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Político só deveria ter foro em caso de corrupção, diz ministro da CGU

Wagner Rosário, ministro da CGU (Controladoria Geral da União), durante entrevista - Lúcio Távora/UOL
Wagner Rosário, ministro da CGU (Controladoria Geral da União), durante entrevista Imagem: Lúcio Távora/UOL

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

05/12/2018 04h01

Destaques da entrevista:
- Para ministro, político só deve ter foro em caso de corrupção
- CGU deve fechar acordo de leniência de cerca de R$ 1 bilhão
- Rosário propôs a Moro formar comitê anticorrupção de instituições
- Empresa que denuncia tem que ser isenta de multa, diz ministro

O ministro da CGU (Controladoria Geral da União), Wagner Rosário, que continuará no cargo na gestão de Jair Bolsonaro (PSL), defende que políticos só tenham foro privilegiado em casos relacionados a corrupção. Acusações de homicídio, brigas de trânsito e outras questões sem ligação com prejuízos ao patrimônio público deveriam ser julgadas em primeira instância mesmo que tivessem acontecido durante o mandato, disse ele, em entrevista ao UOL nesta semana, em seu gabinete, em Brasília.

“Não tem por que você ter foro para isso. O foro não contempla essa finalidade”, afirma Rosário. Em maio, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que parlamentares só tenham foro privilegiado sobre fatos ocorridos durante o mandato ou relacionados ao cargo.

Em conversa com o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, Rosário propôs a formação de um comitê ou “centro de governo” anticorrupção formado pela CGU, pela pasta da Justiça, pela AGU (Advocacia-Geral da União), e pelos órgãos hoje ligados à Fazenda, Receita Federal, Banco Central e CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Capitão da reserva do Exército, o chefe da Controladoria chegou ao cargo em 2017, no governo de Michel Temer (MDB). Foi cumprimentado por Bolsonaro com uma continência militar na Base Aérea de Brasília há duas semanas, momento em que foi confirmado no cargo a partir de 2019. Veja os principais trechos da entrevista:

UOL – Qual a maior dificuldade no combate à corrupção no Brasil?
Rosário – Esses fatores já vêm sendo vencidos. A gente já tem uma maturidade maior de conhecer o “modus operandi” dessas empresas e agora passar a trabalhar com o aspecto preventivo da corrupção. O governo vem começando um trabalho de implantação de programas de integridade [programas internos com setores específicos dentro de empresas, governos e ONGs para prevenir, investigar e punir casos de corrupção dentro das próprias instituições, também chamado “compliance”]. A sociedade brasileira vem sentindo os efeitos da corrupção e sabe muito bem que ela gera desigualdade social, desemprego e baixo desenvolvimento econômico. As pessoas começam a ter um comportamento mais “de sociedade” e não de apenas “olhar somente para o próprio umbigo”. A gente está passando por essa fase de crise. E isso tem alertado mais os brasileiros de que uma mudança de comportamento, não só dos governos mas da sociedade como um todo, é essencial para a gente mudar.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) disse que os desembargadores ainda têm direito a foro privilegiado mesmo depois das decisões do STF e do próprio STJ de restringir esses benefícios a parlamentares e governadores. Como vê isso?
Não conheço as razões do STJ, mas a tendência é irmos diminuindo o foro. Respeito a decisão do STJ. Infelizmente, vimos que quem tinha foro tinha menos sanções. Os grandes tribunais não são vocacionados para os processos como os de primeira instância. Não tenho comparação em outros países, mas a gente tem foro demais.

Os foros especiais estimulam a corrupção?
Acho que não. O foro não é um foro de você não ser julgado. É ser julgado por um tribunal específico. Esses tribunais têm a capacidade de julgar? Capacidade, tem. Não sei se prepararam uma estrutura interna para que isso seja mais célere. O problema não é o foro, é a impunidade.

O problema é que hoje, a experiência que temos, é que normalmente [para] quem tem foro, os processos duram mais tempo. Mas lembre-se que, mesmo entrando na primeira instância, você vai poder recorrer até a última instância.

Como analisa o fato de que, na prática, um processo sequer é julgado porque algum deputado ou senador conseguiu se reeleger?
Antes, o foro era para tudo. Hoje, estamos relativizando. Se os processos não estiverem envolvidos com casos de corrupção, o julgamento deveria acontecer durante o mandato da pessoa na primeira instância.

Crime de trânsito ou de vizinhos...
Isso aí não tem porque você ter foro para isso. O foro não contempla essa finalidade.

E um homicídio?
Primeira instância.

Ficariam só casos de patrimônio público?
Exatamente.

Parlamentares são condenados e passam a dormir na cadeia e trabalharem no Congresso durante o dia. Como o senhor avalia?
É uma questão complicada, principalmente se forem crimes vinculados a mau uso de recursos públicos.

Um dos papeis do parlamentar é fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. Se ele responde a uma condenação por isso, fica difícil ele continuar no cumprimento dessa atividade.

A pena teria, [como] uma das finalidades, a recuperação. Você fala: “Ele foi eleito, está pagando por isso, ele não teria direito a trabalhar?”. Leva a um aspecto ético.

