Como funcionava a máquina de produção de vídeos de Gabriel Monteiro
O vereador Gabriel Monteiro (PL) fez da casa de luxo onde mora, em um condomínio na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, seu QG de produção de vídeos, segundo relataram ao UOL funcionários e ex-assessores dele. O foco dos vídeos, com fortes indícios de fraude e manipulação e sob investigação na Câmara Municipal, era atrair seguidores —e audiência— para seu canal no YouTube.
Na casa —localizada no Condomínio Mansões, onde a cantora Anitta também tem um imóvel—, reuniam-se diariamente ao menos quatro produtores (funcionários de seu gabinete na Câmara); quatro editores de vídeo que atuavam em uma ilha de edição; e um advogado, que analisava o que poderia ou não ser alvo de processo judicial, segundo apurou a reportagem.
Um dos assessores de Monteiro disse à polícia que o faturamento mensal com os vídeos chega à casa dos R$ 300 mil somente no YouTube, informou o jornal O Globo. O canal, criado no final de 2018, soma hoje 6,28 milhões de inscritos e mais de 1 bilhão de visualizações. Na capa, a promessa: "vídeos novos todos os dias".
Entre os focos dos vídeos —cujas pautas eram definidas por Monteiro—, estão críticas a desafetos políticos e ajuda a "crianças com aspecto de pobre".
O vereador nega o uso dos assessores para fins privados. "Eles foram pagos de maneira privada, e eu tenho toda prova. Registro bancário, eu tenho isso", disse Monteiro no dia 7 deste mês.
Ele também nega ter praticado crimes de qualquer natureza e vem afirmando, reiteradamente, ser vítima de um complô de ex-assessores. O UOL procurou o youtuber, por meio de seu advogado Sandro Figueiredo, mas não houve retorno. Caso haja resposta, ela será incluída nesta reportagem.
Núcleo de 'investigações'
A equipe de produção dos vídeos —chamada por Monteiro de P2— era composta por quatro assessores, um advogado e pelo próprio vereador, segundo fontes relataram ao UOL.
No jargão da Polícia Militar, P2 são agentes da área de inteligência. Monteiro deixou a PM após ser eleito vereador, com a terceira maior votação em 2020.
O vereador chamava sua casa no condomínio Mansões de "batalhão". Era ali que começava o expediente dos P2 e para onde eles voltavam após cumprir as "missões" dadas pelo vereador.
Os assessores dizem que não davam expediente na Câmara Municipal, no centro do Rio. Um ex-funcionário (Fábio Neder) e dois funcionários (Vinícius Hayden e Robson Coutinho) confirmaram ao UOL que participavam da produção dos vídeos em horário de expediente.
As prioridades para produção
A produção de vídeos era dividida por temas, definidos conforme a audiência que atraíam para o canal:
- Fiscalização, especialmente hospitais;
- Social, em que Monteiro "ajudava" alguém em situação de vulnerabilidade;
- Apoio à causa animal, como resgate de bichos domésticos abandonados;
- Vídeos de "investigação";
Como eram encontrados os perfis
De acordo com Vinicius Hayden — que ainda consta como funcionário do vereador por estar de licença médica — Monteiro orientava sua equipe diariamente. Para os vídeos de fiscalização, por exemplo, Monteiro orientava que saíssem em dois ou três carros, e fossem a diferentes hospitais públicos.
De lá, funcionários dizem que mandavam para Monteiro, em um grupo de WhatsApp, fotos ou vídeos da situação do atendimento.
Caso ele aprovasse, o vereador se deslocava até o local. Antes da chegada —o que costumava levar até três horas—, os produtores contam que conversavam com pacientes na fila e os orientavam a relatar suas histórias "de forma incisiva" a Monteiro.
Para a produção de vídeos de temática "social", era adotado o mesmo modus operandi —Monteiro determinava o perfil a ser procurado. A partir daí, os assessores do vereador percorriam principalmente as redondezas da casa dele na Barra da Tijuca.
A orientação mais comum, segundo Hayden, era encontrar crianças "com aspecto de pobre". Monteiro aprovava as fotos enviadas, ia para o local e conduzia o vídeo da sua forma.
Já os vídeos de "investigação" envolviam um trabalho de produção para criar flagrantes.
Em um deles, Monteiro interpela um homem, a quem chama de pedófilo. Um dos funcionários relatou ao UOL que a equipe criou um perfil falso em um aplicativo de relacionamento que se passava por uma menina de 11 anos.
Para não expor uma criança de verdade, Hayden conta que a equipe vestiu a esposa de um dos funcionários com um uniforme escolar e submeteu as fotos dela a um aplicativo que transforma rostos adultos em infantis.
Um homem marcou um encontro. Monteiro então surge em cena e o acusa de abuso de menores de idade.
Um dos vídeos de maior repercussão mostra uma suposta tentativa de suborno por parte de uma empresa então responsável por pátios e reboques da Prefeitura do Rio de Janeiro. A denúncia culminou na rescisão do contrato e investigação por parte do MP-RJ.
Para os vídeos de causa animal, a equipe coletava denúncias em redes sociais e ia ao local para averiguar com drones e fotos. O vereador só se deslocava para gravar após aprovação.
Gabriel Monteiro em cena
Na hora da gravação, o vereador não segue um roteiro pré-definido ou com garantia de verossimilhança —nas palavras de uma das fontes, Monteiro "cria a história que quiser".
Nos hospitais, ele chegava primeiramente na fila —após sinalização de sua equipe— e começava a gravar. Enquanto isso, os produtores entravam nas unidades de saúde e buscavam salas vazias, escuras e elementos que, na visão de Monteiro, poderiam contribuir para a denúncia.
Nos vídeos "sociais", Monteiro chegava a orientar —conforme denunciado pela TV Globo— o que as crianças deveriam falar. A ideia era gravar frases que expunham a vulnerabilidade delas.
O vereador levava os menores de idade a lanchonetes, lojas de roupa e de brinquedos em shoppings. Ele não voltava, contudo, a procurar as crianças após a publicação dos vídeos, segundo funcionários.
Foco nos desafetos
Outro ponto de orientação de Monteiro era vigiar desafetos, segundo apurou a reportagem. Um deles é o coronel da reserva da PM Íbis Souza Pereira, assessor parlamentar da deputada estadual Renata Souza (PSOL).
Em 2020, antes da eleição municipal, o vereador se passou por um estudante de Direito para conseguir uma entrevista. Ao encontrar Íbis, Monteiro gravou um vídeo em que relacionava a criminalidade em um complexo de favelas do Rio ao partido político.
O vereador foi processado por Íbis e condenado pela Justiça a pagar 40 salários mínimos.
Desde então, a orientação de Monteiro foi vigiar Íbis assim como outros desafetos. Hayden relatou à reportagem que, dada a repercussão do vídeo, o ex-PM queria "um novo coronel Íbis" para alavancar a audiência do canal no YouTube.
Encontrou na fiscalização de hospitais um nicho promissor, mas recentemente sofreu mais um revés. No dia 11, a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o vereador de gravar e divulgar vídeos em unidades de saúde sem autorização dos órgãos competentes e médicos que aparecem nas imagens.
Na última quarta-feira (13), o vereador esteve, contudo, em uma UPA para mais uma "vistoria". Segundo funcionários da Unidade de Pronto Atendimento de Rocha Miranda, na zona norte, o vereador apresentou comportamento agressivo e só deixou o local após a chegada de policiais militares.
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