"Vi a história em curso", diz Gabeira sobre cobertura do fim da Guerra Fria
O jornalista Fernando Gabeira, 80, fala como foi estar no olho do furacão como correspondente do jornal Folha de S. Paulo na Alemanha, nos anos 1990. Era o fim da Guerra Fria, e Gabeira cobriu a queda do Muro de Berlim, a reunificação da Alemanha e as consequências da dissolução do regime soviético em países bálticos.
"Assisti a gente da KGB [serviço secreto da antiga União Soviética] saindo com as gavetas cheias de documentos dos prédios. Eu tive a noção de que a história estava realmente em curso ali", disse o jornalista, entrevistado desta semana no programa do Canal UOL Jornalistas e Etc., comandado pela colunista Thaís Oyama. Você pode assistir a toda a programação do Canal UOL aqui.
Para Gabeira, ter vivenciado acontecimentos assim foi algo único e histórico. "Costumo dizer que os momentos mais importantes [da carreira] são aqueles em que historicamente aconteceram também coisas mais importantes", afirmou.
O Muro caindo, a Alemanha se reunificando, a Iugoslávia desaparecendo enquanto Iugoslávia e o império soviético também. Acho que não tive a oportunidade de ver acontecimentos tão importantes, do ponto de vista do século, como esses.
Fernando Gabeira, jornalista
A história em um 'take'
O jornalista, que começou sua carreira em Juiz de Fora (MG), se lembra até hoje de uma reportagem que fez, aos 18 anos, sobre a doença de Chagas em Minas Gerais. Foi, para ele, um despertar para a forma de contar histórias.
Em uma cidade de uma região "muito pobre", Gabeira encontrou uma equipe de uma revista americana que, segundo ele, simpatizou com o então jovem jornalista. Um fotógrafo americano foi com Gabeira ao cemitério local, de onde era possível ver em primeiro plano as cruzes e, em segundo plano, a cidade.
"Ele disse assim: 'Vou fazer agora para você ver o que é um 'establishing shot', um take [enquadramento] que dá a ideia da história que vamos contar", disse o jornalista.
"Aquela preocupação dele de encontrar uma imagem que pudesse sintetizar a história me pareceu muito interessante. Comecei a ver como as pessoas se preocupavam com contar histórias e que problemas havia ali para contar. Acho que aprendi muito ali e, por isso, não esqueço a lição que recebi", completou.
Vida de deputado
Comentarista de política, Gabeira também já esteve "do outro lado": por quatro mandatos, de 1995 a 2011, foi deputado federal pelo Rio de Janeiro.
"Quando caí na Câmara dos Deputados pela primeira vez, convivi com 512 parlamentares", disse o jornalista, que comparou a situação de convivência entre os políticos com a situação que se vive com os companheiros de uma cadeia, em que não se costuma perguntar o motivo para a outra pessoa estar ali.
"Você é colocado a conviver com pessoas que não escolheu", afirmou.
Entre os diferentes políticos, mesmo com divergências ideológicas, a convivência e o desenvolvimento de uma certa relação pessoal acabam sendo inevitáveis na avaliação de Gabeira.
"Quando você está com pessoas, não tem outro caminho a não ser se relacionar, acho eu", afirmou o jornalista, que disse ter tido as mais diferentes conversas com políticos de diversos espectros —de Severino Cavalcanti, a Jair Bolsonaro e Roberto Jefferson.
'Eterno aprendiz' no jornalismo
Aos 80 anos, Gabeira afirma que, para o ofício de jornalista, há benefícios por envelhecer: "Você tem uma tranquilidade maior, tem mais experiência", disse. Mesmo assim, destaca que é preciso tomar cuidado para não cair em uma "armadilha": a perda da curiosidade.
"Supor que já viu tudo, ou que aquilo já está conhecido por você... Quem chegar à condição de mais adulto se achando mestre, um conhecedor total, acho que tende a perder um pouco. Ele tem que continuar com a mesma perspectiva de ser curioso e aprendiz", afirmou o jornalista, que se definiu como um "eterno aprendiz".
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