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Quem é dom Angélico, que vai celebrar o casamento de Lula e Janja

Dom Angélico Sândalo Bernardino celebra missa em memória à ex-primeira-dama Marisa Letícia com Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2018 - GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Dom Angélico Sândalo Bernardino celebra missa em memória à ex-primeira-dama Marisa Letícia com Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2018 Imagem: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Giorgio Guedin

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

18/05/2022 07h42

O bispo emérito de Blumenau (SC) dom Angélico Sândalo Bernardino vai celebrar hoje o casamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da socióloga Rosângela Silva, a Janja. O noivo e o religioso se conhecem desde a década de 1970, na época da ditadura militar, quando dom Angélico se envolveu diretamente em lutas populares e na causa operária.

Há quatro anos, o bispo emérito exaltou, em uma cerimônia ecumênica em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o aniversário vitalício de Marisa Letícia, segunda esposa de Lula, que morreu em 2017. Dois dias antes da celebração, Lula teve sua prisão decretada pelo então juiz Sergio Moro (União Brasil). Logo depois do ato, Lula se entregou à Polícia Federal e foi preso.

Nos últimos anos, por conta da pandemia de covid-19, dom Angélico está mais recluso. Ele mora em um sobrado no Jardim Primavera, zona norte da capital paulista.

Em entrevista ao colunista do UOL Chico Alves, dom Angélico disse ser amigo de Lula. "Eu fui o padre do batismo dos netos, do casamento dos filhos. Quando a Marisa estava no hospital, ele me pediu: 'será que não daria para você fazer uma oração por ela?'. Eu estive lá, fiz a unção dos enfermos".

Quem é dom Angélico

Natural de Saltinho, interior de São Paulo, Angélico Sândalo Bernardino nasceu em 19 de janeiro de 1933, sendo o quinto entre os nove filhos de pais católicos. "[Meus pais] foram exemplos de amor, de amor à Deus, à igreja e a família, ao trabalho e à comunidade", falou o religioso ao Projeto Memórias da Ditadura, do Instituto Vladmir Herzog, no fim do ano passado.

A predileção religiosa começou cedo: aos oito anos se tornou coroinha —mesmo querendo desistir após a troca do padre na localidade onde vivia.

Minha mãe estava varrendo o quintal com uma vassoura [...]. E eu disse pra minha mãe: 'eu não vou ser mais coroinha, não!' Aí minha mãe pegou a vassoura, levantou e disse: 'vai sim!'[...] Foi este o nascimento para minha vocação."
Dom Angélico Sândalo Bernardino

Ele entrou no seminário em 1946. Chegou a dar um tempo na vida religiosa quando completou 20 anos. Neste período, trabalhou como caldeireiro em uma metalúrgica e abriu a própria oficina. Aos 22 anos, voltou ao celibato. Foi ordenado padre em 1959 e, no ano seguinte, iniciou sua trajetória sacerdotal em Ribeirão Preto.

O envolvimento com os mais pobres começou em 1966 na Vila Carvalho, periferia da cidade. "Foi uma experiência muito enriquecedora na minha vida em que aprendi muito com os pobres e abandonados."

Em 1974, foi nomeado bispo auxiliar da cidade de São Paulo, ao lado do catarinense dom Paulo Evaristo Arns. Um ano depois, atuou na região episcopal de São Miguel Paulista, zona leste da capital. Por quase 25 anos, teve um trabalho marcante em favor da população menos favorecida na igreja paulistana e arredores, além de lutar contra a ditadura militar.

A partir de 19 de abril de 2000, foi designado o primeiro bispo da recém-criada Diocese de Blumenau, onde permaneceu até 18 de fevereiro de 2009, quando sua renúncia foi aceita pelo Vaticano.

Embora tenha se tornado, automaticamente, bispo emérito da cidade catarinense, voltou a morar em São Paulo no mesmo ano em que foi oficializada sua renúncia.

Além de religioso, jornalista

Antes de se tornar padre, dom Angélico estudou teologia e filosofia. Além disso, aprendeu jornalismo na prática em Ribeirão Preto (SP). Enquanto decidia se seguia ou não pela vida religiosa, foi convidado por dom Luís do Amaral Mousinho para trabalhar no "Diário de Notícias", o jornal da diocese. Em 1955, recebeu o registro de jornalista pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.

Conforme o site Memórias da Ditadura, o religioso chegou a saudar o início da ditadura militar em uma manchete no "Diário de Notícias", mas anos mais tarde o tom adotado no jornal era totalmente diferente.

Inúmeras vezes fui chamado a prestar esclarecimentos na delegacia. Eles me viam como subversivo."
Dom Angélico Sândalo Bernardino

Já em São Paulo, como bispo auxiliar, continuou escrevendo. Desta vez, em "O São Paulo", o jornal da arquidiocese, que foi considerado um canal de denúncia da violência praticada pela repressão e que sofreu com a censura. Em documentos da ditadura, dom Angélico foi tachado, entre outros adjetivos, de "agitador".

Ainda na comunicação, criou o jornal popular "Grita Povo", que tinha como objetivo de mostrar e refletir as demandas da classe trabalhadora.

De acordo com o Memórias da Ditadura, Angélico teve fundamental participação em casos na luta por direitos humanos no Brasil, como a prisão de Madre Maurina (1969), os assassinatos de Vladimir Herzog (1975) e Manoel Fiel Filho (1976), a execução do metalúrgico e sindicalista Santo Dias (1979), a campanha por eleições diretas (1984) e a descoberta da vala clandestina de Perus (1990).

Pastoral operária e amizade com Lula

Durante a década de 1970, dom Angélico começa a se envolver com a Pastoral Operária, que servia como suporte religioso e social às lutas dos direitos da classe trabalhista. Era o bispo quem coordenava a pastoral quando eclodiram as greves em São Paulo e no ABC Paulista. Foi neste período quando conheceu Lula, então líder sindicalista.

Em janeiro de 2018, oito dias após a condenação em segunda instância, no processo do tríplex em Guarujá (SP), Lula fez uma visita surpresa ao bispo. Em entrevista à Folha de São Paulo, o religioso afirmou que o ex-sindicalista foi condenado sem provas e que teria sido vítima de perseguição.

Meses depois, no dia 7 de abril, Angélico celebrou a cerimônia em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC antes de Lula se entregar e ser preso. O ato foi repreendido por membros da Igreja Católica e parte dos católicos.

O cardeal de São Paulo dom Odilo Scherer criticou o uso político da homenagem. A arquidiocese de São Paulo e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ressaltaram que não tiveram participação no evento.

Em julho de 2020, assinou uma carta, junto com outros bispos, com duras críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), durante o enfrentamento da pandemia. No fim do ano passado, afirmou estar ansioso para voltar à igreja.