Temer quer, mas parlamentarismo em 2018 esbarra em prazo, dúvida jurídica e distritão
A ideia de se instituir o parlamentarismo no Brasil já em 2018 veio a público como “mera hipótese” na quinta-feira da semana passada (3), quando o presidente Michel Temer (PMDB) conversava por telefone com o jornalista Reinaldo Azevedo sobre a reforma política em discussão no Congresso Nacional.
"Vou me atrever um pouco aqui, [...] acho que nós poderíamos pensar, mera hipótese, no parlamentarismo para [as eleições de] 2018, né? Eu acho que não seria despropositado", declarou Temer.
A proposta não é exatamente uma novidade na política brasileira, mas a defesa pública do presidente animou defensores do sistema de governo. A reportagem do UOL apurou que alguns parlamentares passaram a discutir reservadamente sobre a viabilidade da eventual mudança.
Entretanto, diante da proximidade do limite legal para que qualquer novidade na legislação vigore nas eleições do ano que vem, a proposta logo esbarrou em um obstáculo. Haveria condições de mudar algo tão complexo como o sistema de governo do país em apenas dois meses?
Um dos principais defensores do sistema parlamentarista, o senador José Serra (PSDB-SP) estava coincidentemente ao lado de Temer, no Palácio do Planalto, quando o presidente apresentou sua "tese" a Reinaldo Azevedo.
O tucano acredita em uma transição de sistema mais gradual do que a sonhada por Temer, mas diz apoiar o presidente caso a ideia ganhe força já para 2018.
“A ideia inicial era adotar o voto distrital misto e o parlamentarismo a partir de 2022, preparando o sistema durante o próximo governo, com reformas administrativas. Mas é evidente que se houver condições políticas, eu apoio a tese do Temer”, declarou ao UOL.
O parlamentarismo é uma das bandeiras históricas do PSDB de Serra. Uma das quatro PECs (Propostas de Emenda à Constituição) em tramitação no Congresso que propõem a adoção do parlamentarismo foi apresentada pelo senador tucano licenciado Aloysio Nunes Ferreira (SP), no ano passado.
Presidente nacional do partido, o senador Tasso Jereissati (CE) declarou nesta quarta (9) que a legenda vai defender o parlamentarismo “não agora, não como solução de crise, mas para 2022". Com duração de dez minutos, o programa partidário do PSDB que será divulgado na próxima quinta (17) também vai abordar o tema.
No domingo (6), o parlamentarismo havia sido tema de conversa durante um jantar entre Temer e outro entusiasta do sistema que atua na Praça dos Três Poderes: o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes.
Em entrevista na véspera, Mendes disse que estava defendendo a necessidade de se pensar no que chamou de semi-presidencialismo, “alguma coisa que mesclasse uma Presidência com algum significado forte, mas que também valorizasse a governabilidade com um primeiro-ministro”.
Durante o recesso do Judiciário, no mês passado, o ministro já havia dado um recado pró-parlamentarismo com uma mensagem em suas redes sociais.
Leitura de férias: obra do professor Manoel Gonçalves abre perspectivas para a solução da crise politico-institucional que nos atormenta. pic.twitter.com/
— Gilmar Mendes (@gilmarmendes) 15 de julho de 2017
No entendimento do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), o Brasil já tem hoje um “semi-parlamentarismo entre aspas” na forma como Temer governa junto ao Congresso. “Se houver vontade política, tudo é possível”, declarou.
Incerteza jurídica
O sistema também é cercado por incertezas jurídicas que tornariam ainda mais improvável a sua aprovação em tempo hábil. Ou até mesmo a sua apreciação.
“Esse é um tema muito delicado, que vai suscitar muita polêmica não só de ordem política, no que toca à conveniência e à necessidade de um novo sistema de governo, mas de ordem jurídica”, comenta o ex-presidente e ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.
No entendimento do jurista, ao determinar a convocação de um plebiscito para 1993, no qual a população foi consultada sobre a manutenção da República e do presidencialismo como forma e sistema de governo no Brasil, a Assembleia Constituinte de 1988 suspendeu excepcionalmente as cláusulas pétreas sobre esses temas (itens da Constituição que não podem ser alterados por emenda).
