Há cinco meses, governo sonega à Câmara dados do Bolsa Família
Resumo da notícia
- Câmara pede desde outubro dados do Bolsa Família
- Deputados querem saber, entre outras informações, fila de espera do benefício
- Onyx pediu mais tempo em fevereiro, mas desrespeitou o prazo
- Para advogados constitucionalistas, conduta pode ser enquadrada como crime de responsabilidade
Há quase cinco meses, o ministério da Cidadania não responde pedidos de informações da Câmara dos Deputados sobre o programa Bolsa Família. O documento questiona, entre outras coisas, o número de famílias na fila para receber o benefício e quantas tiveram o pagamento cancelado.
Entre 500 mil famílias, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, e 1,5 milhão, segundo o jornal Estado de São Paulo, aguardam para receber o auxílio.
Em 2019, o deputado federal Ivan Valente (PSOL) solicitou os dados oficiais do governo sobre a situação, e o requerimento foi publicado em outubro pela Mesa Diretora da Casa.
Mas ontem, o prazo de resposta venceu mais uma vez — o que, segundo advogados constitucionalistas, pode configurar crime de responsabilidade por parte do titular da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni (DEM) (leia mais no fim deste texto).
A falta de resposta e o vencimento do prazo foram confirmados ao UOL pela Primeira Secretaria do Parlamento por volta das 19h, quando o órgão encerra as atividades. Mesmo se o ministério enviasse a resposta depois disso, o documento só seria protocolado hoje, configurando desrespeito ao prazo.
A pasta foi procurada pela reportagem e, caso responda, terá suas considerações incorporadas a este texto.
Prazos
O primeiro requerimento de informações elaborado por Ivan Valente foi aprovado pela Mesa Diretora e publicado no dia 17 de outubro. Uma resposta foi dada pelo secretário especial de desenvolvimento social, Welington Coimbra, em 26 de novembro, mas sem atender os questionamentos do documento.
Por isso, Valente fez um novo requerimento, aprovado pela Mesa em 5 de dezembro. Em 20 de janeiro, o então ministro Osmar Terra (MDB) pediu mais prazo. Mas Terra foi substituído, por determinação de Jair Bolsonaro, por Lorenzoni em fevereiro.
"As equipes estão em processo de transição, razão pela qual conto com a vossa compreensão", escreveu a secretária-executiva do ministério Ana Maria Pellini em documento a que a reportagem teve acesso.
Pela Constituição, os ministros têm 30 dias para atender pedidos de informações da Mesa Diretora da Câmara e do Senado. Mas isso não aconteceu.
A saga da Câmara pelos dados do Bolsa Família:
- 17 de outubro - Mesa Diretora da Câmara publica pedido de informações sobre o Bolsa Família
- 26 de novembro - Ministério da Cidadania responde o pedido, mas não atende aos questionamentos
- 5 de dezembro - Câmara reitera pedido de informações sobre Bolsa Família
- 20 de janeiro - Osmar Terra pede prorrogação do prazo para responder sobre o programa
- 7 de fevereiro - Ivan Valente protocola pedido de convocação de Terra para prestar explicações
- 10 de fevereiro - Valente pede para Rodrigo Maia, presidente da Câmara, tomar "medidas cabíveis" contra Terra
- 14 de fevereiro - Terra é demitido por Bolsonaro e Onyx Lorenzoni (MDB) assume Cidadania
- 21 de fevereiro - Lorenzoni pede 20 dias de prazo para responder e, mesmo assim, não atende aos questionamentos da Câmara
Crime de responsabilidade
O desrespeito, por parte de ministros de Estado, aos prazos de resposta de pedidos das mesas do Congresso ou o envio de dados falsos é caracterizado como crime de responsabilidade na Constituição Federal em ao menos dois artigos, o 50 e o 13.
Para advogados consultados pelo UOL, o governo tinha justificativas (como a troca de ministro) para não cumprir os prazos,ou pedir nova data para resposta. Agora, no entanto, dizem que não há o que respalde a ausência de informações sobre o Bolsa Família.
"Eles deram um sinal de vida, responderam formalmente da primeira vez. Na segunda, para todos os efeitos há uma justificativa plausível [a troca de ministros]. Agora, ele está apto a responder por crime de responsabilidade", diz a advogada constitucionalista Vera Chemim.
Gustavo Polido, também advogado constitucionalista, concorda.
"Cabe, sim, um enquadramento como crime de responsabilidade, porque está muito próximo com a figura da intenção de ocultar informações. Se, pelo contexto, é possível concluir isso, então seguramente é passível de se enquadrar na hipótese do crime", diz.
Os crimes de responsabilidade podem ser punidos até com impeachment do ministro, mas é pouco provável que essa punição seja aplicada.
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