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Oposição vê cortina de fumaça e "imunidade de rebanho" em fala de Bolsonaro

Luciana Amaral e Lucas Valença

Do UOL, em Brasília

10/06/2021 20h01Atualizada em 10/06/2021 21h18

Parlamentares de oposição viram como cortina de fumaça e nova defesa da "imunidade de rebanho" a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre um parecer para desobrigar o uso de máscara por parte dos que foram vacinados ou contraíram a covid-19 e se recuperaram.

"Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é, e ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que foram vacinados ou que já foram contaminados", disse Bolsonaro hoje em evento em Brasília.

Já o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse em seguida ser preciso que a vacinação avance para que o plano seja colocado em prática. Ele não deixou claro em que pé está o parecer.

A desobrigação de uso de máscara defendida por Bolsonaro contraria recomendações de autoridades sanitárias, especialmente no caso do Brasil, em que apenas 11,06% das pessoas receberam as duas doses de vacina contra a covid-19.

Israel e, mais recentemente, os Estados Unidos são alguns dos países em que vacinados não são obrigados a usar máscara. A diferença é que, nestes lugares, a campanha de imunização contra a covid-19 está muito mais avançada: no primeiro, segundo balanço do Our World in Data, 59,4% da população já recebeu as duas doses da vacina; no segundo, 42,15%.

"Irresponsável"

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), disse que a fala do presidente é "irresponsável" e que Bolsonaro "ignora a doença".

"Antes de tudo é uma fala muito irresponsável do ponto de vista que o Brasil caminha para uma terceira onda.
O ministro [Queiroga] na oitiva defendeu a máscara, o isolamento físico e disse que ia estimular o presidente que usasse a máscara e não fizesse mais aglomerações", disse.

Membro da comissão parlamentar de inquérito, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a declaração do presidente é uma "perversidade atroz" e deixa clara a estratégia de se estimular a imunidade de rebanho.

"Reforça ainda mais essa questão de que ele quer que as pessoas sejam contaminadas para, com isso, acabar com a pandemia. Essa é a ideia dele. Isso é de uma perversidade atroz. Quantas vidas a gente já não perdeu? Quantas mais vamos perder? A vacinação está muito lenta", disse.

Aziz também disse não "duvidar" de que o presidente queira ainda, apesar da crítica de cientistas, perseguir a imunidade de rebanho. "O presidente e aqueles do "gabinete paralelo" [de aconselhamento de Bolsonaro], que continua funcionando, certamente não conseguiram a imunidade de rebanho, talvez queiram fazer agora, não duvido", disse.

"Contaminar todos e matar muitos"

O vice-presidente da CPI e líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que Bolsonaro é um "forte candidato a ser indiciado".

"Isso só aponta para a estratégia deliberada do presidente de contaminar todos e matar muitos", afirmou.

Parte dos integrantes da CPI defende que Bolsonaro estimulou a imunidade de rebanho de forma proposital ao longo da pandemia ao não incentivar vacinas, o uso de máscaras e ao promover aglomerações constantemente. Dessa forma, teria cometido crime contra a saúde pública da nação.

Também chamada de imunidade de grupo e imunidade coletiva, a imunidade de rebanho consiste em atingir um ponto em que há uma quantidade suficiente de pessoas imunes ao vírus, interrompendo a transmissão comunitária. E, com menos indivíduos suscetíveis ao vírus, ele vai aos poucos deixando de circular. Mas, isso não significa deixar o vírus correr livre e solto para contaminar a maior parte da população.

"Manobra diversionista"

Para o senador Alessandro Vieira (SE), também membro da CPI, a declaração do presidente da República parece "muito mais uma manobra diversionista".

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) escreveu no Twitter que uma pergunta que gostaria de ter feito para o ministro Queiroga na CPI, mas não teve tempo, "cabe bem agora".

"Qual é o limite do senhor Queiroga entre a honra/autonomia e um pedido de demissão? O senhor vai autorizar que pessoas andem sem máscara como quer o presidente?"

Desde que assumiu o Ministério da Saúde, Queiroga, que é médico, frequentemente defende o uso de máscara e o distanciamento social.

O líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou ser "inacreditável que, mesmo com o país tendo mais de duas mil mortes de covid-19 na véspera, o presidente continue se dedicando a boicotar as medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus".

A judicialização da desobrigação do uso de máscara para parte da população, se realmente levada adiante, é estudada por parlamentares.

"Se de fato Bolsonaro apresentar qualquer medida desobrigando o uso de máscara, que é uma determinação de uma lei aprovada pelo Congresso, usaremos todos os recursos cabíveis, no Legislativo e no Judiciário, para impedir mais este absurdo. O uso de máscara salva vidas e boicotar isto é trabalhar pela morte do nosso povo", disse Molon.