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Igreja evangélica mais antiga de SP defende reforma política e rechaça "político pastor"

O teólogo Valdinei Ferreira é pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo - Arquivo pessoal
O teólogo Valdinei Ferreira é pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

31/10/2017 04h00

No dia em que a Reforma Protestante completa 500 anos, nesta terça-feira (31), a igreja evangélica mais antiga de São Paulo lança um manifesto em defesa de uma reforma política que contemple propostas como o combate ao foro privilegiado e à utilização de terminologias religiosas por candidatos nas eleições.

A iniciativa é da Igreja Presbiteriana Independente, estabelecida na cidade de São Paulo desde 1865 e que arregimenta hoje, em todo o país, cerca de um milhão de fiéis.

Batizada de “Reforma Brasil”, a bandeira, segundo seus autores, se destina a quaisquer cidadãos brasileiros e vai cobrar de candidatos à Presidência e a postos legislativos, ano que vem, qual proposta de reforma política eles têm em mente e por qual irão trabalhar.

"Cadáveres insepultos da política que continuam a circular impunes", diz manifesto

O manifesto, ao qual o UOL teve acesso, destaca sete pontos considerados fundamentais para a reforma:

  • fim do foro privilegiado;
  • fim das reeleições sem limites para o legislativo;
  • fim das emendas legislativas no orçamento da União;
  • criação do voto distrital;
  • racionalização “do tamanho, da proporcionalidade e dos custos da representação política na esfera da União, dos Estados e dos Municípios”;
  • redução da influência do dinheiro no financiamento das campanhas eleitorais;
  • e aprimoramento dos mecanismos de nomeação e aprovação para os tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais de Contas de União, Estados e Municípios).

Logo no início, o texto do manifesto menciona uma passagem do profeta Ezequiel, do antigo Testamento da Bíblia, para comparar a paisagem política brasileira atual a um “vale de ossos secos” e um “território dominado por legiões de mortos-vivos, instalados nos centros de poder do país”. “São cadáveres insepultos da política que continuam a circular impunes, graças ao salvo-conduto do foro privilegiado, às malas de dinheiro e às relações corporativas nefastas com os tribunais”, diz o texto.

No manifesto, a igreja ainda se afirma preocupada “com o uso cada vez mais frequente de títulos religiosos por parte de candidatos que se pretendem representantes dos cristãos evangélicos”.

“Uma das marcas da Reforma Protestante é sua diversidade de organização e pensamento; logo, ninguém está autorizado a falar ou a representar, na política partidária, os cristãos evangélicos”, afirma o manifesto.

Pastor questiona "seriedade" de políticos que usam títulos religiosos

Para o pastor titular da igreja, o teólogo e doutor em sociologia Valdinei Ferreira, a ideia, com o manifesto, não é “impedir que alguém seja candidato utilizando na sua propaganda eleitoral seu título religioso”, mas alertar que esse uso seja reservado às finalidades religiosas, e nunca para propaganda de candidatura eleitoral.

“É no mínimo de se questionar a seriedade com que esses políticos ditos religiosos tomam sua própria religião à medida em que não têm pudor de usá-la com finalidades eleitorais. Não defendemos a proibição desse uso, pois isso feriria a liberdade de cada um se apresentar como queira, mas, do ponto de vista do público cristão, queremos enfatizar que essa é uma deturpação do uso do título religioso com finalidade eleitoral”, ressalvou.

De acordo com Ferreira, a igreja não tem, atualmente, “nenhum interlocutor” na bancada evangélica – grupo que reunia 21 membros em 1994 na Câmara dos Deputados e hoje conta com cerca de 85 (16,5%) dos 513 parlamentares.

“Temos que conversar com todo mundo. Mesmo na bancada há pessoas bem-intencionadas e dispostas a ouvir e corrigir rumos, quero acreditar. Nossa intenção é chamar os candidatos ano que vem, sobretudo os presidenciáveis, para discutir esses temas com eles e pedir deles um posicionamento: que tipo de reforma política eles têm em mente? E por qual reforma eles vão trabalhar?”, exemplifica.

Fundo eleitoral, cláusula de barreira e "cortinas de fumaça" 

Mês passado, o Congresso aprovou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que estabeleceu uma cláusula de barreira pela qual partidos que não tiverem uma quantidade mínima de votos perdem o acesso a recursos do fundo partidário já no ano seguinte, 2019. O presidente Michel Temer (PMDB) ainda sancionou um projeto de lei do Senado que criou um fundo eleitoral público de campanha para substituir as doações de empresas, valor que deve ser de R$ 1,7 bilhão em 2018.

Na avaliação do presidente da Igreja Presbiteriana, esses dois pontos são “até positivos, mas muito tímidos para o que se espera de uma reforma política de fato”.

Sobre o fato de o manifesto ser lançado exatamente no aniversário de 500 anos da Reforma Protestante, o pastor justificou: “A Reforma Protestante representou uma redução da distância entre Deus e os seres humanos, entre o clero e o texto sagrado e os fiéis. E hoje a gente percebe que há um verdadeiro abismo entre os eleitores e seus representantes, e isso está sustentado no nosso modelo político. Por isso que precisam ser reformados o sistema político e a própria política”, defendeu.

“Repudiamos o modelo de atuação da bancada evangélica – ela não contribui e não atua no espírito da Reforma Protestante –quando, por exemplo, se une para tentar emplacar uma medida que isenta ou perdoa as dívidas das igrejas à Receita Federal. Isso é lamentável; o bom testemunho cristão seria pagar as dívidas, e não buscar um jeitinho para contornar a lei justamente àqueles que quebraram a lei e são devedores”, salientou.

Indagado sobre os temas de natureza moral combatidos na bancada evangélica – entre os quais os vinculados aos direitos da população LGBT e, mais recentemente, sobre os limites a exposições artísticas em museus --, o pastor classificou as ações como “cortinas de fumaça” dos parlamentares que empunham essas bandeiras.

“Não tenho dúvidas de que é uma cortina de fumaça, por exemplo, esse conflito que se busca estimular em relação à comunidade LGBT. Fazer isso é desempenhar um papel de teoria da conspiração em uma narrativa sobre uma suposta grande conspiração contra a família, quando, na realidade, tão grave ou mais que uma exposição artística são os juros cobrados no Brasil. Uma bancada realmente preocupada deveria estar muito mais preocupada com essa questão da economia que com assuntos pontuais de moralidade que acabam desviando a atenção dos problemas de segurança e de desemprego. Isso, sim, afeta de fato o dia a dia das pessoas”, opinou.

O lançamento do manifesto “Reforma Brasil” acontece nesta terça às 20h no Templo da Catedral Evangélica de São Paulo, na região da Consolação, região central de São Paulo. Entidades do terceiro setor e organizações da sociedade civil organizada, como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Associação Comercial de São Paulo, serão chamadas a aderir à causa.