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General sugeriu. Mas uma intervenção militar no Brasil seria possível atualmente?

7.set.2017 - Militares participam de desfile da Independência em Porto Alegre - Estadão Conteúdo
7.set.2017 - Militares participam de desfile da Independência em Porto Alegre Imagem: Estadão Conteúdo

Daniela Garcia e Luciana Amaral

Do UOL em São Paulo e em Brasília

19/09/2017 04h00Atualizada em 19/09/2017 14h37

Sugerida por pequenos grupos durante manifestações recentes contra políticos, a possibilidade de uma intervenção militar no Brasil voltou a ser debatida após declarações do secretário de economia e finanças do Exército, general Antonio Hamilton Martins MourãoEm palestra numa loja maçônica de Brasília na sexta (15), Mourão respondeu a uma pergunta sobre a eventualidade de uma intervenção militar constitucional. Disse que os militares poderão ter de "impor isso" e que essa "imposição não será fácil".

Segundo três especialistas ouvidos pelo UOL, porém, as manifestações favoráveis à intervenção não encontram respaldo na Constituição nem representam o entendimento e comportamento do Ministério da Defesa na era democrática do país.

Dois cientistas políticos e um especialista em Direito Constitucional ouvidos pela reportagem ressaltam que a opinião do general está longe de ser a posição oficial do Ministério da Defesa desde a redemocratização do Brasil.

"As Forças Armadas estão atuando de acordo com conceitos e princípios democráticos, sabendo que seu papel não é de governar", avalia João Paulo Machado Peixoto, cientista político.

General fala em intervenção militar contra corrupção

UOL Notícias

Paulo César Nascimento, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), acredita não haver possibilidade real de uma intervenção militar no Brasil. Para ele, a democracia está consolidada no país, e grupos que defendem a volta das Forças Armadas ao poder são minoritários de extrema-direita.

“Não tem a menor chance isso, por vários motivos. Primeiro é o legado do regime militar e a luta pela democracia, que se consolidou nas últimas décadas, com o Exército aceitando um papel específico de segurança nacional”, diz.

Outras razões, explica Nascimento, incluem o fato de o ministro da Defesa, Raul Jungmann, ser um civil militante da esquerda; a resposta do Exército em exonerar Mourão do Comando Militar do Sul em 2015 após críticas ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff; e a ausência de tropas sob seu comando. Como secretário, teoricamente, Mourão exerce um cargo mais burocrático.

“Que há gente querendo um golpe, não há dúvida, no Exército e na sociedade. Novamente, são grupos minoritários que não têm força política nem mesmo militar para dar um golpe, destituir o presidente, mesmo que seja temporário. Isso sem falar na repercussão internacional”, avalia o professor.

Raul Jungmann, ministro da Defesa, declarou na noite de segunda-feira (18), que convocou o comandante do Exército a dar explicações sobre a fala do subordinado, além de avaliar medidas a serem tomadas contra o general. Em nota, o Exército disse que não ia comentar o caso.

Sem respaldo na Constituição

Na palestra à maçonaria, o general afirmou que uma "intervenção militar" poderá ser adotada se o Judiciário "não solucionar o problema político", em referência aos casos de corrupção envolvendo nomes dos poderes Executivo e Legislativo.

Para Carlos Gonçalves Júnior, doutor e mestre em Direito do Estado da PUC de São Paulo, a declaração do general "não deve ser tomada a sério". Ele explica que a Constituição deixa claro que não cabe ao Exército discutir as decisões da Justiça.

O artigo 142 da Carta trata apenas que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e "à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes [Poderes], da lei e da ordem". O texto, portanto, condiciona uma eventual ação militar a uma iniciativa anterior dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A crise que levou ao golpe militar de 1964 também não tem semelhanças com o momento atual do Brasil, analisam os especialistas. Gonçalves Júnior lembra que o governo à época, de João Goulart (1961-1964), era acusado de ter ligações com o Comunismo, em meio a uma disputa de ideologias na Guerra Fria.

"No golpe de 1964, era o ápice da polarização política. Foi uma medida muito radical (a intervenção militar) motivada por um anseio popular e social. Hoje, não vejo o apoiamento por uma grande ruptura do Estado de Direito. A população está insatisfeita com os políticos, não com os mecanismos da democracia ou com as garantias das instituições."

Na avaliação de Nascimento, o Brasil não se encontra em uma crise grave que esteja abalando o funcionamento regular das instituições nem em uma situação “perto da Venezuela”, em referência ao regime ditatorial de Nicolás Maduro. Ele ressalta ainda a recuperação econômica brasileira nos últimos meses.

“Quem daria esse golpe em nome de quem? Em nome do Temer ou no Temer para instaurar o quê no lugar dele? Não tem sentido, lógica, embasamento. As crises estão se resolvendo no âmbito político”, defende.

"Chegará a hora que nós teremos que impor uma solução"

A polêmica fala de Mourão aconteceu após o militar ser questionado por uma pessoa na plateia, por meio de pergunta em pedaço de papel, se não seria o momento de uma “intervenção” das Forças Armadas diante da corrupção deflagrada nos Poderes Executivo e Legislativo.

O integrante da plateia na entidade maçônica citou como exemplo a apresentação da segunda denúncia contra o presidente da República, Michel Temer, pela PGR (Procuradoria-Geral da República), e deixou claro que sua pergunta se referia a uma intervenção com o fechamento do Congresso Nacional, ou seja, “gente nova”.

A pergunta lida por um mediador do evento foi: "A Constituição Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas. Os poderes Executivo e Legislativo estão podres, cheio de corruptos, não seria o momento dessa interrupção, dessa intervenção, quando o presidente da República está sendo denunciado pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter 'comprado', entre aspas, membros da Câmara Federal? Observação: fechamento do Congresso, com convocações gerais em 90 dias, sem a participação dos parlamentares envolvidos em qualquer investigação. Gente nova".

O general Mourão comentou que a pergunta era “excelente” e respondeu que, se as instituições não conseguirem solucionar o “problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos”, os militares terão “que impor isso”.

Ele disse ainda que sua visão de fazer “aproximações sucessivas” coincidiria com a do Alto Comando do Exército. O general destacou que a “imposição não será fácil” e “trará problemas”.

“Nós temos planejamentos, muito bem feitos. Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí”, declarou Mourão, sem citar quais planejamento seriam.