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Voto de Toffoli passa de 4h e força STF a adiar decisão sobre Coaf e Flávio

Felipe Amorim, Alex Tajra e Marcelo Oliveira

Do UOL, em Brasília e São Paulo

20/11/2019 18h19Atualizada em 20/11/2019 20h17

Resumo da notícia

  • STF iniciou hoje julgamento que envolve Flávio Bolsonaro e Coaf
  • Decisão é sobre legalidade de uso de dados financeiros sigilosos sem autorização da Justiça
  • Voto de Toffoli se arrastou durante todo o dia
  • Ele defendeu que dados podem ser enviados ao MP, mas não podem virar prova
  • Faltam votos de 10 ministros

Em um voto pouco claro e com pouco mais de 4 horas de duração, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, defendeu hoje que órgãos como Receita Federal e o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) podem enviar informações ao Ministério Público (MP), como ocorreu no caso Flávio Bolsonaro, mas afirmou que esses dados não podem ser usados como prova.

Após a manifestação de Toffoli, primeiro e único ministro a votar hoje, o julgamento foi suspenso e será retomado amanhã. Ainda faltam os votos dos outros dez ministros que compõem o tribunal.

O que o STF está julgando?

O STF está julgando se é órgãos de controle podem repassar, sem autorização judicial, dados fiscais e bancários ao Ministério Público em caso de suspeita de crimes.

A decisão pode ter impacto nas investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e alvo de um relatório do Coaf que apontou movimentações suspeitas ligadas a seu gabinete.

Como Toffoli votou?

Em seu voto, Toffoli afirmou que o MP não pode requisitar informações financeiras diretamente aos órgãos de controle sem que exista previamente uma investigação contra os suspeitos, nem autorização judicial.

"Reconheço a constitucionalidade do compartilhamento de informações (...) entre um órgão de administração fiscal e os órgãos de persecução penal policial mediante representação (...) Todavia, a RFFP [representação fiscal para fins penais] não pode ser acompanhada de documentos sensíveis de sujeito passível de terceiros relativos a privacidade dessas pessoas, como é o caso da íntegra de extratos bancários ou declaração de imposto de renda sem a prévia autorização judicial".

Qual o impacto disso no caso Flávio?

Ainda não está claro qual a consequência para a investigação contra Flávio Bolsonaro se a posição de Toffoli prevalecer no julgamento. O inquérito contra o senador corre sob sigilo e não é possível confirmar detalhes do caso.

A despeito de não ter citado o caso do senador diretamente, Toffoli defendeu que os relatórios elaborados por instituições financeiras devem ser disseminados "única e exclusivamente mediante seus sistemas eletrônicos".

"Fica vedada assim a produção ou disseminação por qualquer outro meio de comunicação (...), não dá para fazer comunicação por e-mail, por outros sistemas que não sejam adequados (...) Temos que expungir isso", disse o presidente do STF em seu voto.

Para sustentar seu pedido de anulação da investigação, a defesa de Flávio Bolsonaro utilizou, em junho, dois documentos do Ministério Público do Rio de Janeiro — um deles um e-mail assinado por Danielle Ferreira Rosales e enviado ao Coaf em dezembro passado, conforme revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

No documento Rosales solicitou, citando ordem do promotor que coordena o Grupo de Atribuição Originária em Matéria Criminal, ajuda para obter mais informações a respeito de Flávio no Coaf.

Quando o STF concluir o julgamento, a decisão que paralisou as investigações sobre Flávio deixará de ter validade.

Apesar disso, será preciso analisar caso a caso se as investigações estão dentro das regras que devem ser fixadas pelo Supremo. Investigações consideradas irregulares podem ter as provas anuladas.

Acompanhe o raciocínio de Toffoli

Em seu voto, Toffoli afirmou que os relatórios financeiros produzidos pelo antigo Coaf, hoje rebatizado como UIF (Unidade de Inteligência Financeira), não representam uma quebra do sigilo bancário dos suspeitos e, por isso, podem ser enviados ao Ministério Público.

"Sob essa perspectiva, por entender preservada a intangibilidade da intimidade e do sigilo de dados, que gozam de proteção constitucional, não tenho dúvidas quanto à possibilidade da UIF compartilhar relatórios de inteligência, por solicitação do Ministério Público, da polícia, ou outras autoridades competentes", disse Toffoli.

