Jornal: Arquiteta procurou Jair Renan para Bolsonaro receber empresários
Mensagens obtidas pela PF (Polícia Federal) indicam que empresários buscaram a ajuda de Jair Renan, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL), para se reunir com o mandatário e obter agendas no governo, segundo reportagem publicada hoje pelo jornal O Globo.
A PF investiga se Jair Renan atuou para ajudar empresários com o governo federal em troca de patrocínios. Em depoimento prestado durante quatro horas, o filho '04' do presidente negou que tenha praticado tráfico de influência e declarou que "outras pessoas usaram seu nome para ganhos pessoais".
Segundo O Globo, uma das mensagens analisadas pela corporação é um áudio de WhatsApp enviado pela arquiteta Tânia Fernandes, responsável pela reforma do escritório do filho do presidente em Brasília e por desenvolver um projeto de parceiros comerciais dele no Espírito Santo.
Na gravação, ela diz que "seria muito interessante" a presença de Jair Renan em uma agenda com empresários no Palácio do Planalto, sede do governo, "porque o teu acesso (ao presidente) é mil vezes mais fácil". Questionada pelo jornal, a arquiteta confirmou o pedido, mas disse que Jair Renan não quis se envolver e não realizou nenhuma intermediação com o governo.
Conforme a reportagem, em setembro de 2020, Jair Renan esteve no Espírito Santo para conversar com empresários interessados em patrociná-lo e fazer negócios com o governo. A reunião visava apresentar-lhe um modelo para a construção de unidades habitacionais em pedra de granito.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, um dos parceiros do projeto diz a Jair Renan: "O seu pai, que está à frente desse governo, vai certamente aprovar e vai agradecer por essa iniciativa".
Cerca de dois meses depois, em novembro de 2020, um desses empresários conseguiu se encontrar com Rogério Marinho, então ministro do Desenvolvimento Regional, para falar sobre o tema. Segundo o Globo, nota divulgada pela pasta informou que a reunião foi solicitada por Joel Fonseca, assessor especial da Presidência da República. Jair Renan, Tânia Fernandes e Allan Lucena, sócio de Jair Renan à época, também estiveram presentes.
Questionado sobre essa audiência, o '04' disse que foi a convite dos participantes e "entrou mudo e saiu calado".
Em mensagem analisada pela PF, a arquiteta diz que conversou com Joel Novaes, assessor da Presidência, sobre uma visita dos empresários John Thomazini e Wellington Leite, do Espírito Santo, ao Palácio do Planalto. O objetivo, segundo o jornal, era apresentar o projeto para construção das unidades habitacionais com pedra de granito ao presidente.
No áudio, transcrito pelos investigadores, a arquiteta diz que a presença de Jair Renan facilitaria o apoio de Bolsonaro ao tema:
Renan amado, eu falei com o Joel, eu vou apresentar o projeto do John quinta-feira de manhã, seu pai vai apresentar o projeto dele quinta-feira de manhã lá pros ministros e tudo mais, e à tarde fazer um passeio com ele e com o Wellington lá na Presidência até pra tentar apresentar pro teu pai, entendeu? Pro teu pai recebê-los pra entender, enfim, trocar ali miúdos pra o Exército, Aeronáutica, enfim, a Marinha abraçarem a causa para fazer a primeira vila já experimental, entendeu? E aí seria interessante você muito ir porque o teu acesso é mil vezes mais fácil do que o do Joel né? Tânia Fernandes, arquiteta, em áudio transcrito pela PF
Segundo o jornal, citando informações da PF, a mensagem foi enviada em 17 de novembro de 2020. Dois dias depois, foi registrada a visita do empresário Wellington Leite ao Palácio do Planalto, mais precisamente ao gabinete pessoal do presidente. Ele chegou ao local às 15:48:54 e saiu às 16:50:22.
