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Bolsonaro está sabotando o país em um momento delicado, diz Haddad

Do UOL, em São Paulo*

10/06/2020 16h01

O petista Fernando Haddad, presidenciável derrotado por Jair Bolsonaro (sem partido) no segundo turno em 2018, afirmou que o governo está sabotando a democracia e as instituições do Brasil em um momento de crise sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus. Ele participou da edição de hoje do programa UOL Entrevista, conduzida pelos colunistas do UOL Constança Rezende e Diogo Schelp.

Haddad afirmou que o governo federal promove a desordem ao alterar dados oficiais sobre a epidemia. Na última sexta-feira (5), o Ministério da Saúde deixou de divulgar informações completas sobre casos confirmados e óbitos provocados pela covid-19, mas voltou atrás na terça-feira (9) após o Supremo Tribunal Federal ter obrigado a pasta a retomar a publicação dos números.

Diante desse cenário, para o petista os protestos que começaram a acontecer em todo o país há duas semanas são uma reação a essas ações do governo federal. Bolsonaro chamou os manifestantes contrários ao governo de terroristas e maconheiros.

"Como é que quem promove a desordem fala em nome da ordem? Se Bolsonaro é o primeiro a sabotar o país e as necessidades do país. É uma reação da sociedade, até certo ponto compreensível, porque são semanas de agressões gratuitas. Todo mundo quer salvar empregos e salvar vidas, meio mundo quer salvar empregos e salvar vidas, menos o governo federal", afirmou Haddad.

Estamos num governo que está sabotando o país num momento delicado. As pessoas estão indo para a rua neste momento porque estão perdendo a confiança nas instituições."

O petista disse que "lamenta muito que os brasileiros estejam se arriscando para defender a liberdade" nessas manifestações. Também disse que há pessoas treinadas em guerrilhas no exterior que estão adquirindo armamentos para promover distúrbio.

"Se a população reage num movimento amplo, antifascista, pela democracia, não posso condenar, porque a provocação vem do governo federal. Se tivéssemos um governo com autoridade, que unisse o país contra a pandemia, que não sabotasse o isolamento? Nós estamos há 90 dias com o isolamento mal feito. Corremos o risco de sair de um isolamento mal feito e ter que voltar a ele depois."

Governo fragiliza instituições

O petista disse que vê as instituições sob risco no governo Bolsonaro, ao comentar a acusação de que o presidente tentou interferir na Polícia Federal para obter informações sobre investigações sobre seus familiares e aliados. O gesto provocou a demissão do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que ao deixar o cargo expôs a atitude do presidente.

"Se você me perguntar se confio no Bolsonaro, vou dizer que não, e ele tem feito mudanças expressivas na Polícia Federal, a começar pela demissão do diretor-geral sem justificativa técnica, razão pela qual o Sergio Moro pediu demissão [do ministério da Justiça e Segurança Pública], denunciando o presidente de querer instrumentalizar instituições contra adversários, mas não tenho proximidade com os casos. Não acredito que as instituições, sob a tutela do governo federal, tenham a mesma isenção que tiveram no passado com nossos governos", afirmou Haddad.

Fico muito preocupado com a má utilização das instituições. As instituições têm que ser fortalecidas e se resguardar do uso político."

Carapuça das fake news

Haddad defendeu a constitucionalidade do inquérito das fake news, em que o STF (Supremo Tribunal Federal) investiga a disseminação de notícias falsas e ameaças aos membros da corte nas redes sociais. E afirmou que membros do Executivo que criticam o processo vestem a carapuça das fake news.

O Supremo faz bem em se defender. Se um poder da República puder se defender, sobretudo de agressões cuja autoria está sendo apurada, diga-se de passagem... Eu até acho estranho alguém do Executivo reclamar de investigação de fake news. Parece que a carapuça está servindo."

"Os poderes da República têm pela Constituição, e o regimento interno do Supremo foi recepcionado pela Constituição de 1988. É lei, ele dá prerrogativas ao presidente da casa instaurar inquérito quando um de seus membros está sendo caluniado, difamado", disse Haddad.

