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Leia a íntegra da entrevista de Lula para a RedeTV!

02.fev.2023 - Lula em entrevista à RedeTV! - Reprodução
02.fev.2023 - Lula em entrevista à RedeTV! Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

03/02/2023 00h21Atualizada em 03/02/2023 00h45

O presidente Lula (PT) disse que vai avaliar o fim da autonomia do Banco Central após o mandato do atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto. A declaração foi feita ao jornalista e colunista do UOL Kennedy Alencar, no programa "É Notícia", da RedeTV!.

Apesar de ter dito, durante a campanha, que não pretendia tentar a reeleição, Lula não descartou, na entrevista, uma nova candidatura em 2026. Ele também sugeriu a criação de um bloco de países que "não estão em guerra" e criticou Jair Bolsonaro —para o petista, o ex-presidente participou da tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Leia a íntegra da entrevista:

[Kennedy Alencar]: Olá, boa noite. Começa agora, no "É Notícia", uma entrevista exclusiva com o Presidente Lula. Presidente, obrigado por dar essa entrevista. A gente agradece.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Boa noite, Kennedy. Estou muito feliz de dar essa entrevista para você, porque a volta sua para televisão é uma coisa muito importante para esse país que precisa cada vez mais recuperar o jornalismo sério, responsável que você consegue fazer em toda sua vida profissional.

[Kennedy Alencar]: Eu que agradeço.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Então eu estou aqui à disposição para você perguntar o que você quiser.

[Kennedy Alencar]: Bora lá, presidente! O Arthur Lira se reelegeu com uma votação expressiva, recorde, 464 votos. O fato de o senhor apoiá-lo, e o PT ter lançado o candidato, contribuiu para esse resultado. Ele tem fama de cumprir acordos, mas também tem fama de agir como o Eduardo Cunha, que foi o personagem que deu início àquele processo de abertura de impeachment contra a Dilma. Como o senhor avalia o resultado, a eleição do Lira, e se o senhor confia nele para ele não repetir o comportamento do Eduardo Cunha?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Olha, primeiro eu quero? Nós estamos disputando um campeonato. O campeonato tem primeiro turno e tem segundo turno. Daqui a dois anos vai ter outra eleição, possivelmente outra pessoa seja eleita, tanto na Câmara, como no Senado. Nós entendemos, enquanto Partido dos Trabalhadores, e também enquanto governo, de que era importante a manutenção do Lira na Presidência, porque a gente não precisaria colocar alguém com pouca experiência para presidente agora. Eu acho que se nós soubermos trabalhar corretamente, o Lira vai cumprir todos os acordos.

Eu acho que... eu disse outro dia que nós temos a quantidade de deputados que a gente quiser para ganhar em cada proposta, sabe? Não é tudo a mesma votação, a mesma quantidade de votos. O partido e o governo têm que ter competência de articular, de conversar. Eu acho que o Lira vai ser uma peça importante, como será o Pacheco, no Senado. Ou seja, é importante que a gente saiba que essas pessoas podem contribuir de forma decisiva para que a gente faça as mudanças que tem que fazer.

Nós não queremos nenhuma mudança de interesse no Partido dos Trabalhadores, ou do interesse do Presidente da República. Tudo o que a gente vai mandar para o Congresso Nacional é de interesse desse país. Então, nós vamos discutir, vamos conversar, fazer quantas reuniões forem necessárias. Você sabe que eu gosto de reunião, então, eu não terei problema de fazer quantas reuniões forem necessárias para que a gente estabeleça a boa governabilidade do Brasil, Kennedy.

[Kennedy Alencar]: Em relação ao Senado, o Pacheco teve 49 votos, que é exatamente o número para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional e o Rogério Marinho teve 32. Com 27, você consegue as assinaturas para abrir CPI. A gente sabe que os líderes têm que indicar, que não é uma coisa automática, no entanto, a gente vê que, no Senado, a correlação de forças é mais difícil para o governo.

Como é que o senhor pretende lidar com o Senado e como o senhor avalia a eleição do Pacheco? O Pacheco, em muitos momentos, no governo Bolsonaro, freou propostas conservadoras que o Bolsonaro conseguiu aprovar com o Lira. E o Pacheco me parece um aliado mais confiável para o governo do que o Lira, não?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Olha, deixa eu te dizer uma coisa, eu tenho estabelecido uma boa relação tanto com o Lira quanto com o Pacheco. Eu não acredito que a oposição tenha 32 votos, muitas votações, dentro do Congresso Nacional. O fato do Rogério Marinho ter tido 32 votos não significa que a oposição tem 32 votos.

[Kennedy Alencar]: Sim.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eles vão ficar com menos. Algumas pessoas que não votaram no Pacheco, inclusive gente do partido dele, não votaram por discordância de alguma coisa, por discordância com outros senadores, mas que estou certo de que nós convenceremos a votar nas propostas que o governo mandar para lá.

Nem todos os senadores votarão igual em todas as votações. O que nós precisamos é saber o seguinte: o Congresso Nacional precisa menos do governo do que o governo do Congresso Nacional. Então, quem tem que ter disposição, vontade de conversar, é o governo e isso eu gosto de fazer. Portanto, eu acho que o Pacheco vai ajudar, e o Lira vai ajudar.