Há cinco acordos assinados pela CGU, no valor de R$ 4,5 bilhões. Havia expectativa de fechar mais dois ou três até o fim do ano. Fecharam?
Praticamente. Não assinamos ainda, mas os acordos estão bem adiantados, alguns em termos de valor e cláusulas contratuais. Até o fim do ano a gente assina mais pelo menos um. Não sei se dois. Se não for esses dois, até o início do ano que vem.

Esse acordo quase fechado tem qual valor?
É na casa de bilhão.

Chega a R$ 2 bilhões?
Não.

Agora, com os dois acordos, chega a quanto?
Não sei o valor do outro. Mas é pelo menos mais uns R$ 2 ou R$ 3 bilhões aí vão nessa soma.

Qual empresa fechou esse acordo de R$ 1 bilhão?
Não posso falar. Está em sigilo até o momento.

A Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Toyo Setal já fecharam com Cade ou Judiciário, mas não com a CGU...
Aqui ainda não. Pode ser que seja uma delas, mas não sei se é.

Galvão Engenharia...
Tem essas empresas todas aí que ainda estão com campo para fechar.

Elas estão negociando?
Estão.

03.dez.2018 - O ministro da CGU (Controladoria Geral da União), Wagner de Campos Rosário, dá entrevista ao UOL em seu gabinete, em Brasília - Lúcio Távora/UOL - Lúcio Távora/UOL
Vinte empresas negociam acordos de leniência com a CGU
Imagem: Lúcio Távora/UOL

A que o senhor atribui esse aumento de 13 negociações de leniência para 20, em três meses?
As empresas estão vendo que os acordos estão funcionando. Tem-se uma segurança maior. As empresas estão saindo daqui com muito mais coisas resolvidas. Os órgãos estão conversando melhor. Cria um ambiente favorável.

Hoje, não ficaria “barato” para a empresa esse tipo de acordo de leniência? Ao voltar a contratar com o poder público, não se torna um “valor recuperável” mesmo depois de pagar bilhões de reais? Não compensou?
Não fica barato. Não é simples assim: eu faço e depois eu recupero. Para a empresa fechar o acordo, vai ter que passar por várias etapas. Englobam ressarcimento dos danos, trazer provas que venham contribuir para a investigação e, em terceiro lugar, a mudança de comportamento. Se ela não cumprir esses requisitos, vai estar fora da possibilidade de se manter.

Essas empresas têm um ganho grande fruto de ilícitos que cometeram, mas as perdas posteriores também são muito grandes. A gente coloca o valor da multa e essas empresas já vêm sendo sancionadas. Estar fora do cadastro de fornecedores da Petrobras, um impacto financeiro muito grande para as empresas, já serve como uma sanção.

A gente pensa na empresa como algo familiar, e essa não é mais a realidade. Quando fecham um programa de integridade, elas têm que ter um conselho de administração, e esse conselho passa a ter regras de que, para recrutamento, não é escolhido pelo dono da empresa. Aquela pessoa que tem participação societária passa a não ter nenhum tipo de influência na empresa.

A Siemens disse que sumiram com US$ 7 milhões dela numa conta secreta no período em que fechava contratos no chamado ‘cartel dos trens’ de São Paulo. Dá para acreditar que isso tudo foi montado apenas por executivos e diretores sem conhecimento da direção?
Fica difícil acreditar nesse exemplo que você deu. Como a empresa transfere US$ 7 milhões e é só um rapaz que estava envolvido? Mas a Siemens fez acordo de leniência. Assumiu a responsabilidade. Foi sancionada. Na época, foi a maior multa da história. A Siemens hoje é um exemplo em termos de compliance. São exemplos positivos como o da Siemens que a gente quer ver no Brasil.

A probabilidade de a Siemens sofrer um caso de corrupção e dos grandes dirigentes estarem envolvidos é muito menor. Se estiver acontecendo, os programas de integridade falharam. E ela vai pagar por isso.

Por que o senhor propõe que empresas sem condições de pagar os prejuízos causados não sejam obrigadas a reparar os danos integralmente, como é previsto na lei hoje?
A lei tem que mudar. A empresa não estaria pagando completamente o dano por total incapacidade. Lembre-se que esses recursos não foram todos absorvidos pela empresa. Se ela me indica que pagou R$ 100 milhões para João, ela paga R$ 100 milhões aqui e eu vou atrás de ‘João’ para recuperar R$ 100 milhões. Hoje a gente está alargando o prazo de pagamento, para garantir que a empresa possa pagar. A gente tem como ideia o seguinte: “Esse cara roubou, eu vou acabar com a empresa”. Só que aí você está admitindo que está abrindo mão de recuperar os recursos. Nos casos em que ficar comprovado que ela não tem condições, uma auditoria contábil... Não fizemos isso no Brasil até hoje. Outros países fazem, como os EUA.

