Cargo secreto: Filho de dono de jornal que atacou repórter sacou R$ 35 mil
Pedro Henrique de Salvo Barbosa, 21, sacou R$ 35,5 mil em dinheiro vivo entre fevereiro e julho como um dos funcionários contratados em cargos secretos pela Fundação Ceperj. O órgão do governo do Rio criou ao menos 20 mil cargos sem transparência e pagou só neste ano R$ 226 milhões a funcionários na boca do caixa de agências do Bradesco.
Pedro Henrique é filho do jornalista Roberto Gomes Barbosa, dono do jornal Diário da Guanabara, que usou a publicação para atacar —sem qualquer fundamento— o repórter do UOL Ruben Berta, responsável por revelar a folha de pagamento secreta no RJ em parceria com o repórter Igor Mello. Criada há apenas dois meses, a publicação recebeu em julho recursos do governo do RJ.
O jornal acusou o repórter do UOL de perseguir o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), e aliados.
Seis ordens de pagamento sacadas em dinheiro vivo
O montante recebido por Pedro Henrique consta na planilha que reúne 91.788 ordens de pagamentos a 27.527 funcionários da Ceperj nomeados em cargos secretos. Desses pagamentos, 85.011 foram feitos em dinheiro vivo.
Em fevereiro, o filho do dono do jornal sacou R$ 5.800 e, nos meses seguintes, R$ 5.949,79. O último pagamento se deu há pouco mais de um mês, em 6 de julho. Os saques ocorreram em agência bancária em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
Em suas redes sociais, Pedro Henrique não faz nenhuma menção ao cargo na Ceperj. Em seu perfil no Facebook, o rapaz diz que trabalha no Portal Viu! —que também pertence ao pai dele— desde o dia 1º deste mês. No Instagram, Pedro Henrique diz cursar direito.
A reportagem procurou Pedro Henrique ontem —por meio de diversos telefonemas e mensagens de WhatsApp— para entender a função que ele ocupava na Ceperj, sua carga horária e por quem foi indicado. Três horas após a publicação da reportagem, no começo da tarde de hoje, ele se manifestou por meio de uma nota em que não explica o cargo que ocupava na fundação.
"Atuei no Ceperj por meio de processo seletivo, os documentos probatórios do meu trabalho estão no órgão empregador. Trabalhei exercendo uma função para o qual sou qualificado, por um período de seis meses", disse ele.
Pedro Henrique afirmou ter sido desligado da Ceperj após ser convocado em processo seletivo para um órgão do governo federal. "Tenho maioridade, independência, não vivo de mesada e não mantenho vínculos políticos ou partidários com políticos citados nesses episódios", afirmou.
Também sem esclarecer como o filho atuava na Ceperj, Roberto Barbosa se manifestou após a publicação da reportagem por meio de nota: "[Pedro Henrique] Não fez nada, além de trabalhar e receber por méritos profissionais dele".
Jornal recebeu R$ 36 mil do governo do RJ
A empresa Diário da Guanabara LTDA. foi criada em 1º de junho, com sede no bairro Parque Calabouço, em Campos dos Goytacazes, e tem como administrador Roberto Barbosa.
Pouco mais de um mês depois, em 4 de julho, a firma emitiu uma nota fiscal para a Secretaria Estadual da Casa Civil, no valor líquido de R$ 36.080, referente à propaganda de uma campanha institucional de prevenção de violência contra a mulher, publicada no mesmo dia no jornal.
O jornal recebeu o pagamento quatro dias após a publicação da primeira reportagem sobre os cargos secretos no governo Castro, em 30 de junho.
Os ataques do jornal contra Ruben Berta começaram na última sexta-feira (5) três dias após a Justiça suspender os pagamentos a cargos secretos e obrigar que as identidades dos contratados fossem revelada —as informações foram publicadas com exclusividade pelo UOL e renderam reportagens sobre os funcionários nomeados.
A última das cinco edições do jornal, na segunda-feira passada, dedicou a manchete e três das oito páginas aos ataques contra o repórter do UOL.
Roberto Barbosa negou que receba, como pessoa física, qualquer valor do governo do Rio. Ele justifica que o pagamento foi feito à pessoa jurídica d'O Diário da Guanabara —que está no nome dele— e disse que o jornal faz parte do grupo D+News, que também pertence a ele.
O jornal, cuja tiragem é de até 45 mil edições impressas por semana, é distribuído gratuitamente.
"A pessoa jurídica recebeu uma verba de uma agência [de publicidade] em uma campanha em que todos os veículos do estado do Rio de Janeiro participaram", afirmou Barbosa.
Ele também alega que, apesar de o jornal ter sido criado há dois meses, o periódico é a ampliação do trabalho do grupo D+News, que conta com o Portal Viu! de notícias.
O UOL procurou o governo do RJ para buscar esclarecimentos sobre os critérios da campanha publicitária, mas não obteve resposta.
Epicentro do esquema é a Fundação Ceperj
O UOL vem publicando desde junho uma série de reportagens que revelou o escândalo dos cargos secretos no governo Cláudio Castro (PL).
O epicentro do esquema é a Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio).
Após as denúncias do UOL que levaram a Justiça do Rio a suspender novas nomeações e pagamentos em cargos secretos, o jornal recém-criado atacou e expôs o repórter Ruben Berta em dois textos apócrifos na sexta (5) e segunda-feira (8). À reportagem do UOL, Roberto Barbosa admitiu ser autor dos textos intimidatórios.
O jornal Diário da Guanabara não apresenta provas que contestem as reportagens sobre os cargos secretos.
A série de reportagens do UOL também mostrou que candidatos a deputados estadual e federal —ligados a aliados de Castro— têm ingerência em polos de projetos da Ceperj, cujos cargos secretos foram usados para empregar cabos eleitorais. O MP-RJ (Ministério Público) e o TCE-RJ (Tribunal de Contas) se basearam na investigação do UOL para exigir e determinar transparência na Ceperj.
Na última segunda, Roberto Barbosa afirmou à reportagem que a ofensiva contra Ruben Berta se deu porque o repórter do UOL "atacou" Fabrício Cabral, apontado pelo MP-RJ como o funcionário que recebeu mais dinheiro por meio de cargos secretos do governo fluminense (R$ 122,8 mil).
Em entrevista ao UOL, o jornalista Fabrício Cabral não conseguiu explicar o que faz na Ceperj e admitiu que acumula funções em dois projetos ao mesmo tempo.
O ataque a Ruben Berta é uma tentativa clara —e amadora— de intimidação, que certamente será inócua. O esquema revelado pelas reportagens no UOL é tão escandaloso que ganhou centralidade no noticiário da maior parte dos veículos de imprensa e até mesmo no debate eleitoral dos candidatos ao governo do Rio. Em vez de ataques mentirosos, o repórter merece aplausos e incentivos e terá do UOL todo apoio para dar continuidade ao seu brilhante trabalho.
Dono de jornal admite erro e pede desculpas
Após a publicação desta reportagem, o dono do Diário da Guanabara admitiu que errou ao atacar o repórter do UOL e encaminhou uma nota em que pede desculpas.
"Após quase 30 anos de atuação, pequei pela passionalidade, uma marca registrada minha em Campos [dos Goytacazes]."
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