Em 2019, ministros do STF ganharão 18 vezes o que brasileiro médio recebe
Com novo salário de R$ 39,3 mil a partir de janeiro, o rendimento de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) vai ser 18 vezes maior do que o rendimento médio do trabalhador no Brasil (R$ 2.155,00), segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O aumento gerou críticas, uma vez que pode inchar as despesas federais em R$ 4 bilhões, segundo técnicos do Congresso Nacional. A reportagem do UOL procurou juristas para analisar a questão: os juízes do STF ganham muito?
Se formos comparar com a Suprema Corte dos Estados Unidos, não necessariamente. Lá, os ministros recebem cerca de R$ 85 mil mensais, porém isso equivale a cerca de quatro vezes o salário médio do norte-americano --uma discrepância bem menor do que a vista no Brasil.
"O Judiciário do Brasil é comprovadamente um dos Judiciários que têm a melhor remuneração do mundo em termos de funcionalismo público. Não só na remuneração, como também na série de vantagens e mordomias que usufrui. Um membro da Suprema Corte na Alemanha às vezes vai ao tribunal de bicicleta", descreve Gilson Dipp, ministro de outra corte superior, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre 1998 e 2014. "Se é justo ou não? Acho que a remuneração do Supremo está à altura do desempenho da função."
Para o jurista, a questão é que, de maneira artificiosa, se colocou o STF como teto e diretriz do funcionalismo, como base para todos os demais aspectos remuneratórios de toda a magistratura dos tribunais superiores, da Justiça Federal, do Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais e Tribunais de Justiça dos estados.
"Enfim, se fosse aumento para os 11 ministros do Supremo, tudo bem. Agora, o Supremo sabe que o aumento pleiteado e que se autoconcedeu não é só para eles. Eles têm plena consciência de que isso desencadeia nova remuneração para todo o funcionalismo público dos três Poderes."
A jurista Eliana Calmon, primeira mulher a se tornar ministra na história do STJ, assume também que o Judiciário brasileiro paga bem. "Não vou dizer que um juiz ganha absurdos, mas ganha bem no Brasil, sim." Para ela, os chamados "penduricalhos" aos vencimentos mensais, como auxílio-pré-escolar e auxílio-natalidade, entre outros, "é que são terríveis".
"Nos estados, esses penduricalhos cada vez aumentam mais. Por exemplo, um juiz do Rio de Janeiro chega a ganhar mais de R$ 100 mil. Ganha mais do que um ministro do Supremo."
Aumento "ao apagar das luzes"
O anúncio do reajuste salarial do STF foi simultâneo ao da suspensão da liminar que determinava o pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.377,00 a juízes de todo o país, inclusive ao magistrado que morasse em imóvel próprio. O mesmo ministro do STF que concedera a liminar em 2014, Luiz Fux, a suspendeu agora.
"O Supremo, através do relator [Luiz Fux], tratou o auxílio-moradia como mera mercadoria de troca. Ou seja, numa ação ordinária em que se estava julgando a constitucionalidade do auxílio-moradia, não se deu nenhuma importância ao aspecto constitucional e se jogou o pacote para trocar por outro pacote, que era o aumento para os ministros do Supremo. O ministro relator tratou o auxílio-moradia como se fosse um cacho de bananas", critica Dipp.
Fux primeiro deixou essa liminar por quatro anos e agora a cassa sem levá-la ao plenário do Supremo, dizendo simplesmente que a Constituição é adaptável ao momento. Ora, isso não é matéria constitucional para que o Supremo possa se manifestar dessa forma
Gilson Dipp, ex-ministro do STJ
Wálter Maierovitch, jurista e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, concorda com Dipp: "Podemos falar em coisas jamais assistidas na Justiça".
O "jeitinho" do Judiciário
A jurista Eliana Calmon destaca que o auxílio-moradia foi forma de contornar a falta de reajuste salarial efetivo. Os vencimentos dos funcionários do Judiciário não eram corrigidos desde 2014.
O auxílio-moradia sempre foi um absurdo, porque era uma ilegalidade, todo mundo sabia. E o Supremo terminou acoitando [acolhendo] isso, o seu relator, porque precisavam de um aumento [para a magistratura] e o aumento não vinha. Aí deram o auxílio mesmo sabendo que era ilegal e ficaram numa saia-justa. Não sabiam como sairiam dela e então começaram a negociar o aumento para ver se tiravam o auxílio. Isso foi uma forma de conseguir do governo federal um aumento para a magistratura
Eliana Calmon, ex-ministra do STJ
Contudo, Calmon diz que o reajuste para o Judiciário se fazia necessário, mas colocado de outra forma. "O feio foi isso ao apagar das luzes [de um governo], deixando uma conta para o próximo governo. Isso é que foi muito ruim", pondera.
Embora também avalie que os vencimentos do Judiciário estejam "defasados", o ex-ministro Dipp considera o momento inadequado, uma vez que as contas públicas estão deficitárias e o país ainda enfrenta grave crise econômica, e critica a posição do presidente Michel Temer (MDB).
"O que deveria fazer um presidente que já sai desgastado? A Constituição diz: passados os 15 dias para vetar ou não vetar a matéria, se o presidente silencia, não faz uma coisa nem outra, quem vai apreciar o veto é o Congresso Nacional", analisa.
"Ou seja, transfere de novo para o Congresso todo esse ônus de discussão e esse ônus vai cair no futuro Congresso, que pelo menos em tese está atrelado ao novo governo, que tem criticado o aumento de despesas. E esse novo Congresso então vai firmar seu novo entendimento ou não. Agora, o que não pode haver é uma troca pura e simples."
O desembargador aposentado Maierovitch compartilha a visão de seus colegas e diz que o caso "revela como os juízes da Suprema Corte estão muito distantes daqueles que eles representam, que é o povo".
É absolutamente importuno e inconveniente, porque a situação do país não admite que outros segmentos tenham reajuste salarial. Aí você cria uma classe de privilegiados
Wálter Maierovitch, ex-desembargador do TJ-SP
Como evitar e corrigir distorções?
Segundo os juristas consultados pelo UOL, os chamados privilégios e mordomias, que levam ao pagamento de supersalários em todos os níveis da Justiça, só poderão ser evitados e corrigidos com o aprimoramento do sistema de controle externo do Judiciário.
Esse órgão já existe, chama-se CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas do modo como trabalha hoje não cumpre bem seu papel, dizem os especialistas.
Se esse país fosse minimamente sério e tivesse um efetivo conselho de controle externo do Judiciário, com competência inclusive sobre os ministros do Supremo, coisa que hoje não acontece, o ministro Luiz Fux não teria tal ousadia
Wálter Maierovitch, ex-desembargador do TJ-SP
Segundo Maierovitch, o CNJ é um conselho corporativo, que pouco fiscaliza e pune seus pares, porque a maioria dos seus conselheiros são juízes.
Para Eliana Calmon, outra questão a ser combatida é a liberdade hoje dos tribunais estaduais em gerirem como bem querem seus recursos, gozando inclusive da faculdade de ampliarem e concederem mais benefícios aos seus integrantes.
"O CNJ precisava ter ingerência maior sobre os Tribunais de Justiça, coisa que eles nunca quiseram. Acham uma intromissão indevida, porque, como estados, são independentes. Essa briga com o CNJ sempre existiu, desde que o conselho foi criado [em 2004]. Não querem prestar satisfação."
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