Em 21 de março de 2021, dia em que Bolsonaro completou 66 anos, Leite publicou uma foto ao lado do presidente para parabenizá-lo, mas não informou a data do encontro. Segundo o jornal, o cenário da imagem é semelhante a um gabinete no Planalto. Não houve registro de agenda oficial entre Bolsonaro e os empresários.
'Sonho'
Procurados pelo jornal, o Palácio do Planalto, Wellington Leite, John Thomazini e Joel Fonseca não se manifestaram. O advogado Frederick Wassef, que representa Jair Renan, alegou que os empresários "solicitaram reunião como qualquer pessoa do povo pode e têm o direito de solicitar, por vias legais, via e-mail, tudo oficial".
Wassef afirma ainda que "todos os atos que estão sendo atribuídos e imputados ao senhor Renan Bolsonaro não são verdadeiros e que não usou a sua posição de filho do presidente da República para marcar reuniões, ajudar, auxiliar, de forma direta ou indireta, quem quer que seja, em nenhum ministério".
Já a arquiteta Tânia afirmou à reportagem de O Globo que a mensagem em que pediu ajuda ao '04' para interceder junto ao presidente era um "sonho" inicial do projeto.
"Essas falas que você tem aí, esses áudios, foram sonhos. Sonhos para apresentar ao seu pai (Jair Bolsonaro), pra você mostrar lá pro Exército, enfim, isso aí só foram falas. Que a gente achava que ia acontecer e que não aconteceu. E de fato que coisa boa que não aconteceu. A gente precisou fazer muito estudo na casa. O projeto é lindo e maravilhoso, mas não teve nada de mais. Era tudo muito desconhecido para todo mundo", afirmou.
A reportagem informou que a PF questionou Jair Renan sobre uma imagem na qual ele posava em um cenário parecido com um ambiente de um gabinete no Palácio do Planalto, para verificar se ele acompanhou os empresários na visita à sede do governo, mas ele disse não se recordar onde a foto havia sido feita. Ele negou ter atuado em favor dos empresários quando questionado pelos investigadores sobre o pedido da arquiteta.
O governo federal, via GSI (Gabinete de Segurança Institucional), tentou manter em sigilo as visitas de Jair Renan ao Planalto com o argumento de que a publicidade dos dados poderia colocar em risco a vida do presidente e de seus familiares.
'Levar amigos empresários em ministros'
Em outra mensagem analisada pela PF, o personal trainer Allan de Lucena disse que Jair Renan seria "padrinho" do projeto das unidades habitacionais. O mesmo grupo empresarial doou um carro elétrico a um projeto social de Lucena, que, em depoimento, afirmou que ele utilizava o veículo. O carro foi devolvido após o caso vir à tona, segundo a reportagem.
Outro diálogo que, conforme o Globo, chamou a atenção dos investigadores, ocorreu em 27 de setembro de 2020, quando ao conversarem sobre a intermediação de interesses de empresários no governo federal, Allan escreveu para Tânia: "A gente já fez isso". Ela perguntou: "Já fez o quê?". Ele respondeu: "Levar amigos empresários em ministros".
Em agosto, o '04' se reuniu com o então secretário de Cultura, Mario Frias, para discutir uma possível parceria em um projeto para promover competições de jogos eletrônicos. Não há registro da participação de empresários.
Em novembro, o filho do presidente acompanhou empresários do Espírito Santo em um encontro com o então ministro Rogério Marinho. Allan de Lucena e Tânia Fernandes também participaram do encontro.
A arquiteta disse ao jornal que o projeto das unidades habitacionais ainda está sob desenvolvimento e validação, mas que não houve facilitação junto ao governo. Ela disse que a orientação sobre o procedimento foi dada por Joel Novaes e que os trâmites indicados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional estão sendo seguidos.
"O Renan, em momento algum, quanto a esses assuntos, interferiu, foi falar com o pai, foi ter com ministro, em momento algum o Renan esteve dentro dessa situação. Ele nunca se envolveu, e a gente seguiu conforme está no protocolo do Ministério do Desenvolvimento", afirma ela.
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