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Governo deverá desculpas se não achar "caixa-preta", diz ex-chefe do BNDES

Rabello: "Nós não vamos aceitar nada, a não ser um pedido de desculpas na ausência de caixa-preta" - Reprodução/Facebook @paulorabellocastro
Rabello: "Nós não vamos aceitar nada, a não ser um pedido de desculpas na ausência de caixa-preta" Imagem: Reprodução/Facebook @paulorabellocastro

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

11/01/2019 04h01

O ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Paulo Rabello de Castro disse que é preciso "ir até o fim" na apuração da acusação de que haveria uma "caixa-preta" na instituição e que, se isso não for comprovado, é necessário um pedido de "desculpas". Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse em rede social que "vai abrir a caixa-preta do BNDES", argumento usado no dia em que foi empossado o novo dirigente da instituição financeira, Joaquim Levy. 

Paulo Rabello, que trabalhou na gestão de Michel Temer (MDB), disse que cabe ao novo governo explicar qual seria a alegada falta de transparência. "Nós todos queremos saber onde é que está o podre", afirmou ao UOL.

Nós não vamos aceitar nada, a não ser um pedido de desculpas na ausência de caixa-preta. Por quê? Porque esse é um assunto muito grave. Lida com a competência das pessoas que estavam administrando, mesmo que não tenha sido nada alegado quanto ao meu período. Mas é alegado quanto à nossa capacidade de verificação, o que é suficientemente grave.

Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES

"Deixa esse negócio de caixa-preta... Agora o pessoal tem que ir até o fim nesse assunto, entendeu?", afirmou. "O país exige isso." Segundo Rabello, sua gestão "escarafunchou" o banco e não encontrou crimes. Ele disse que, com o portal de transparência do BNDES, encerra-se a "suposta dúvida" sobre "polêmicos contratos". 

Investigadores do Ministério Público, do TCU (Tribunal de Conta da União) e mesmo críticos do BNDES destacam que, desde 2015, ainda na gestão de Luciano Coutinho e de Dilma Rousseff (PT), o banco passou a divulgar todos os empréstimos concedidos com o valor das operações, taxas de juros, garantias e a íntegra dos contratos assinados. No ano passado, o TCU participou de reformulação que colocou mais informações no portal do banco na internet.

Bolsonaro foi procurado pelo UOL por meio de assessores e de redes sociais, mas não explicou que informações ainda estariam ocultas. A assessoria do Palácio do Planalto pediu que a reportagem procurasse o BNDES, que explicou que apenas a inadimplência individualizada por empresa ou por empréstimo não são reveladas hoje no portal, por questão de sigilo bancário.

Na terça-feira, no Rio de Janeiro, o próprio Joaquim Levy usou palavras moderadas ao ser questionado sobre uma suposta caixa-preta. Segundo ele, a transparência "é uma coisa enraizada" no banco". Ele ainda disse que uma caixa "só é preta enquanto não se decripta o que tem ali dentro". Levy afirmou que "os dados já estão disponíveis", mas é preciso "organizar melhor" as informações para facilitar a compreensão pelas pessoas.

A reportagem perguntou à assessoria do BNDES que outras informações poderiam ser incluídas, mas não obteve esclarecimentos

Para o vice-presidente da AFBNDES (Associação dos Funcionários do BNDES), Arthur Koblitz, trata-se de um "discurso de campanha" descolado da realidade. "O objetivo parece ser o de descredibilizar o setor público bancário ainda muito expressivo no Brasil, o que contraria interesses do setor financeiro privado e a ideologia liberal dominante", diz.

Sigilo acabou há quatro anos, mostram documentos

Entre 2012 e 2015, o BNDES foi questionado por investigadores do Ministério Público, do TCU e até pela imprensa por que não revelava os valores, taxas de juros e garantias para empréstimos internacionais a empreiteiras como a Odebrecht, em países como Cuba e Venezuela.

Em 2014, por exemplo, revelou-se documento até então sigiloso mostrando que uma parcela do financiamento ao porto cubano de Mariel havia sido emprestada "a fundo perdido", sem necessidade de pagamento. Mas, em 2015, a gestão de Luciano Coutinho sofreu uma derrota no STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou a prestação de todas as informações solicitadas pelo TCU. Em resposta, o banco colocou na internet uma massa de dados, em forma de planilhas, e íntegra de documentos.

Veja alguns exemplos:

- Contrato do BNDES com o governo de Cuba e a Odebrecht. Aqui
- Investimentos do BNDES no frigorífico JBS. (Role a tela. Abaixo do gráfico, selecione "JBS" no item "Razão social"). Aqui

As medidas ajudaram a subsidiar uma série de investigações, como as Operações Bullish e Greenfield. Luciano Coutinho, também ex-presidente do banco, foi indiciado pela Polícia Federal por favorecimento a investimentos no frigorífico JBS e responde a ação de improbidade por causa das "pedaladas fiscais". Ele não quis falar com o UOL e tem negado as acusações. No ano passado, sua assessoria destacou as ações de transparência empreendidas por sua gestão.

Investigadores e críticos não veem informação escondida

Ferrenho crítico da política do BNDES, o procurador do TCU Júlio Marcelo foi um dos que lutou contra a falta de transparência do banco. "Hoje eu não classificaria como caixa-preta", contou o procurador ao UOL. Ainda assim, ele defende melhorias na transparência, com facilidade de acesso aos documentos, à semelhança do que Levy disse na terça-feira (8).

Ele afirmou que a gestão de Maria Sílvia, sucessora de Luciano Coutinho na presidência do banco, aumentou a transparência da instituição. No ano passado, isso foi incrementado novamente com uma cooperação com o TCU para aprimoramento. Incluiu, por exemplo, os valores desembolsados pelo banco do total contratado até o momento, e a fonte do dinheiro empregado nos empréstimos, como recursos do Tesouro Nacional.

Reservadamente, investigadores do Ministério Público Federal que apuram irregularidades no banco não veem sentido na afirmação da caixa-preta. Como o STF ordenou o acesso às informações em abril de 2015, há quase quatro anos, não haveria "novidade", comentou um deles. Um outro disse que não conseguiria saber o que mais faltaria de informações no site do banco.

Crítico da política de financiamentos do BNDES, o economista Maílson da Nóbrega afirmou que o problema do banco não seria corrupção e falta de transparência. "A cruzada de Bolsonaro em torno da 'caixa-preta' do BNDES certamente agrada grande parte dos seus eleitores, mas tende a frustrá-los", escreveu ele, em artigo na revista Veja nesta semana. "A 'caixa-preta', se houver, estará vazia."