas redes do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ, 4,4 milhões de seguidores no Facebook), do prefeito João Doria Jr. (PSDB-SP, 2,88 milhões de seguidores) e do ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes (PDT-CE, 132 mil seguidores).
Procuradas, as assessorias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP, 2,94 milhões de seguidores) e da ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede-AC, 2,25 milhões de seguidores) preferiram não opinar. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB, 861 mil seguidores), respondeu à solicitação do UOL por meio de breve nota (leia abaixo).
Esses nomes figuram entre os principais cotados para a corrida à Presidência no ano que vem. Segundo pesquisa Datafolha realizada entre os dias 21 e 23 de junho, Lula está na frente, com 29%/30% da intenção de votos, seguido por Bolsonaro (15%/16%) e Marina (15%). Alckmin soma 8%, e Doria, 10%, nos cenários em que um ou outro é o nome do PSDB. Ciro contabiliza entre 5% e 6%.
Campanha permanente e abertura
"Antes, se você era um político que não estava ocupando cargo público no Executivo, só ia fazer comunicação política na campanha eleitoral ou um pouquinho antes, porque não tinha os meios. Mas, com as redes sociais, isso acabou, porque agora a campanha é permanente, não para nunca", compara Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em opinião pública e redes sociais digitais.
Ortellado identifica a abertura de frestas no sistema político eleitoral tradicional com a emergência da internet e das redes, rompendo padrões e possibilitando mudanças. "Você consegue fazer agora algo de fato fora do sistema. Se a gente olhar o caso brasileiro, o único [fora do mainstream] é o Bolsonaro, que é um candidato 'outsider' mesmo, de quem as elites não gostam, as elites partidárias desprezam, os meios de comunicação cobrem mal, mas que tem uma performance impressionante. Bolsonaro está jogando contra todos e é um fenômeno", qualifica o estudioso da USP. "Não sei se tem potencial para ir além disso, mas cresceu muito e se fez sozinho, pela internet. Hoje é um fenômeno nacional."
Na equipe que cuida de comunicar as ações do capitão reformado do Exército brasileiro, a autonomia proporcionada pela internet é festejada.
"Aquela massa amorfa de décadas atrás era, muitas vezes, facilmente manipulada pelos grandes veículos de comunicação e se deixava conduzir e influenciar pelos 'formadores de opinião' que ditavam o que 'era melhor para o país'. Nos dias atuais, criou-se uma grande teia que liga um cidadão a outro cidadão sem ter que passar por 'filtros de indução'. A internet foi, de fato, o canal mais democrático que nos apareceu. E isso tem incomodado muitos", avalia o publicitário Floriano Barbosa Amorim Neto.
Ele é um dos dois profissionais dedicados a gerenciar e a produzir diariamente conteúdo para as redes (Facebook, Twitter, Instagram e YouTube) de Bolsonaro. É funcionário contratado do gabinete do deputado em Brasília, dentro da cota a que cada parlamentar tem direito.
Criou-se uma grande teia que liga um cidadão a outro cidadão sem ter que passar por 'filtros de indução'. E isso tem incomodado muitos
Floriano Barbosa Amorim Neto, publicitário que cuida das redes sociais de Jair Bolsonaro
Como o público quer ouvir
Os administradores das páginas oficiais de presidenciáveis consultadas pelo UOL dizem que o trabalho rejeita compras de cliques e curtidas ou comentaristas fantasmas. O engajamento, afirmam, é coisa orgânica e espontânea.
A estratégia geral da equipe encarregada de cuidar da comunicação online de Doria, constituída de quatro pessoas pagas do bolso do político, é encontrar a forma sem modificar a essência do conteúdo.
"O João tem um posicionamento claro sobre as coisas e a partir da posição dele a gente entende o que as pessoas estão pensando e, em seguida, o João expõe a opinião dele da melhor forma, para que seja uma leitura mais fácil para os eleitores ou munícipes", explica o publicitário Daniel Braga, coordenador e estrategista do trabalho.
"A gente entendeu como as pessoas querem ouvir, mas eu não crio um personagem. Não é que se fala o que querem ouvir, fala-se aquilo que o João quer falar do jeito que querem ouvir. O conteúdo é o João, a opinião dele, isso não muda."
