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Não é só o FNDE: Desmonte do Inep mostra descaso com a educação

Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) são os alvos principais da operação da Polícia Federal - Catarina Chaves / MEC
Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) são os alvos principais da operação da Polícia Federal Imagem: Catarina Chaves / MEC

Colunista do UOL

22/06/2022 17h16

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Daniel de Aquino Ximenes* e Carolina Barbosa Lindquist**

O dia de hoje amanheceu com a notícia da prisão do ex-Ministro da Educação, Milton Ribeiro, sob a suspeita de montar um balcão de negócios no MEC, com foco para a malversação de recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

No entanto, o descaso com a educação do país vai muito além.

Um exemplo é caso do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), principal instituição de estudos, pesquisa e coleta de dados em educação e que serve para apontar os rumos da política educacional nacional. O Inep sofreu com a nomeação sucessiva de dirigentes despreparados.

O desmonte institucional pode se expressar de várias formas, como pela queda acentuada de orçamento no decorrer dos anos, malversação de recursos, ou mesmo pela precariedade técnica na condução das políticas públicas, indicando incompetência. A incompetência, por sua vez, está relacionada à baixa qualificação técnica de dirigentes nomeados para lidar com os desafios da educação brasileira, como é o caso do Inep.

Os quadros do Inep

O Inep é um órgão com respeitabilidade no país e no exterior, com destaque para a atuação em três áreas muito especializadas: avaliações e exames educacionais; coletas estatísticas e indicadores educacionais; e gestão do conhecimento e estudos educacionais.

Portanto, os dirigentes de alto escalão do Inep, aqui entendidos como Presidente e Diretores (especialmente de algumas áreas), precisam ter um perfil técnico muito especializado para lidar com os desafios da gestão do órgão.

De início, cabe observar que nenhum dos quatro presidentes do Inep nomeados pela gestão Bolsonaro, desde 2019, possui qualificação acadêmica ou histórico profissional na área de avaliação ou pesquisa educacional. Além disso, três deles não possuem doutorado, sendo que dois possuem apenas graduação ou pós-graduação lato sensu. Em contraposição, todos os presidentes do INEP dos últimos dez anos de gestões anteriores possuem doutorado e são amplamente respeitados no ambiente acadêmico - seja como professores, pesquisadores ou reitores de universidades públicas.

No governo Bolsonaro, os perfis de presidentes do Inep são bastante inadequados, como Delegado de Polícia Federal, ex-diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), consultor dos Correios, servidor da carreira de Analista de Comércio Exterior e gerente administrativo em instituição privada de ensino superior.

Todos contrastam com a tradição de excelência dos presidentes deste órgão, que costumeiramente contava com reitores de destacadas universidades públicas, pesquisadores de referência no campo da avaliação educacional, e gestores com experiências relevantes na educação pública (como em secretarias de educação e em cargos anteriores no MEC, no Conselho Nacional de Educação e no próprio Inep).

Além da falta de qualificação técnica para o exercício da função de Presidente do Inep durante a gestão Bolsonaro, é notável a alta rotatividade do cargo, ocupado por quatro dirigentes em três anos e meio. Para fins de comparação, durante o período de 2011-2018, portanto em 7 anos, o Inep contou com apenas cinco presidentes no total. A alta rotatividade prejudica sobremaneira o aprendizado institucional necessário para a condução das políticas públicas.

As diretorias

No que se refere ao perfil de diretores do Inep na gestão Bolsonaro, o quadro não é diferente, como é possível perceber nas duas diretorias técnicas responsáveis pelos exames da educação básica e por estudos educacionais.

Primeiro, a diretoria técnica mais importante do Inep, que é a Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB), responsável por avaliações como ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), contou com sete diretores que permaneceram uma média de apenas seis meses no cargo, caracterizando alta rotatividade.

O perfil dos diretores também se mostrou descabido, incluindo General do Exército, apresentador de programa televisivo de segurança, Coronel da Aeronáutica e funcionária da Agência Espacial Brasileira. Portanto, perfis inadequados para uma diretoria que lida com avaliações tecnicamente complexas.

Em comparação, no primeiro governo Dilma, a primeira diretora nomeada para a DAEB possuía uma extensa carreira como professora e pesquisadora em universidades públicas na área de educação. Além disso, os outros dois diretores nomeados eram servidores de carreira do Inep com ampla experiência na área de políticas públicas e educação. No governo Temer, apenas uma diretora foi nomeada, também servidora de carreira do Inep e com mestrado em educação.

A outra diretoria técnica que destacamos é a Diretoria de Estudos Educacionais (DIRED). Inicialmente, chama a atenção a alta rotatividade: em 3 anos e meio de governo Bolsonaro foram nomeados cinco diretores(as) na DIRED, a maioria sem experiência prévia com educação ou formação na área, tendo trabalhado pela primeira vez com política educacional na própria DIRED. Em contraposição, apenas pessoas com adequado perfil técnico ocupavam cargo de diretor da DIRED em outros governos, que exige um conhecimento especializado na área educacional.

Sobre a necessidade de qualificações

O Inep precisa ser preservado da imprevisibilidade e do casuísmo de dirigentes, especialmente dos que não apresentam a qualificação técnica necessária para conduzir um instituto tão complexo de estudos, produção de informações, e realização de avaliações, o que infelizmente vem acontecendo na gestão do governo Bolsonaro.

Somente com dirigentes bem qualificados, e com um clima organizacional que permita a plena contribuição dos servidores, é que o Inep poderá voltar ao seu lugar de protagonismo técnico para subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas educacionais, tão urgente em um momento em que a educação básica sofre com os efeitos da pandemia de covid-19.

Historicamente, o Inep é dirigido por quadros que são referência em avaliação, pesquisa e educação em nosso país.

Consequências do desmonte

A tradição de alta qualificação dos dirigentes do órgão, porém, foi quebrada no governo Bolsonaro, que aparelhou ideologicamente o instituto, fragilizando as políticas educacionais do órgão e impactando diretamente os estudantes brasileiros.

O Enem teve recordes de taxas de abstenção (chegando a 55% no Enem 2020), baixo número de inscritos (apenas 3 milhões de inscritos em 2021, em um exame que já contou com mais de 8,7 milhões de inscritos), e sofreu com a elitização (o exame de 2021 teve a menor taxa de pretos, pardos e indígenas e a menor dos com renda abaixo de 1,5 salário mínimo dos últimos 10 anos). As taxas de abstenção também foram significativas no exame Enade (avaliação do ensino superior), de 2021, alcançando quase 25% (9 pontos acima da abstenção do último exame), e no Encceja, exame para certificação de jovens e adultos, com 84% de ausência para o Ensino Fundamental.

Não é só a montagem de um balcão de negócios que prejudica a educação no Brasil.

Outras formas de desmonte e descrédito da educação também estão sendo colocadas em prática nos últimos anos, e deixarão profundas sequelas, como mostram políticas públicas mal conduzidas por dirigentes sem perfil técnico adequado como observamos no caso do Inep.

Para recuperar a tradição de eficiência e notabilidade do Inep, é preciso que haja uma valorização dos servidores do órgão e a nomeação de dirigentes qualificados, que possam de fato contribuir para as políticas públicas educacionais de responsabilidade do Inep.

*Daniel de Aquino Ximenes é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, professor da ENAP e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília.

**Carolina Barbosa Lindquist é estudante de Ciências Sociais na Universidade de Harvard.

Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.