Dodge deixa a PGR: Como procuradores-gerais são escolhidos pelo mundo
Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo de procurador-geral da República, vive agora dias de intensa atividade política. Até 25 de setembro, quando deve ocorrer sua sabatina no Senado, ele tentará convencer senadores a confirmarem seu nome como novo chefe do Ministério Público Federal e contornar resistências que enfrenta dentro do próprio órgão.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que representa os 1.152 membros da categoria, organizou protestos contra a indicação de Aras, pois seu nome não estava na lista tríplice com os nomes mais votados em uma eleição interna pela categoria. Essa lista é elaborada desde 2001 e oferecida como sugestão ao presidente, que não é obrigado a segui-la.
A lista vinha sendo respeitada desde 2003. Em seus governos, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff indicaram os mais votados, e Michel Temer indicou a segunda colocada na lista, Raquel Dodge, que deixa o cargo nesta terça-feira (17). Já Bolsonaro disse que preferiu indicar alguém "alinhado" com ele.
A ANPR definiu a indicação feita pelo presidente como um "retrocesso institucional e democrático" que interrompe um "costume constitucional". Um dia antes da indicação de Aras, a associação propôs aos seus membros uma "recusa coletiva" a assumirem cargos de confiança na gestão de um procurador-geral que não estivesse na lista tríplice.
O revés da categoria se dá num contexto em que o núcleo mais célebre do Ministério Público Federal nos últimos anos, responsável pela Operação Lava Jato, é alvo de críticas de ministros do Supremo e da classe política, e o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, responde a procedimento que o acusa de violar regras funcionais devido ao teor de mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram, reveladas pelo site "The Intercept Brasil".
Uma proposta de emenda à Constituição foi apresentada no final da década de 1990 para obrigar o presidente a seguir a lista tríplice elaborada pela categoria, mas não foi aprovada. Na Europa, via de regra a escolha do chefe do Ministério Público não é precedida de uma votação entre os membros da instituição.
Uma escolha difícil
Carlo Guarnieri, professor da Università di Bologna (Itália) especializado em Judiciário, afirmou à DW Brasil que, em qualquer país do mundo, a escolha do chefe do procurador-geral é complexa. Isso porque deve levar em conta dois aspectos contraditórios: garantir um grau de controle e responsabilização sobre o Ministério Público, já que a instituição tem grande poder, e, ao mesmo tempo, proteger os procuradores de interferências partidárias em casos sensíveis.
Uma maneira de reduzir riscos é adotar um processo de escolha que passe por dois Poderes distintos, como no Brasil, onde a indicação é feita pelo presidente, mas é o Senado que confirma o nome. Na União Europeia (UE), o modelo mais comum é o governo indicar o procurador-geral, que depois é confirmado pelo chefe de Estado ou pelo Legislativo.
Dar muito poder aos membros do Ministério Público na hora de escolher o novo procurador-geral, como no caso de uma eleição direta independente do governo ou do Congresso, poderia fortalecer em demasia o corporativismo da classe, segundo João Paulo Dias, pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal, especialista em Judiciário.
"Não pode haver uma excessiva intervenção da magistratura do Ministério Público, para evitar excesso de corporativismo e jogos políticos internos na profissão, mas também não pode ser apenas limitado ao escrutínio político de um órgão, por isso a tendência geral de haver, no mínimo, dois órgãos que intervêm no processo", diz.
Dias afirma não haver sistema perfeito de escolha, e que tão importante quanto as regras é como os atores políticos tentam se "apropriar" do modelo para influenciar processos específicos, como em casos ambientais ou de corrupção.
Ele afirma que o modelo "informal" adotado no Brasil nos governos Lula, Dilma e Temer era positivo --por garantir um equilíbrio entre o reconhecimento profissional pela categoria, a escolha do presidente e a chancela do Senado--, mas que "pecou por não se ter institucionalizado legalmente".
Chile e Estados Unidos
No Chile, por exemplo, o processo de escolha do procurador-geral envolve os três Poderes da República. Candidatos interessados no cargo se candidatam perante a Suprema Corte, que seleciona cinco pessoas e os envia ao presidente para escolher um nome, que então é submetido à análise do Senado.
O chefe do Ministério Público chileno tem mandato de oito anos e não precisa ser integrante da carreira, mas, nos últimos dois processos seletivos, apenas um nome que não pertencia à instituição foi incluído pela Suprema Corte na lista a ser enviada ao presidente.
Nos Estados Unidos, o Ministério Público faz parte do governo. O chefe da instituição é indicado pelo presidente, não precisa ter sido procurador antes e deve ter seu nome confirmado pelo Senado.
Modelos adotados na União Europeia
No Brasil, o Ministério Público Federal é independente: não faz parte do governo nem do Judiciário e decide sobre sua atuação sem se submeter ao controle prévio do governo. Na União Europeia, há países em que o Ministério Público também é independente, como Portugal e Espanha. Em outros Estados-membros, como Alemanha e Dinamarca, é um órgão que faz parte do governo.
Segundo um levantamento feito pelo instituto Open Society, em 22 dos 28 países-membros da União Europeia, o procurador-geral é indicado por um órgão político: em 19, pelo Executivo; em dois, pelo presidente, que em sistemas parlamentaristas não tem funções executivas; e em um deles, pelo Legislativo.
Em 15 dos países-membros da UE, o indicado é confirmado ou rejeitado pelo chefe de Estado, enquanto em seis, a tarefa cabe ao Legislativo, entre outros modelos adotados.
Em Portugal, uma república parlamentarista, o governo indica o nome do procurador-geral da República, que em seguida precisa ser confirmado pelo presidente. O mandato é de seis anos, e o chefe do Ministério Público não precisa ser alguém da carreira. Mas, segundo Dias, "tem prevalecido o bom senso nas nomeações dos últimos titulares do cargo, selecionando dentro da profissão do Ministério Público".
A Espanha, uma monarquia parlamentarista, adota sistema parecido. O governo indica um nome, após ouvir um órgão colegiado composto por juízes e uma comissão do equivalente à Câmara dos Deputados, que depois é confirmado pelo rei. O mandato é de quatro anos.
Na Alemanha, onde o Ministério Público é parte do governo, o ministro da Justiça sugere o nome do chefe da instituição, com a aprovação prévia do Bundesrat (câmara alta do Parlamento) e que depois precisa ser confirmado pelo presidente. Não há mandato fixo, e o ministro da Justiça tem o poder de demitir o procurador-geral.
Isso aconteceu em agosto de 2015, quando o então ministro da Justiça, Heiko Maas, hoje ministro do Exterior, demitiu o então procurador-geral, Harald Range, após discordar que ele denunciasse por traição dois jornalistas alemães que divulgaram um documento confidencial do governo. De 1950 até hoje, a Alemanha teve 11 procuradores-gerais, com duração média no cargo de 6,3 anos.
A Itália tem um sistema único no bloco. Após ouvir a opinião do ministro da Justiça, o procurador-geral é nomeado pelo Conselho Superior do Judiciário, um órgão formado por juízes e procuradores - dois terços dos membros desse colegiado são eleitos pelas respectivas categorias, e um terço, pelo Parlamento.
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