Caso de Trump revela novo desafio das democracias: moderar as redes sociais
O banimento ou suspensão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, das redes sociais revela um novo desafio para as democracias no século 21: a regulação do conteúdo publicado nestes espaços. Na quarta-feira (13), o Youtube, plataforma do Google, se juntou a outros gigantes de tecnologia e suspendeu "por pelo menos sete dias" o canal de Trump.
O Twitter já vinha adicionando um aviso às publicações de Trump, alertando os usuários de que as postagens podiam conter informações falsas ou imprecisas. A plataforma era a preferida do presidente, que contava com 88 milhões de seguidores. Após a invasão do Capitólio, incitada por ele na semana passada, Trump foi banido da rede social. Outras redes, como Facebook, Instagram, Snapchat e Twitch decidiram suspender temporariamente o norte-americano.
No Brasil, apoiadores do presidente Bolsonaro e de Trump acusaram as redes sociais de censura. Acontece que tanto o Twitter quanto as demais redes que também tomaram decisões parecidas são empresas privadas, que aplicaram os termos de uso das plataformas, como destacaram juristas ouvidos pela reportagem.
"Isso mostra aquilo que é o maior desafio das democracias no século 21, porque as redes sociais mudaram a dinâmica da comunicação entre as pessoas e impactaram nos processos políticos", diz o advogado especialista em direito constitucional, Camilo Onoda Caldas.
Para o advogado, as redes sociais venderam a imagem de território livre da mediação que ocorre na mídia tradicional, mas o episódio envolvendo Trump mostrou que não é bem assim. "As redes sociais se colocaram como espaço de liberdade e as pessoas acreditaram nisso. Mas é uma ilusão", avalia.
A advogada especialista em direito digital Andrea Costa, concorda que as redes sociais são um desafio inédito para as democracias. "As pessoas têm usado a internet (as redes sociais) como uma terra sem lei, inclusive para incitar movimentos absolutamente contrários a um estado democrático de direito", ressalta.
A discussão sobre uma possível violação à liberdade de expressão no episódio não ficou restrita a partidários de Trump nos Estados Unidos e no Brasil. A chanceler alemã Ângela Merkel, também mostrou preocupação com a possibilidade de redes sociais poderem limitar esse direito.
Mas a advogada Natália Brotto, especialista em direito constitucional e contratual, reforça que o direito à liberdade de expressão não é absoluto. "A partir do momento em que você coloca a liberdade de expressão como valor absoluto, isso vai restringir uma série de outros direitos de outras pessoas, como por exemplo daquela que sofrem com a propagação do discurso de ódio", diz.
Quem decide o que pode ou não ser dito?
Um dos principais desafios escancarados pelo episódio é a legitimidade de as redes sociais, decidirem o que pode ou não ser dito pelos usuários. Ângela Merkel foi uma das vozes a levantar esse questionamento. Para ela, nenhuma companhia privada deveria ter um poder tão grande de decidir quem pode se manifestar em suas plataformas.
A preocupação de Merkel encontra eco entre juristas no Brasil. Caldas faz um paralelo com a regulamentação feita pelo Estado, que pode limitar o direito à liberdade de expressão para proibir discurso de ódio, incitação à violência ou ao cometimento de crimes, entre outros casos:
"O Estado pode fazer um controle? No caso do Estado é menos pior porque o Estado é feito por representantes que foram eleitos por nós. Então se o Estado reprime a liberdade de expressão, ele é um representante da vontade política. Mas e no caso das corporações, elas representam quais interesses?"
O advogado reforça uma preocupação que tem sido bastante usada como argumento para criticar a decisão das redes sociais. "As pessoas não tinham se dado conta de que as redes sociais têm dono, têm interesses e podem perfeitamente conduzir o rumo político para um lado ou para o outro", diz.
Regulação das redes sociais contraria o livre mercado?
O desafio está, justamente, em discutir um modelo de regulação para o conteúdo gerado nas redes sociais. Essa é uma discussão que ainda precisa amadurecer em todas as democracias do mundo, segundo os juristas.
"A primeira coisa que a gente vai ter que discutir politicamente é se de fato as empresas têm o direito de fazer isso [banir usuários] e se o Estado tem o direito de interferir, para mandar restabelecer uma postagem, por exemplo", diz Caldas.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) classifica a discussão sobre regulamentação das redes sociais como tentativa de censura. "Minha adorada imprensa, vocês nunca tiveram tanta liberdade como em meu governo. Nunca se ouviu falar em meu governo em controle social da mídia ou democratização da mesma", acrescentou, em um evento nesta semana no Palácio do Planalto.
Mas há quem discorde dele. Para Brotto, não há nenhum problema em discutir o assunto. "A regulamentação por si só não é ilegal. Você utiliza seu carro, mas você tem as leis de trânsito", argumenta a advogada. "Também tem normas que são seguidas pelos fabricantes dos veículos de quais são os itens mínimos de segurança que determinado veículo tem que ter", completa.
Isso não significa que não haja desafios nessa discussão. O primeiro é definir quem vai regular o conteúdo das redes, já que normalmente as normas são criadas pelo Poder Legislativo e essas empresas não têm sede no Brasil. "Segundo problema é como fazer a regulação sem suprimir direitos de liberdade de expressão e essa não é uma resposta que a gente consegue dar, ninguém conseguiu dar uma resposta definitiva para isso ainda", reforça Brotto.
Caldas reforça, ainda, a necessidade de criação de critérios mais transparentes para os termos de uso e de um canal de atendimento melhor por parte das redes, para explicar decisões de suspensão e banimento aos usuários afetados. "A relação entre as empresas e as pessoas precisa ter uma transparência maior. Essa é uma queixa muito comum", explica.
Para o advogado, o oligopólio das grandes redes sociais também é um problema para a democracia, que precisa entrar na discussão. No caso das gigantes da tecnologia, esse oligopólio é mais concentrado do que nos ambientes internos dos países, é internacional, mais poderoso economicamente e menos transparente.
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