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Sem clima, STF trava há 4 anos discussão sobre descriminalização do aborto

13.jul.2010 - Estátua da Justiça, em frente ao edifício-sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Carlos Humberto/SCO/STF
13.jul.2010 - Estátua da Justiça, em frente ao edifício-sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília Imagem: Carlos Humberto/SCO/STF

Paulo Roberto Netto

Do UOL, em Brasília

29/06/2022 04h00Atualizada em 29/06/2022 08h45

Em pauta nos últimos dias em razão da decisão da Suprema Corte americana e de casos polêmicos no Brasil, a descriminalização do aborto ainda é tema dormente no Supremo Tribunal Federal. Desde 2017, uma ação sobre o assunto tramita na Corte e não há expectativa de que seja julgada nos próximos meses.

A ação que corre no STF foi movida pelo PSOL e pede a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. Hoje, o aborto é considerado crime para a mulher que o comete (pena de um a três anos) e também por quem o faz em uma gestante, com ou sem o seu consentimento (pena de três a dez anos, em casos sem consentimento).

As exceções estabelecem que o aborto é permitido em casos de gravidez derivada de estupro, gestação em que não há outro meio de salvar a vida da mulher ou se o feto for anencéfalo. Apesar disso, uma menina de 11 anos foi impedida por uma juíza em Santa Catarina de fazer o aborto, mesmo após ter sido estuprada. Ela acabou conseguindo fazer o procedimento.

Em 2018, o Supremo realizou uma audiência pública para discutir a proposta, ouvindo especialistas a favor da descriminalização contra entidades civis e grupos religiosos que são contra a mudança. De lá para cá, o caso pouco avançou.

No último fim de semana, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou em Oxford (Reino Unido) que não há "clima de tranquilidade" no tribunal para discutir o tema.

"Eu penso que, muito possivelmente, isso não será pautado proximamente. Não há clima de tranquilidade para julgar essa matéria. Mas ela também não pode ser adiada indefinidamente. Em algum momento vai ter que ser decidido e acho que pode ser uma decisão apertada", disse o ministro à BBC News Brasil.

Segundo uma das autoras da ação movida pelo PSOL, a advogada e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Luciana Boiteux, há uma "paralisia" no processo no Supremo e um dos motivos possíveis é evitar que a discussão tensione a relação com outros Poderes, especialmente o Executivo.

"O que se avalia é que [a posição de] os presidentes da Corte, tanto na presidência do ministro [Dias] Toffoli como a do ministro [Luiz] Fux, foi a de não dar andamento em pautas polêmicas. Me parece que houve uma escolha do STF em não avançar nesses debates", disse. "E esse não avanço prejudica as mulheres".

Luciana aponta que a aposentadoria dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que deixaram o tribunal em 2020 e 2021, respectivamente, pode alterar um possível resultado do julgamento. Nunes Marques e André Mendonça foram escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro, crítico da descriminalização do aborto.

"Tudo indica que o posicionamento dos ministros seria contrário, até por uma identidade ideológica com o presidente que os indicou", disse, ressaltando que nenhum dos dois magistrados discutiu um tema no Supremo até o momento.

"Sem clima"

Relatora da ação, Rosa Weber não costuma sinalizar aos colegas sobre movimentações de processos sob seus cuidados - e o caso da descriminalização do aborto não é exceção. A ministra evitar dizer aos demais integrantes se ou quando planeja liberar o tema para julgamento.

Rosa assumirá a presidência do Supremo em setembro e poderá, se quiser, levar a ação para seu futuro gabinete e pautá-la diretamente no plenário. Não há, porém, nenhuma definição clara de como a ministra lidará com o caso.

Um julgamento da descriminalização do aborto ainda é considerado uma possibilidade remota no curto prazo do Supremo, com baixíssimas chances do caso entrar em pauta ainda neste ano por ser um tema espinhoso demais para um ano eleitoral, segundo a avaliação de ministros ouvidos pelo UOL.

Se o caso não for resolvido até a aposentadoria de Rosa Weber, no ano que vem, o próximo presidente da República ficará responsável por nomear o ministro que cuidará do caso, uma vez que os indicados herdam as ações de seus antecessores.

Procurado pelo UOL, o gabinete de Rosa Weber não quis se manifestar.

STF tem histórico pró-descriminalização

Apesar da discussão não ter avançado, o STF mantém um histórico de decisões favoráveis à descriminalização do aborto, sendo responsável por incluir a exceção do procedimento em casos de fetos anencéfalos em 2012. Na época, foram 8 votos a favor e 2 contra. A decisão é considerada um dos marcos da história recente do tribunal.

O entendimento firmado na ocasião é que a manutenção da gravidez de um feto com anencefalia (falta de partes do cérebro) pode provocar complicações à saúde da mulher e que o feto é natimorto, portanto, a interrupção da gravidez não poderia ser equipada ao aborto.

Já em 2016, a 1ª Turma não viu crime no aborto realizado nos primeiros três meses da gestação - o entendimento porém foi restrito a um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que atuavam em uma clínica de aborto clandestina em Duque de Caxias (RJ).

Votaram neste sentido os ministros Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber. No voto que levou à maioria, Barroso afirmou que a criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação viola diversos direitos da mulher.

Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado - isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito - impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?"
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal

O ministro afirmou em voto que a criminalização atinge principalmente mulheres mais pobres, que precisam recorrer a clínicas clandestinas sem infraestrutura para realizar o procedimento, aumentando riscos de lesões, mutilações e óbito no processo.

"Em temas moralmente divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as mulheres façam sua escolha de forma autônoma. O Estado precisa estar do lado de quem deseja ter o filho. O Estado precisa estar do lado de quem não deseja - geralmente porque não pode - ter o filho. Em suma: por ter o dever de estar dos dois lados, o Estado não pode escolher um", disse.