No centro do debate no Supremo está o direito ao sigilo bancário e fiscal, contidos na garantia ao sigilo dos dados pessoais previsto na Constituição.

Leis que tratam do combate à lavagem de dinheiro preveem que transações suspeitas sejam informadas aos órgãos de controle por bancos e outros estabelecimentos, como cartórios. Por sua vez, cabe aos órgãos de controle compartilhar os dados com as autoridades responsáveis pelas investigações criminais, como o Ministério Público.

Toffoli defende regras para Receita e UIF

No voto, Toffoli defendeu regras gerais para o repasse de informações financeiras às investigações criminais quando feitas pela UIF (antigo Coaf) ou pela Receita Federal.

Regras para a UIF:

  • Não é preciso haver autorização judicial para comunicações enviadas espontaneamente pelo UIF ao Ministério Público sobre movimentações financeiras suspeitas
  • O Ministério Público e a polícia não podem requisitar informações diretamente à UIF sem que exista previamente uma investigação contra os suspeitos

Regras para a Receita Federal:

  • A Receita pode encaminhar ao Ministério Público informações sobre processos internos contra crimes fiscais
  • Mas não podem ser enviados documentos protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, como a íntegra de extratos bancários e declarações de imposto de renda
  • O Ministério Público deve comunicar ao Judiciário quando receber informações da Receita

"Em relação ao Coaf, o que eu disse, o Coaf pode sim compartilhar informações. Mas ele é uma unidade de inteligência, o que ele compartilha não pode ser usado como prova, é um meio de obtenção de prova, assim como nós definimos em relação à colaboração premiada", disse Toffoli em entrevista a jornalistas após o fim da sessão.

"Colaboraçao premiada por si só não prova nada, ela inicia algum procedimento, mas ela não é uma prova em si", afirmou o ministro.

Decisão controversa

Em julho, Toffoli paralisou todas as investigações do país que tivessem utilizado, sem autorização judicial, dados detalhados enviados por órgãos de controle ao Ministério Público. Essa decisão limitou as comunicações sem ordem judicial apenas à identificação de seu autor e ao valor total movimentado.

Toffoli tenta descolar voto de caso "Flávio"

UOL Notícias

A paralisação das investigações foi determinada a partir de um recurso da defesa de Flávio Bolsonaro.

A defesa de Flávio, assim como a de outros investigados, alega que na prática o Coaf realizou uma quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, o que seria proibido pela Constituição.

Nesse julgamento, os ministros do STF deverão analisar os limites e regras para o compartilhamento dessas informações, como por exemplo o nível de detalhamento dos dados fiscais e bancários que podem ser repassados ao Ministério Público sem que seja preciso pedir à Justiça a quebra do sigilo dos investigados.

O desfecho do caso pode levar à anulação das provas enviadas pelo Coaf e pela Receita em centenas casos, incluindo a investigação contra Flávio Bolsonaro.

No atual governo, o Coaf foi rebatizado como UIF (Unidade de Inteligência Financeira) e transferido do âmbito do Ministério da Economia para o Banco Central.

Na sessão de hoje, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a possibilidade de compartilhamento de informações e disse que o sistema atual é importante para preservar a credibilidade internacional do Brasil.

"Esse sistema opera em 184 países do mundo e o Brasil necessita respeitar esse sistema, porque não é só os aspectos de combate à lavagem de capitais, não é só a lei anti-corrupção que está em causa nessa assentada de julgamento, é também a credibilidade do sistema financeiro brasileiro", disse Aras.

Segundo o procurador-geral, as informações recebidas pelo Ministério Público possuem apenas dados pontuais sobre as transações suspeitas e não se assemelham a uma quebra de sigilo bancário, que seria mais ampla.

O STF decidiu conferir ao processo a chamada repercussão geral, quando o tema de fundo é debatido de forma ampla e a decisão serve de orientação a casos semelhantes em todo o Judiciário.

Foi nesse processo com repercussão geral que a defesa de Flávio apresentou um recurso pedindo que se paralisassem as investigações.