Depois de ter conseguido fazer prevalecer o posicionamento do "João Trabalhador" sobre o "João Coxinha", elitista, um dos motores da vitória inédita no primeiro turno da eleição para prefeito na capital paulista, a equipe de Doria vem tentando manter esse perfil.
"As pessoas só conseguem ter noção desse tamanho de empenho, dessa produtividade dele, se tiver uma demonstração disso tudo em 'real time' [tempo real]. Se você for esperar que a mídia acompanhe o João e fique dando tudo o que ele faz ao longo do dia, não vai dar. E esperar que a agenda do João vai ser publicada e as pessoas vão olhar [no portal da prefeitura], também não vai dar", diz Braga.
"Agora, se eles virem que às 6h o João já está de pé, que às 7h já leu o jornal, às 8h já terminou a primeira reunião, às 9h já entrou na segunda reunião etc., aí chega 2h da manhã e ele diz: 'Boa-noite, agora eu vou descansar', os caras falam: 'Pô, esse cara é o João Trabalhador'."
As pessoas só conseguem ter noção do empenho [de Doria] se tiver uma demonstração disso tudo em 'real time'
Daniel Braga, coordenador de redes sociais de João Doria Jr.
Doria registra doação de salário como prefeito
O estilo Doria de produzir fatos sucessivos --que adversários e críticos chamam de factoides ou puro marketing-- para compartilhamento nas redes, assim como a gravação de vídeos e transmissões ao vivo para o Facebook, têm se mostrado eficaz.
A página oficial de Doria (@jdoriajr) passou, em cerca de um ano, de 200 mil seguidores para quase 3 milhões. "A lógica da publicação é dar transparência para a gestão e entregar aquilo que ele falou durante a campanha. Tudo orgânico", afirma Braga.
Para a equipe de Bolsonaro, é essencial manter a correspondência entre o que se comunica e a "essência do homem Jair Messias Bolsonaro", segundo o publicitário Amorim Neto.
"O que apresentamos nas redes sociais é verdadeiramente o retrato fiel da mesma pessoa que você poderá encontrar em seu gabinete em Brasília, em uma feira livre, num estádio de futebol ou em qualquer outro lugar público. Não forjamos em nada a sua verdadeira essência. Bolsonaro não é produto da internet como muitos insistem em dizer. Nem tudo o que está nas redes é 'fake' [falso]."
Bolsonaro em encontro com bombeiros do Rio
Monitoramento
A base do trabalho de comunicação digital de Doria é o monitoramento. Braga e sua equipe utilizam softwares de acompanhamento digital que aferem, por exemplo, o alcance de uma postagem e o sentimento da rede. É uma análise diária de 30 milhões de conteúdos em tempo real, quantifica Braga.
"A partir daí, podemos entender o que está sendo dito, qual a expectativa, os anseios do teu produto, marca, cliente e aí a gente monta um plano de ação. Então é monitorar, entender e agir. É esse todo o processo de publicação do João desde 2015 [agosto de 2015, quando assumiu a comunicação digital do então pré-candidato a prefeito] até hoje."
A equipe de Bolsonaro considera também importante a avaliação do comportamento nas redes, os debates travados, as críticas recebidas, mas defende a leitura imediata do mundo, advinda do contato direto nas ruas, com apoiadores e críticos, como a informação mais relevante.
"Vivemos em um mundo real e só aquele que vive de fato nele consegue levar para as redes sociais o reflexo de tudo o que indigna tanto a nossa população e que deve nortear qualquer estratégia de comunicação. O país não merece mais ser manipulado", defende o coordenador das redes de Bolsonaro.
Ferramentas da política
Com perfil à esquerda, Ciro Gomes tem concentrado sua estratégia digital na divulgação sobretudo pelo Facebook (@cirogomesoficial) de vídeos de seus encontros e palestras em universidades e sindicatos pelo país. Também tem se valido de transmissões online ao vivo, em que debate diretamente com o público.
Ciro em encontro com estudantes
"Cada um usa a ferramenta que tem para fazer política. O Ciro tem as ideias, as formulações, os debates com as universidades, com professores, estudantes e sindicalistas. É isso o que ele tem para mostrar. Os outros têm o marketing, pegam o celular do bolso e fazem [postagens], como disse o [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso [sobre João Doria Jr., seu colega de PSDB]", pondera o jornalista Vicente Gioielli, que coordena e divide com o próprio Ciro as publicações dos canais oficiais do político do PDT.
