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Juristas afirmam que MP 966 é inconstitucional e pode beneficiar Bolsonaro

A MP 966 foi assinada por Jair Bolsonaro, Paulo Guedes (ambos na foto) e pelo ministro da Controladoria-Geral da União - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
A MP 966 foi assinada por Jair Bolsonaro, Paulo Guedes (ambos na foto) e pelo ministro da Controladoria-Geral da União Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

14/05/2020 19h07

Resumo da notícia

  • Juristas definem como inconstitucional a MP 966, que isenta servidores de punição, exceto por "erro grosseiro" ou ação ou omissão intencional
  • A medida fere o artigo 37 da Constituição, ao impedir a aplicação da lei de improbidade e ações de reparação ao erário, dizem
  • Procuradora avalia que a medida pode afetar também apurações na esfera criminal, pois limitará a atuação de órgãos de controle
  • Jurista avalia que a MP pode beneficiar, inclusive, o próprio presidente, em virtude de suas saídas que provocam aglomerações

A MP 966, editada ontem (13) pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) prevê que agentes públicos envolvidos na resposta à pandemia da covid-19 e aos danos por ela causados na economia só serão punidos se agirem ou se omitirem com dolo (propositalmente) ou por "erro grosseiro". Na opinião de juristas entrevistados pelo UOL, essa medida provisória é inconstitucional e pode, inclusive, beneficiar o presidente nas ocasiões em que ele tem provocado aglomerações — desrespeitando orientações do Ministério da Saúde.

Segundo Vera Chemim, especialista em Direito Constitucional, e Fabrício Bolzan, especialista em Direito Público, a MP 966 contraria o artigo 37 da Constituição, ao não prever a responsabilização de agentes públicos pela lei de improbidade administrativa e nem a possibilidade de ações de "direito de regresso" — aquelas que o Estado move contra o agente para recuperar o prejuízo causado aos cofres públicos em caso de infrações.

De acordo com Chemim, que também é mestre em Administração Pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), a MP tem redação muito ampla e pode, inclusive, "minimizar as sanções" que poderiam penalizar Bolsonaro caso o presidente "seja demandado judicialmente por conta de suas saídas em público, nas quais expõe-se de forma irresponsável e provocando aglomerações".

O distanciamento social, a higienização das mãos, o uso de máscaras e evitar aglomerações são medidas aconselhadas pelas autoridades de saúde para evitar o contágio pelo novo coronavírus. O presidente desrespeitou essas orientações algumas vezes em passeios por Brasília, por exemplo.

"Especialmente pelo uso do conceito de 'erro grosseiro', a MP contraria a Constituição, ao limitar a ação do Estado na responsabilização e sanção de agentes públicos, nas esferas administrativa, cível e penal", diz Chemim.

Ações de inconstitucionalidade no STF

O texto foi publicado no Diário Oficial da União de hoje. Por se tratar de uma medida provisória, o texto já está em vigor, mas precisa ser apreciado pela Câmara e pelo Senado posteriormente para não perder a validade.

Tanto Chemim quanto Bolzan acreditam que a MP 966 será alvo de ações diretas de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) e poderá caducar (não ser votada e perder efeito) ou ser derrubada pelo Congresso.

O MBL (Movimento Brasil Livre) ingressou hoje com uma ação popular contra a MP na Justiça Federal de Brasília.

Para Bolzan, a MP também quebra o conceito de isonomia (igualdade) previsto na Constituição, quando prevê o perdão para o agente público envolvido somente em questões relacionadas à covid-19 e à recuperação econômica. "Mesmo sendo uma situação excepcional de calamidade pública, entendo que há limites para tudo", opina o mestre em Direito Público pela PUC-SP.

MP limita atuação penal

A subprocuradora da República Luiza Cristina Frischeisen, coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Criminal), alerta que a MP 966 afeta também a atuação do Estado "na área criminal, na medida em que impede que os órgãos de controle atuem em plenitude". Além disso, devido às restrições, o Ministério Público receberá menos representações para atuar tanto na área criminal como na de improbidade.

Vera Chemim concorda com essa avaliação. "A MP limita sobremaneira a atuação do Estado, tanto na responsabilização como na aplicação de sanções, sejam elas administrativas, penais ou as cíveis, previstas na Lei de Improbidade Administrativa", comenta a especialista em Direito Constitucional.

"Da forma como está escrita, a MP impede a aplicação da lei de improbidade administrativa, salvo em caso de dolo [intenção] e erro grosseiro", pontua Bolzan.

Lei de improbidade prevê sanções cíveis

A lei de improbidade administrativa (lei 8.429/1992) prevê sanções cíveis para os agentes públicos que, por "ação ou omissão, dolosa ou culposa", causem dano ao patrimônio público, por meio de enriquecimento ilícito, lesão ao erário, cobrança de ISS abaixo do mínimo ou por violar princípios da administração.

As penas previstas na lei são reparação aos cofres públicos, multa, cassação de direitos políticos, proibição de contratar com o poder público, entre outras sanções, sem prejuízo de que o Ministério Público também acione o agente na esfera criminal por crimes relacionados, como corrupção e peculato, por exemplo.