Na terça-feira (10), o STF decidiu pelo compartilhamento de provas desse inquérito em ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que investigam fraude eleitoral nas eleições de 2018 e podem levar à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Derrotado pelo presidente no segundo turno, Haddad disse que seu partido foi cauteloso antes de propor o impedimento do mandato de Bolsonaro na Câmara. Em 21 de maio, o PT se uniu a PCdoB, PSOL, PCB, PCO, PSTU e outros movimentos de esquerda para apresentar um pedido de impedimento do presidente.

"A preocupação do PT foi com a caracterização do crime de responsabilidade. Não queríamos ser o primeiro a protocolar, não tínhamos pressa para aparecer mais oposição do que já somos. O PT não precisa aparecer como oposição. Há forças políticas que precisam se precipitar em função de demarcação de campo, mas não é o caso do PT. Não tínhamos pressa, tivemos a cautela de ouvir advogados para saber se estava ou não caracterizado o crime de responsabilidade na forma da Constituição."

Não quero que o impeachment seja realizado sem que esteja caracterizado na Constituição. Fomos vítimas disso e não queremos que alguém seja vítima disso no futuro. Nós paramos, avaliamos junto aos juristas se havia caracterização e só então entramos com o pedido."

Ministros militares

Para o ex-candidato petista, não é certo "macular as Forças Armadas" por conta da conduta de ministros militares do governo. "Eu conheci grandes militares, conheci grandes patriotas nas Forças Armadas. Acho que os militares que servem o Bolsonaro estão prestando um desserviço ao país", afirmou.

Sou contra criticar as Forças Armadas pela conduta dos ministros militares do Bolsonaro. Não podemos cometer esse erro que foi cometido contra outras instituições. Nós não devemos macular as Forças Armadas em virtude da conduta equivocada de ministros do Bolsonaro."

Weintraub e o decoro

Ex-ministro da Educação entre 2005 e 2012, Fernando Haddad (PT-SP) fez duras críticas hoje a Abraham Weintraub, atual ocupante da pasta e cobrou dele decoro em sua atuação.

"Olha, um ministro, por definição, tem que respeitar o decoro. Eu fui ministro por sete anos. Eu pergunto: quando é que eu faltei com decoro com a oposição, com jornalista? Quando eu faltei com decoro no exercício do meu cargo? E foram muitos os embates", avaliou.

Além de investigado por publicação nas redes sociais em que teria incorrido em racismo contra o povo chinês, Weintraub ainda é parte do inquérito das fake news após declaração em reunião interministerial de 22 de abril, no qual afirmou que "botaria esses vagabundos todos na cadeia", em referência aos ministros do STF.

Decoro não é uma coisa importante para um ministro da Educação? Um ministro da Educação pode se referir a chefes de outros Poderes desta maneira? Ele pode se comunicar nas redes sociais como ele se comunica? Fora o péssimo trabalho que esta sendo feito."

Lula em 2022

O ex-prefeito de São Paulo endossou a opinião da presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), de que Lula deve ser o candidato do partido nas eleições presidenciais de 2022.

"Se nós conseguirmos, e espero que consigamos até o final do ano, ter o julgamento do processo que pede a suspeição do juiz Sergio Moro, o Lula recupera os direitos políticos, e ele poderá decidir, e espero que decida favoravelmente ao pleito do PT, ser ou não candidato em 2022."

"Para mim, [Lula] é o melhor candidato. Mesmo que não fosse, como ele teve os direitos políticos ilegitimamente cassados, penso que ele, como o maior líder político do país, o presidente mais bem avaliado da história do país, se o Supremo chegar à conclusão de que houve uma injustiça e promover uma reparação que para mim é devida, eu penso que ele se torna o candidato favorito em 2022. Se depender de mim como cidadão e advogado do presidente Lula, isso vai acontecer. E a população é que vai dar a última palavra a respeito do grande governo que ele fez", acrescentou.

*Participaram da produção deste texto Diego Henrique de Carvalho, Gabriela Sá Pessoa, Emanuel Colombari, Gustavo Setti e Bruno Madrid