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Escolher fora da lista tríplice traria o pior do personalismo, diz ex-PGR

O ex-procurador da República Claudio Fonteles - Soeren Stache - 21.dez.2014/EFE
O ex-procurador da República Claudio Fonteles Imagem: Soeren Stache - 21.dez.2014/EFE

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

15/06/2019 04h00

Na terça (18), mais de mil procuradores da República em todo o país votarão para escolher a lista tríplice para a sucessão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cujo mandato termina em setembro. A escolha tem como pano de fundo a incerteza sobre a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) escolher um nome da lista, além das sinalizações de Dodge, que não está entre os dez nomes inscritos para a disputa, de que está à disposição para mais dois anos no cargo.

O presidente tem o poder de indicar, sem ouvir ninguém, um procurador-geral. No entanto, para o ex-procurador-geral Claudio Fonteles, alguém escolhido desta forma --mesmo Dodge, que já está no cargo-- encontrará "enormes dificuldades" para liderar o MPF (Ministério Público Federal).

Em entrevista ao UOL na quinta (13), Fonteles afirmou que indicar alguém fora da lista tríplice seria prestigiar um "adesismo" ao Poder Executivo, com um procurador-geral "voltado à conquista do beneplácito daquele que vai escolher".

Fonteles foi o primeiro colocado da lista tríplice de 2003, com 68% dos votos. Foi naquele ano que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inaugurou a tradição de indicar um dos nomes da lista para procurador-geral, no que foi seguido por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Depois de indicado por Lula e confirmado pelo Senado, Fonteles comandou a PGR de 2003 a 2005. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

UOL - Qual seria o impacto de ter na PGR alguém escolhido fora da lista? Essa pessoa teria apoio da classe?

Claudio Fonteles - Vejo que seria muito complicado para essa pessoa. A lista é feita com critério. Os candidatos que objetivam a lista estão percorrendo os estados da federação, debatendo intensamente com os colegas. Esses debates são publicizados nacionalmente. A pessoa que se isenta de tudo isso, totalmente alheia, totalmente obscurecida, guindada por um pinçamento à direção da classe, encontrará enormes dificuldades para bem conduzir. Até por uma falta de liderança óbvia. Então, sofrerá questionamentos, abrirá fissuras.

Se essa pessoa for a própria Raquel Dodge, que já está no cargo, ela poderia passar por estas dificuldades também?

Poderia passar por essa dificuldade, sem a menor dúvida, até porque ela assinou [em 2017] um compromisso escrito de respeitar a lista tríplice. Quer dizer, fica uma atitude delicada da parte dela. E também abre brecha para questionamentos.

Veja que esta pluralidade de candidatos está a revelar coisa que nunca existiu na classe: um dilaceramento maior dentro da instituição. Eu disputei com mais três colegas, e assim foi feito. O quadro de hoje está a denotar um dilaceramento. E tem gente correndo por fora.

Um candidato me disse recentemente que o fato de ter muitas candidaturas não seria um exemplo da existência de muitos grupos dentro do MPF, mas uma forma de reforçar a lista tríplice.

Eu estou vendo que o excessivo número de candidatos não deixa de traduzir um certo dilaceramento. Claro, quando eu fui procurador-geral, é natural, tinham pessoas que se opunham a mim. Mas não nesse sentido assim tão vasto. Os procuradores-gerais conseguiam manter uma coesão, mesmo dentro do pensamento contrário a ele. A voz de oposição era reduzida.

Há candidatos correndo por fora declaradamente, e há aqueles que sabemos que podem estar trabalhando. Quem garante que vários outros não estão trabalhando? Nesse ponto, eu discordo do pensamento do colega.

Quais poderiam ser os motivos para esse dilaceramento?

Não sei dizer exatamente. Pode ser um indicador de menor relevância o número hoje grande de procuradores, são mais de mil procuradores da República. Pode haver também nesse dilaceramento a condução da própria chefia, que não se fez de um modo ostensivo, ou seja, em um processo com diálogo. É mais complicado avaliar isso.

Voltando à questão da lista, após o debate em São Paulo, o procurador Vladimir Aras disse que percebia uma tentativa de implodir a lista tríplice mais interna do que externa.

Existe internamente a crítica à lista tríplice, do que se aproveita também a área externa. Porque o presidente Bolsonaro deixou público, as suas primeiras manifestações foram no sentido de não prestigiar a lista tríplice. Então, os dois vetores se unem, do que se aproveita um pensamento mais arbitrário por parte de quem escolhe no sentido de menosprezar o que, para nós, é uma conquista histórica.

Não é uma ideia corporativa. É uma ideia no sentido de que, em uma instituição que exige o conhecimento técnico-jurídico, nada melhor que aqueles que estão nesta instituição apresentem três nomes para uma escolha que ainda vai ter o crivo do Senado. Dos vieses possíveis, me parece ser o mais adequado e democrático. Não é algo que vem de cima para baixo; pelo contrário, vem de baixo para cima.

O presidente tem um discurso anticorrupção desde a campanha eleitoral, elogia muito a Lava Jato. Procuradores que participaram do debate aqui em São Paulo defenderam que a Lava Jato só existe por causa da independência que a lista dá ao procurador-geral.

Sem dúvida.

Indicar alguém de fora da lista não seria, talvez, uma contradição a esse discurso anticorrupção?

Pode ser. Mas indicar alguém fora da lista significa prestigiar um adesismo, um pensamento adesista ao que você quer ouvir. Aquele cara que não entra na lista vai tentar cativar o Poder Executivo? Parece até que um dos nomes, o outro Aras [Augusto Aras], fala até em democracia militar [em entrevista para o jornal "O Estado de S. Paulo"]. Sabe-se lá o que é isso, democracia militar?

Então, acho que [escolher] fora da lista vai incentivar uma pessoa descompromissada com o aspecto institucional. Uma pessoa voltada à conquista do beneplácito daquele que vai escolher. Portanto, a coisa vai se personalizar em vez de se institucionalizar. É o eco do personalismo, com tudo de negativo que isso traz em uma instituição que é pública, onde não deveria haver margem para personalismos.

Por que a PGR não tem, legalmente, essa estrutura de escolha se os outros braços do Ministério Público têm?

Na Constituição de 1988, nós tentamos muito fortemente. Você sabe quem impediu isso na ocasião? O centrão. Não diga para o leitor que é o centrão de agora. Era o centrão da época. O pensamento conservador, caracterizado no centrão, impediu isso. Isso eu sei muito bem, eu acompanhei. O doutor Sepúlveda Pertence era o procurador-geral, e eu chefiava o gabinete dele.

O Bolsonaro disse recentemente estar esperando a lista tríplice.

Isso é bom. Não tem nada de mais as pessoas mudarem de posição. Pelo contrário, acho até um ato de grandeza. Ele terá três nomes diante dele para escolher.

Errata: este conteúdo foi atualizado
São procuradores da República, e não procuradores federais, que votarão para escolher a lista tríplice para a sucessão da PGR. O erro foi corrigido