Centrão comanda fundo de educação com injeção de verba do orçamento secreto
Principal autarquia voltada para educação no país, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) está atualmente na mão do centrão. Parlamentares do grupo que dá sustentação ao governo de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso injetam verba de emendas de relator — o chamado orçamento secreto — em seus currais eleitorais, ignorando critérios técnicos.
Como isso afeta a educação pública? Veja mais abaixo:
Qual o impacto orçamento secreto no FNDE? Há casos de ações do fundo que só funcionam graças ao dinheiro de emendas de relator, como o programa de apoio à infraestrutura para a educação básica.
- Em 2022, 91% dos recursos vieram do orçamento secreto -- ou R$ 860 milhões dos R$ 945 milhões previstos para sua execução.
- No ano passado, o programa, que visa a construção e a manutenção de escolas e creches, teve o empenho de verbas não obrigatórias (também conhecidas como discricionárias) de R$ 1,259 bilhão, sendo R$ 1,053 bilhão vindo do orçamento secreto (83,6%).
Como a verba do FNDE é solicitada? O FNDE é o meio que o governo federal tem para enviar repasses para a educação a estados e municípios. Os prefeitos podem solicitar a verba diretamente ao Ministério da Educação.
Já deputados e senadores podem destinar suas emendas a programas selecionados por eles, mas seguindo regras preestabelecidas:
- Parlamentares podem empenhar as emendas individuais e as de bancada, que são impositivas, ou seja, de cumprimento obrigatório dentro da dotação orçamentária prevista para a pasta.
- Depois de empenhadas, é dever do Ministério da Educação fazer uma análise minuciosa de todas as demandas que cada parlamentar ou bancada apresentou ao governo.
- Na sequência, começa o trabalho de convencimento para a liberação dessas receitas. O governo vai liberando os recursos à medida que vai tendo espaço no Orçamento.
- Desde o surgimento da emenda de relator, em 2020, porém, houve um "atalho": o parlamentar passou a acessar diretamente o relator-geral para fazer o pedido de pagamento daquela demanda que já estava empenhada. Se o relator quiser atender, ele determina que o ministério faça o pagamento. Um processo que depende de vontade política e poder de influência de cada parlamentar.
Como essa verba é distribuída? O uso político do orçamento secreto no fundo provoca distorções na sua distribuição, como indica a repartição geográfica do dinheiro em 2021. A grande maioria das emendas de relator direcionadas às ações de infraestrutura da educação se concentrou em Alagoas, estado do presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro, Arthur Lira (PP).
- No ano passado, o empenho para o programa de emenda de relator foi de R$ 523 milhões.
- Do total, 19% foram para Alagoas (R$ 99 milhões).
- O município de Girau do Ponciano recebeu um empenho de R$ 8 milhões via emenda de relator (ou 8% do total destinado ao estado). Nada do dinheiro ainda foi pago.
Os critérios técnicos não são respeitados nessa distribuição. "Na verdade, é contemplado quem tem um deputado que faça lobby para aquela região e não a região mais necessitada que pode não ter nenhum parlamentar defendendo. O critério adequado é que isso fosse atender populações mais vulneráveis e com menos capacidade de arrecadação", afirma Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec (organização da sociedade civil sem fins lucrativos sobre qualidade na educação pública brasileira).
- Em 2022, do total previsto para o programa de infraestrutura escolar, apenas R$ 332,6 mil foram pagos até julho.
- Quase 60% disso, R$ 198 mil, foram para a cidade de Unistalda (RS), comandada pelo prefeito Gilnei Manzoni (PP).
- Manzoni esteve em Brasília no fim do ano passado e passou por gabinetes de aliados, como o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), para pedir a liberação de emendas para o seu município.
Para a especialista em financiamento da educação Mariza Abreu, há dois tipos de jogos políticos na mesa. "O da imposição das políticas [educacionais] ou o toma lá dá cá com o Congresso Nacional, quando o dinheiro vai para entes federados aliados de parlamentares aliados do governo", diz.
Doutor em direito pela USP, Renato Ribeiro de Almeida alerta ainda sobre o uso das emendas em período próximo às eleições. "É evidente que cada parlamentar, especialmente deputados e senadores, vai enviar essas emendas para a sua base eleitoral. Isso é lícito. Acontece que, nesse período eleitoral, evidentemente que os parlamentares tendem a se beneficiar dessa situação", diz.
Quem comanda o FNDE? O fundo está atualmente nas mãos do centrão: Marcelo Lopes da Ponte, antigo chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), é quem o comanda. Outras diretorias também foram indicação dos partidos do centrão, como a de Ações Educacionais, chefiada por Garigham Amarante Pinto.
Nome próximo ao presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, Garigham, que já foi assessor do deputado Wellington Roberto (PL-PB), é responsável pelo setor que cuida de livros didáticos, transporte escolar e transferências diretas para as escolas.
O FNDE está no centro das suspeitas de corrupção do MEC (Ministério da Educação) que levaram à demissão de Milton Ribeiro do comando da pasta no fim de março. Também está no foco da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do MEC, foi autorizada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e tem início previsto para depois das eleições.
Deputados sugerem mudanças de critérios. Para o presidente da Comissão de Educação da Câmara, Kim Kataguiri (União Brasil-SP), o orçamento do FNDE está "comprometido por emendas do orçamento secreto".
Não há mais FNDE, o que há é um repassador de emendas do centrão. Acabaram oficialmente com as políticas públicas, não há mais critério técnico ou socioeconômico. Ganha quem tem mais poder, não quem mais precisa"
Kim Kataguiri, deputado e presidente da Comissão de Educação da Câmara
Uma maneira de se evitar o uso irregular do orçamento secreto no FNDE seria incluí-lo no Plano de Ações Articuladas, o PAR — responsável pelo planejamento plurianual das políticas de educação —, segundo a deputada Dorinha Seabra (União Brasil-TO), relatora do projeto do novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais da Educação).
"A emenda é legítima e precisa estar prevista no PAR, onde está todo o arcabouço técnico", diz. "Não sou contra RP9 (nome técnico da emenda de relator), só não pode virar um orçamento da proporção que é, que chega a 95% do fundo, porque isso engessa", afirma.
Um projeto para que o fundo da educação tenha exclusivamente dotações orçamentárias da União foi apresentado na Câmara. Segundo seu autor, o deputado professor Israel Batista (PSB-DF), isso faria com que a execução de seu orçamento dependesse de prévia aprovação do Conselho Deliberativo, especialmente sobre a política nacional de compras públicas.
"A crise no MEC e os desvios no FNDE mostram a urgência de se criar uma legislação que dê maior transparência ao órgão. O uso do fundo para fins políticos poderia ser evitado com a alteração no modelo de governança do FNDE", diz Batista, que é presidente da Frente Parlamentar da Educação.
O que diz o fundo? O FNDE foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem. Em nota, afirmou que compete ao órgão a "execução de políticas educacionais do Ministério da Educação".
O UOL também enviou perguntas ao Ministério da Educação sobre o tema, mas ainda não teve resposta.
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