03.dez.2018 - O ministro da CGU (Controladoria Geral da União), Wagner de Campos Rosário, dá entrevista ao UOL em seu gabinete, em Brasília - Lúcio Távora/UOL - Lúcio Távora/UOL
Se a empresa diz que pagou R$ 100 milhões de propina, tem que devolver o valor e a CGU cobra o mesmo tanto do corrupto
Imagem: Lúcio Távora/UOL

O senhor vai propor essa mudança ao governo ou ao Congresso agora que foi reconduzido ao cargo por Jair Bolsonaro?
Vou conversar. O que me deixa preocupado é que toda vez que você abre uma mudança de uma lei, abre diversas outras coisas. Vai ter outras emendas parlamentares que podem desvirtuar a ideia. Também sou a favor de um maior incentivo para que as empresas implantem programas de integridade. A empresa detecta um caso de corrupção. O funcionário deu R$ 10 mil para agilizar uma licença. Aí o cara: “Beleza, eu agilizo para você”. A empresa descobriu, trouxe [para a CGU]. Eu vou sancionar a empresa hoje [sorrisos]. Você acha justo que uma empresa que tomou todas as medidas, que identificou, seja sancionada? Não é.

Empresas que implementaram programas de integridade, detectaram e trouxeram [os casos aos investigadores], essas empresas têm que ser isentas de multa.

E se a empresa não informar a autoridade? Não dá para demitir simplesmente?
Dá para fazer. Mas se a gente descobrir...

Como foi a conversa com o presidente Jair Bolsonaro na Base Aérea de Brasília quando ele comunicou que o senhor ia se manter no cargo?
Bem direto (risos). Não tem muita enrolação, não. Poucos segundos. “Vamos nessa?”. Já entrou em outro assunto. A gente estava conversando sobre medidas do governo e decisões sobre os próximos passos. Estava uma conversa bem descontraída. Ele foi bem direto ao assunto e ele tinha outra reunião lá mesmo na Base Aérea com outra equipe. Ele se trancou em outra sala. E saímos.

O que Bolsonaro pediu ao senhor sobre o tipo de CGU que ele quer?
“Faça as atribuições previstas na sua pasta conforme a lei.” Não deu nenhuma diretriz específica.

Como foi a conversa com o futuro ministro da Justiça Sergio Moro?
Conversamos aqui na semana passada. Apresentei a ele um resumo dos planos que estão em andamento no governo. Ele gostou bastante. Eu conversei com o ministro a possibilidade de a gente criar uma iniciativa que passou a ser feita no governo, são centros de governo específicos. Eu falei para o ministro Moro: “A sua expertise junto com a CGU, temos a Fazenda, que tinha o Coaf até agora, tem Banco Central, porque tem crimes financeiros, Receita... Isso tudo a gente junta, traça as estratégias e faz a força”.

Vai ser feito isso?
Se Deus quiser. Vamos ver se a gente consegue fechar isso assim que iniciar o governo. Hoje já funciona o comitê de governança. A gente chegou a conversar de montar um comitê de combate à corrupção onde a gente trace objetivos específicos. Justiça, Fazenda, AGU, CGU. Fazenda por causa da Receita, Banco Central, e CVM. A gente só comentou e não tivemos tempo de acertar, mas é sempre interessante porque isso dá uma força muito grande. Não fica uma decisão de um ministério. Ficam quatro ministros dentro de um comitê.

Cogitou-se colocar a CGU dentro do Ministério da Justiça. Como será sua relação com Moro?
De ministro para ministro. O aspecto não é de ascendência, mas de colaboração.

O futuro ministro da Saúde, deputado Luiz Mandetta (DEM-MS), foi investigado pela CGU num caso de licitação. Qual a liberdade da CGU para atuar neste tipo de caso?
Houve uma contratação de um serviço, parece que não foi entregue. Não houve caracterização, pelo que me recordo, de fraude em licitação principalmente com o envolvimento dele. O relatório chegou ao fim. O ministro, se ele... explicando a situação, ele vai ser absolvido, não tem problema nenhum. Foi um relatório... acho que já faz alguns anos inclusive. Então, é situação normal, não muda nada.

O governo tem três ministros investigados pela polícia ou Ministério Público – Mandetta, Casa Civil (Onyx Lorenzoni) e Agricultura (Tereza Cristina)...
Não vi o caso, mas tem que verificar. Na CGU, a gente abre investigação preliminar para apurar fatos. Isso não quer dizer que a pessoa no alvo vai ser considerada culpada ou não. Se fosse assim, eu mesmo estaria impedido de estar aqui porque estou respondendo a processo por acusação de obstrução de provas ao TCU. O que vai fazer diferença são as atitudes tomadas a partir da comprovação daquela ocorrência.

Ser réu é um bom filtro?
Depende do caso.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, será o primeiro presidente réu em ações criminais desde a redemocratização.
Eu não concordo. Você acha que é justo retirá-lo da condição de ser presidente por conta das acuações que ele tem? Eu acho que não. O tipo de acusação que fizeram com ele... Não justifica ele deixar de ser presidente por causa disso. Vi o vídeo como um todo, eu não vi nenhuma incitação ao estupro. A revolta que se tem com a fala dele não se tem ao contrário, com alguém chamando-o de “estuprador”. Não considerei como incitação [ao estupro contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS)]. Isso não cabe a mim, sou ministro da CGU, não sou juiz.