"Mas o Brasil não está precisando de marketing agora, está precisando discutir e aprimorar ideias, formular o futuro, mostrar para a juventude que há saída dessa coisa horrível que está acontecendo no país. O Ciro está querendo fazer o pessoal pensar."
Não tem nem vagamente nada parecido com o Lula, porque ele está sendo discutido por todo mundo, muito além da página dele
Pablo Ortellado, especialista em redes sociais digitais
Hegemonia de Lula e do PT
Na jornada para tornar viável sua candidatura presidencial, Ciro precisará conquistar corações, mentes, curtidas e compartilhamentos num campo majoritariamente dominado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e pelo PT. Lula vem repetindo que será candidato outra vez, intenção que Ciro tem criticado.
"O que estrutura o debate político brasileiro é o antipetismo, de um lado, e a reação ao antipetismo, do outro. O assunto político que mais se discute nas redes é, de longe, Lula e o PT. Se for para fazer um ranking, a pessoa que mais domina o debate político é o Lula. Não tem nem vagamente nada parecido com ele", diz o professor Pablo Ortellado, da USP.
"É porque ele está sendo discutido por todo mundo, muito além da página dele [no Facebook, @Lula, 2,94 milhões de seguidores]. É um pedaço da explicação para a excelente intenção de voto que Lula está tendo", dimensiona. Ele ainda pontua que, além da rede digital, o PT dispõe do controle de ONGs, sindicatos e veículos de informação alternativos, que repercutem sempre as posições do partido e de seus líderes.
Compartilhando o pensamento de Lula
A capacidade de Lula e do PT de engajamento nas redes também merece elogio do campo adversário: "A banda vermelha do PT é uma máquina poderosíssima na internet, eles são muito bons, inteligentes, assertivos. Aproveitaram o boom digital no Brasil, durante os 13 anos em que ficaram no poder. São muito bons em guerrilha, porque é o DNA deles. Montaram de fato uma guerrilha digital muito importante e que hoje gera uma influência muito grande", diz Daniel Braga.
"Agora, gera uma influência dentro da bolha. O PT prega para convertido. É diferente do que o João faz."
Pablo Ortellado aponta que Doria não dispõe de uma rede extensa de apoiadores digitais, daí a concentração do engajamento na página pessoal no Facebook. Nisso, diz Ortellado, difere de Lula e de Bolsonaro.
"Bolsonaro tem uma base de ativistas de rede muito forte. Tem muitas páginas pró-Bolsonaro influentes que apoiam e repercutem [o conteúdo divulgado por ele ou suas ações, como as de associações de forças policiais e militares]. Isso sem contar outras páginas do campo antipetista", afirma.
"O Bolsonaro é o fenômeno de alguém que não está no coração do sistema político e está conseguindo um pouco desse efeito, num nível muito inferior ao do Lula, mas suficientemente relevante."
Sobre Doria, Ortellado diz que se trata de uma "questão mais profissional", porque ele está "sempre atento à comunicação não só das redes, mas também televisiva", do ponto de vista de marketing político.
"Lula, Doria e Bolsonaro são os que vão melhor nas redes. Os três são fenômenos muito diferentes, embora para os três a comunicação digital seja muito importante", resume o professor.
Geraldo Alckmin, que deve disputar a vaga presidencial do PSDB em 2018, informou por meio de nota que "a capacidade de interação das redes aproxima a população do poder público e permite ao gestor ouvir mais a população e apresentar suas ações em prol do desenvolvimento do Estado e do país".
Segundo o comunicado, "há aproximadamente um ano, o governador decidiu utilizar uma nova linha de comunicação digital com o objetivo de aprimorar essa relação com os usuários das redes sociais, fazendo uso de todos os recursos que elas oferecem".
Experientes políticos, novos políticos estão testando a capacidade de seduzir e se relacionar diretamente, benefício e possibilidade que advêm das redes.
"'Todo mundo quer o novo' já virou uma máxima, todo mundo diz. Mas como você vai fazer o novo seguindo velhos conselhos, velhos formatos? Você quer fazer o novo com o velho marqueteiro? Quer fazer o novo com a velha análise de pesquisa? Esquece, cara. Tem de fazer o novo com o novo", finaliza Daniel Braga.
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