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Clima: País chega com reputação invertida a cúpula protagonizada pelos EUA

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, no Rio

22/04/2021 04h00

Mais do que com sua imagem ambiental arranhada, o Brasil chega hoje às discussões da Cúpula de Líderes sobre o Clima com sua reputação invertida. O país já foi referência global nas negociações para controle das mudanças climáticas — em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi a primeira nação a apresentar metas voluntárias de redução de emissão de gases do efeito estufa.

Agora, participa da nova rodada de conversas convocada pelo presidente americano, Joe Biden, chamuscado com um desempenho ambiental pífio nos últimos anos e pressionado dentro e fora do país.

Representantes de 40 países participam das reuniões virtuais, que vão até amanhã (22). A intenção de Biden é formar um consenso e instigar os países a traçarem metas mais ambiciosas para discussão na COP26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021, que acontece em novembro, no Reino Unido.

O objetivo principal do acordo climático global, o chamado Acordo de Paris, de 2015, é frear a tendência de alta das temperaturas do planeta. A meta considerada ideal é de +1,5ºC em relação à era pré-industrial.

O aquecimento global já está posto. A questão agora é quanto vamos permitir que o planeta aqueça até um nível que consigamos conviver com seus efeitos."
Wagner Costa Ribeiro, professor do Departamento de Geografia e do curso de pós-graduação de Ciência Ambiental da USP

Para isso, os países precisam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Mas os compromissos apresentados pelos maiores poluidores ainda estão muito aquém do desejado segundo a ONU e a comunidade científica.

Cúpula política

Com a reunião proposta por Biden, os Estados Unidos — segundo maior emissor de poluentes do planeta — tentam assumir o protagonismo nas negociações climáticas. O que é uma mudança significativa.

"Os EUA perderam muito espaço, principalmente na gestão do [ex-presidente Donald] Trump [o país chegou a sair do Acordo de Paris]. Mas é importante entender que os EUA sempre tiveram uma postura dúbia, ora puxando a negociação, ora recuando", observa o geógrafo.

Agora, Ribeiro é mais otimista com a participação dos EUA, pois esse compromisso ambiental é coerente com a própria trajetória de Biden. Recentemente, o democrata assinou uma carta de compromissos com a China, puxando o maior emissor de gases do mundo também para a ponta da discussão.

Na União Europeia, que responde por 7% das emissões, países como França e Alemanha possuem uma disposição mais clara sobre a necessidade de se assumir ações mais concretas para atingir a meta de +1,5ºC. O Reino Unido, que sedia a COP26, também é a favor de metas mais ambiciosas.

Posição delicada

O Brasil segue numa direção oposta e, desde 2015, vem perdendo capital político nessa mesa de negociação. Algo que se agravou nos primeiros dois anos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e na gestão de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente.

O Brasil entra nessa negociação climática numa situação muito desconfortável. Saiu de um status de referência para, essencialmente, o de pária."
Mariana Vale, professora associada no Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Segundo a ecóloga, vários fatores tornaram o país exemplo na questão do clima. A começar pela matriz energética limpa, mas, sobretudo, pela redução na emissão de gases do efeito estufa em razão do controle do desmatamento, entre 2005 e 2012.

Desde então, o desmatamento no Brasil para de cair e, a partir de 2015, volta a crescer, disparando nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro. O que queimou a imagem do país.

"Nos últimos dois anos, chegamos a um degaste enorme. Tanto em função das falas e ações do presidente e do ministro do Meio Ambiente, quanto pelos dados de aumento do desmatamento e das emissões", avalia Vale.

Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi três vezes superior à meta proposta pelo Brasil para a Convenção do Clima de 2009, em Copenhague. Sob comando de Salles, o Ministério do Meio Ambiente perdeu poder fiscalizador para evitar desmatamento, invasões de áreas indígenas e mineração ilegal.

Uma semana antes da Cúpula, a Polícia Federal levantou suspeitas de que Salles pode ter prejudicado uma investigação que terminou com a maior apreensão de madeira na Amazônia, no final de 2020. Um dia depois de enviar a notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal, no dia 14, o superintendente da PF no Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva, foi afastado do cargo.

Em parte, o Brasil sinalizou recentemente uma mudança de tom em uma carta de Bolsonaro a Biden, em que o governo prometeu zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030. Para isso, pede ajuda "tanto da comunidade internacional, quanto de Governos, do setor privado, da sociedade civil".

"Embora exista essa mudança na carta, ela tem um aspecto muito oportunista, sobretudo porque está atrelada a um pedido de recursos. O que pode colocar o Brasil numa situação ainda mais difícil na Cúpula. Constrangedora até", avalia a professora da UFRJ.