Topo

Juristas: instituições têm de cobrar de Bolsonaro prova de fraude eleitoral

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/03/2020 15h38

Na avaliação de juristas, instituições como Ministério Público Federal, TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Congresso e STF (Supremo Tribunal Federal) precisam cobrar de Jair Bolsonaro (sem partido) as provas que ontem ele afirmou ter sobre suposta fraude nas eleições de 2018.

Em palestra nos Estados Unidos na noite da segunda (9), Bolsonaro disse ter "nas mãos" evidências de que ele deveria ter sido eleito no primeiro turno. Ele também afirmou que mostrará essas provas "brevemente".

Mas para três especialistas consultados, as instituições públicas brasileiras não podem apenas aguardar que Bolsonaro traga esses dados. É preciso cobrar essas comprovações, investigar a suposta fraude e garantir a confiança no sistema eleitoral.

"Se Bolsonaro declara que as tem e que estão à disposição, tem de mostrar para a Justiça Eleitoral. As autoridades, como MPF [Ministério Público Federal] ou MPE [Ministério Público Eleitoral], precisam se posicionar sobre isso", afirma Flávio de Leão Bastos, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Segundo o advogado, não existe um prazo que obrigue a apresentação destas provas, mas, como Bolsonaro afirmou já tê-las em mãos, cabe aos órgãos responsáveis cobrá-las.

O advogado eleitoral Alberto Rollo concorda e destaca preocupação com as declarações.

"Bolsonaro coloca em risco a credibilidade não só da urna eletrônica como do TSE, composto por sete ministros, e de todo o sistema eleitoral. Ele está dizendo que são coniventes, que não conseguiram fazer um processo eleitoral correto, honesto. Isso não pode ficar impune", afirma o advogado eleitoral Alberto Rollo.

Em nota hoje, o TSE afirmou que jamais se comprovou um caso de fraude ao longo de mais de 20 anos de utilização do sistema eletrônico de votação. E a ministra Rosa Weber, presidente do órgão, afirmou que "agirá com presteza" para apurar qualquer prova que surgir.

Especialistas cobram PGR

Os advogados também cobram ação do chefe do Ministério Público, o procurador-geral da República, Augusto Aras — opinião compartilhada pelo colunista do UOL Reinaldo Azevedo:

"Um dos fiscais [das eleições] é o MP. O procurador Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro, deve falar: 'Bom, presidente, eu sou responsável pela fiscalização. Quais as provas?'"
Alberto Rollo, advogado eleitoral.

"O procurador-geral tem o dever de apurar essa informação. Quem praticou? Beneficiou a quem? O próprio Congresso tem competência para instaurar uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito], pois este é claramente um tema de interesse público, nacional".
Flávio de Leão Bastos, constitucionalista da Universidade Mackenzie

"Augusto Aras, procurador-geral da República e procurador-geral eleitoral, está obrigado a pedir à PF que abra um inquérito para apurar a denúncia feita por Jair Bolsonaro"
Reinaldo Azevedo, colunista do UOL.

"Sem prova, fala flerta com crime de responsabilidade"

Para os juristas, ainda é difícil dizer se Bolsonaro violou leis com a fala — teria cometido um crime comum, argumenta o criminalista Leonardo Pantaleão, se tivesse acusado alguém sem apresentar provas.

"Fez uma acusação grave e, em tese, vai ter de provar, mostrar quem foi o manipulador ou dar o caminho [para achá-lo]. Até então, ele não individualizou, não falou de onde veio, por isso não configura crime [comum]. Afinal, sem ter um acusado não há vítima [de falsa acusação] e, sem vítima, não há crime", afirma o criminalista.

"Por outro lado, se ele está falando em fraudar urna, vai ter de indicar qual foi a esfera [fraudada] e quais foram os envolvidos. Se não o fizer, cai no perigo do crime de responsabilidade", avalia.

Rollo diz que a apuração de crimes de responsabilidade é longa e não depende unicamente do Judiciário, mas também de vontade política por parte do Congresso - a qual, para ele, ainda não existe.

"É crime de responsabilidade atentar contra a Constituição Federal. Não sei se ele não está atentando contra a democracia, afinal que mensagem ele está passando para o eleitor em pleno ano eleitoral? Que seu voto não vale, pois o sistema foi fraudado. Mas, para entrar no processo [de impeachment], é preciso um clima político que ainda não há", diz Rollo.

"O mínimo que se pode dizer é que mais uma vez é uma postura que não é condizente com o presidente da República", afirma Pantaleão.

Em resposta ao UOL, a assessoria de comunicação da PGR afirmou que "o MP Eleitoral confia na urna eletrônica" e que "se chegarem documentos ou materiais com indícios de fraude, será devidamente apurado".

"Trata-se de um sistema auditável. Durante todo o tempo de utilização do modelo - mais de três décadas - não foram apresentadas provas ou indícios consistentes de que possa ser fraudado", declarou ainda a PRG.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.