Na ocasião, 55% dos eleitores votaram a favor do sistema presidencialista, enquanto 24% optaram pelo parlamentarismo. Desta forma, argumenta Ayres Britto, a rediscussão do tema estaria impedida, já que eles se tornaram instituições jurídicas "intocáveis a partir do resultado do plebiscito".
Defensores da mudança, por sua vez, sustentam que o sistema poderia ser alterado, mais de 20 anos após a consulta, por meio de uma PEC. Quando ocupava a presidência do Senado, em abril do ano passado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) enviou ao Supremo um parecer defendendo a discussão de uma proposta de emenda no Congresso.
No documento enviado por Calheiros, o parlamentarismo é considerado “absolutamente compatível” com o que a Constituição “tem de essencial”. “Não é que o parlamentarismo suprime a separação ou a independência entre os Poderes. O que ocorre é que otimiza outro princípio igualmente importante é o da harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário”, diz o texto.
Segundo o parecer, o sistema é constitucional porque os constituintes sugeriram como uma “legítima opção” ao presidencialismo.
Na ocasião, o ministro do STF Teori Zavascki, morto em fevereiro desse ano, havia colocado em pauta o julgamento de um mandado de segurança apresentado em 1997 para impedir a tramitação de uma PEC apresentada dois anos antes, que havia sido aprovada em comissões e está pronta para votação em plenário.
O mandado não chegou a ser julgado no ano passado e, após a morte de Zavascki, foi redistribuído para o seu substituto, Alexandre de Moraes, que foi ministro da Justiça de Temer e escolhido por ele para o Supremo. A ação está agora sob análise do ministro.
Mesmo sendo defensor do sistema, “próprio dos países de democracia consolidada e economia desenvolvida”, Ayres Britto diz que, como jurista, tem “dúvidas se cabe um novo plebiscito, quanto mais por emenda constitucional singela, direta, pura e simples”.
“Se não é por emenda constitucional, é pelo quê?”, questiona Serra. “Essa é uma discussão que fatalmente vai chegar ao Supremo.”
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, disse também ter dúvidas sobre a possível forma de adoção do sistema. “Acho que a gente pode introduzir o debate, mas acho que vai precisar que a sociedade participe como participou do outro”, declarou em entrevista na segunda (7).
"Agora o Parlamentarismo requer um sistema eleitoral completamente diferente desse que nós temos. Acho que são coisas que a gente pode ir avançando. Está ficando muito claro que o sistema presidencialista brasileiro se esgotou e a gente precisa construir algo novo, que seja no sistema de governo ou no sistema eleitoral”, ponderou.
Apesar de considerar precipitada a possibilidade de implantação do parlamentarismo já a partir de 2019, o professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Beçak acredita que "não dá para ficar preso a uma decisão que foi tomada há mais de 20 anos, porque as realidades mudam geracionalmente".
"Não quer dizer que você tem que analisar todas as coisas todos os anos, mas acho que o assunto poderia ser discutido, sim, se as condições políticas assim o permitirem", comentou o jurista.
Distritão
Aprovado nesta quinta (10) pela comissão da Câmara que analisa uma proposta de reforma política, o modelo conhecido como “distritão”, em que parlamentares são eleitos de forma majoritária, se tornou outro empecilho à ideia do sistema parlamentarista.
A urgência em se aprovar alguma mudança levou o PMDB, maior bancada do Congresso, a se empenhar pela proposta como transição para o voto distrital misto, a partir de 2022.
A reportagem apurou que, por conta da estratégia, a “tese de Temer” não chegou nem a ser mencionada no jantar realizado na noite de terça (8) na residência oficial do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), que reuniu diversas lideranças políticas do Legislativo.
Caso fosse adotada nesse momento, a ideia certamente enfrentaria resistência no Congresso, como demonstra a reação do senado Roberto Requião (PMDB-PR) a uma pergunta sobre a possibilidade de o parlamentarismo ser colocado em votação nas próximas semanas.
“Não vão conseguir mexer nisso. Já foram derrotados duas vezes no Brasil, não vão eliminar uma eleição direta [em 2018], ainda mais em uma situação de descrédito total do Congresso Nacional. É um sonho numa noite de verão”, declarou o peemedebista.
Para Requião, a mudança no sistema de governo seria “um golpe definitivo contra a população” e provocaria uma “revolta brutal da população”.
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