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Militares no governo não representam risco à democracia, dizem ex-ministros

A partir da esquerda, Nelson Jobim, Sergio Etchegoyen e FHC durante a palestra - Wellington Ramalhoso/UOL
A partir da esquerda, Nelson Jobim, Sergio Etchegoyen e FHC durante a palestra Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

05/06/2019 04h00

Os ex-ministros Nelson Jobim e Sergio Etchegoyen afirmaram ontem em São Paulo que a presença de um grande número de militares nos primeiros escalões do governo Jair Bolsonaro (PSL) não representa um risco para a democracia. Para ambos, os integrantes das Forças Armadas são preparados para ocupar os cargos e não têm pretensões autoritárias.

"Não há preocupação de uma pretensa intervenção militar", afirmou Jobim, que foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e ministro da Defesa nos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

"Terá [na sociedade] quem não aposte na democracia, mas isso é irrelevante, é uma franja. Qualquer sociedade tem seu bom grau de esquizofrenia", disse Etchegoyen, que é general da reserva e foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Michel Temer (MDB) e chefe do Estado-Maior do Exército no governo Dilma. "Nunca vi ninguém no quartel defendendo intervenção militar."

Ambos participaram de um debate com o tema "A Participação das Forças Armadas no Governo: Um Novo Normal?", promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, no centro da capital paulista. O ex-presidente FHC esteve na mesa para apresentar os convidados à plateia.

Eliminar o ódio e criar pacto

Jobim e Etchegoyen declararam que o problema do Brasil é político e que a solução dele também deve passar pela política. Para Jobim, é preciso eliminar "o ingrediente novo que surgiu no país, que é o ódio, a impossibilidade do diálogo".

Bolsonaro Militares - Equipe de transição/Rafael Carvalho - Equipe de transição/Rafael Carvalho
Jair Bolsonaro ao lado de militares participantes de seu governo
Imagem: Equipe de transição/Rafael Carvalho

"No caso específico do governo Bolsonaro, temos o grupo econômico que tem solidez, o grupo militar que tem solidez e tem o grupo político junto com a família que tem problemas. O grupo político não consegue fazer a articulação política necessária. E se coloca aquela divisão do país entre a velha politica e a nova política. Como se os entendimentos no processo democrático fossem algo desprezível. É bom deixar claro de que a democracia é administração do dissenso", analisou o ex-ministro da Defesa.

"Para que não caminhemos ainda mais na direção equivocada, era importante parar e chegar à conclusão de que o Brasil precisa se reencontrar consigo mesmo. É preciso que os brasileiros encontrem o Brasil que queriam construir, que já tentaram construir. Não falo que é preciso apoiar o governo, é preciso apoiar o Brasil a encontrar um pacto para seguir", argumentou Etchegoyen.

Populismo e estado policialesco

Sem citar Bolsonaro diretamente, Jobim comentou em outro momento do debate que é preciso reconstruir o sistema político para que o país abandone o populismo. "O nosso sistema funcionou até um determinado período. Depois, esgotou", afirmou. "Então, temos hoje o populismo que decorre da redução da possibilidade das representações do sistema da democracia representativa, que faliu. É preciso recompor isso sob pena de ter o que temos, ou seja, o contato direto com a população, a tentativa de ser um arauto da população."

Também sem citar o presidente, o general Etchegoyen disse que "a política da forma como foi feita nos trouxe a um desastre político" e que "caímos num estado quase policialesco, em que vale tudo".

Estamos tentando construir um país com os retrovisores trincados e com a luz da frente apagada
Sergio Etchegoyen, ex-ministro

Ele ressaltou que considera Bolsonaro mais político do que militar em função do tempo que o presidente esteve em cada uma das áreas.

Militares humanistas e sem pretensão política

Quanto à presença de militares nos altos escalões do governo, o general afirmou que isto é consequência de uma promessa de campanha de Bolsonaro, da aprovação popular e do investimento em formação educacional feito pelas Forças Armadas nas últimas décadas. "Isso formou gerações de gente muito qualificada. Resultou em competência."

Jobim, que também foi ministro e presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que as instituições militares de ensino têm "currículo humanista, e não golpista". Ainda declarou que os ministros militares do atual governo são "altamente competentes". "Os oficiais são executivos e não têm pretensão política. A construção do futuro não passa pela retaliação do passado."