[Kennedy Alencar]: Presidente, política externa. É um assunto que o senhor gosta, e em um mês o senhor reposicionou a política externa, retirou o Brasil do isolamento. Reinseriu, não é? Reconectou o Brasil com o mundo. Acompanhei a viagem do senhor na Argentina, no Uruguai. Vou acompanhar a dos Estados Unidos. O que o senhor espera do encontro com o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden? O meio ambiente vai ser a prioridade, é a questão da defesa da democracia, a preocupação com avanço da extrema-direita, é o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: É um pouco de tudo. É um pouco de tudo porque, veja bem, eu tenho interesse em discutir com o presidente Biden a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Portanto, entra no debate de comércio, no debate econômico. Eu tenho interesse em discutir a relação dos Estados Unidos com a América do Sul, e sobretudo com o Mercosul.

Eu tenho interesse de conversar com presidente dos Estados Unidos a questão climática, porque a questão climática nós precisamos ter consciência que precisamos ter uma governança mundial mais forte, mais representativa, para que as decisões, nos fóruns internacionais, que decide sobre política climática, sejam executadas dentro dos países, sem precisar dos Congressos, sabe? A nível nacional. E depois eu quero discutir a guerra da Rússia e da Ucrânia, porque é importante a gente discutir, porque não tem ninguém falando em paz.

[Kennedy Alencar]: A proposta concreta é um grupo, que o senhor quer montar. Quem deve participar desse grupo?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Olha, eu estou fazendo uma proposta de se criar uma espécie de G20, pode ser G10, G5, quantas pessoas precisarem, mas eu estou pensando na China, que é um país extremamente importante, eu estou pensando na Índia, que é um país muito importante, eu estou pensando na Indonésia; estou pensando no Brasil, estou pensando no México, estou pensando na Argentina, ou seja, um grupo de países que não tem nada a ver com guerra, que não vendeu armas, que não deu dinheiro, ou seja, um grupo de países que pode ter facilidade de conversar tanto com o presidente da Ucrânia quanto com o presidente da Rússia. O que eu acho é que a coisa está muito delicada, porque a União Europeia, mesmo sem querer, está dentro da guerra.

[Kennedy Alencar]: Perdeu a interlocução.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Então não tem mais interlocução. Você não vê no jornal alguém falando em paz. Quem deveria falar são os Estados Unidos. Eles querem que o Putin faça, sabe, ou seja, que o Putin saia derrotado. Eu acho que não é necessário ninguém sair derrotado. O que é necessário é que a humanidade ganhe e a humanidade vai ganhar quando tiver paz. A Ucrânia voltar à normalidade, a Rússia voltar à normalidade, e, ao invés de guerra, mais emprego, mais trabalho, mais renda para o povo que precisa muito nesse momento.

[Kennedy Alencar]: Presidente, o presidente Emmanuel Macron queria que o Brasil ajudasse com armamentos para a Ucrânia. O Olaf Scholz, chanceler, primeiro-ministro alemão, também queria. Se o Biden fizer esse pedido, vai receber a mesma resposta que o senhor deu: o Brasil não vai fornecer munição para a Ucrânia.

[Presidente Lula]: O Brasil não pode fornecer, não deve fornecer e é a melhor posição, porque como eu acho que tem que ter um grupo de países que resolvam discutir a questão da paz, se o Brasil ceder, sabe, ou vender a sua munição para Alemanha e a Alemanha entregar para a Ucrânia e a Ucrânia tirar e morrer um soldado russo com a munição fabricada no Brasil, o Brasil entrou na guerra. E nós não queremos que o Brasil entre na guerra, nós queremos que o Brasil construa a paz. E o Brasil tem autoridade política de discutir esse assunto tanto com Biden quanto com a Alemanha, a França, e sobretudo com a China, que eu acho que é peça fundamental para a gente encontrar uma solução para essa guerra.

[Kennedy Alencar]: Acompanhei lá na Argentina a reunião da CELAC, que é a Comunidade dos Estados Latinos-Americanos, a volta do Brasil para a CELAC, o Bolsonaro tinha tirado o Brasil da CELAC, um erro geopolítico muito grande. Com o Biden, o senhor vai tratar de duas questões específicas da América Latina? Ou seja, a questão de Cuba, o fim do embargo que já dura 62 anos, o senhor vai pedir para ele claramente acabar com esse embargo, e se vai tratar de Venezuela ou seja, de promover eleições dentro de um período que todo mundo aceite o resultado, seja nos Estados Unidos, sejam os apoiadores do Maduro?

[Presidente Lula]: Olha, na verdade, o que eu desejo é que todos os países voltem à normalidade. Veja, não tem mais sentido bloqueio a Cuba, não tem mais sentido. O Fidel Castro já morreu, Raul Castro já fez a transição tranquilamente para o civil. Portanto, não há problema nenhum em voltar à normalidade da relação Estados Unidos/Cuba. Se é o problema de Miami, ou problema dos eleitores, eu preciso conversar com Biden, como eu conversei com Putin, como eu conversei com o Obama.

[Kennedy Alencar]: O Obama começou uma distensão, não é?

[Presidente Lula]: Eu acho necessário começar. É a mesma coisa com a Venezuela, veja, não há nenhum sentido. Nós já participamos de construir o estado democrático da Venezuela, em 2003, nós construímos um grupo de amigos que participou os Estados Unidos, participou o Brasil. O Estados Unidos participava além do Colin Powell, que era secretário de Estado, participava a fundação do ex-presidente da República, ou seja...

[Kennedy Alencar]: O senhor vai sugerir um novo grupo de amigos da Venezuela?

[Presidente Lula]: A gente pode construir um grupo de pessoas para negociar. Eu desejo para a Venezuela o que eu quero para o Brasil. Eu quero que eles tenham eleição livre, quero que o povo possa decidir de forma majoritária. Quem ganhar, festeja, e quem perde, lamenta e se prepara para a outra eleição.

É assim que deveria ter sido no Brasil, que não foi. É assim que deveria ter sido em qualquer outro país que tiver eleição, porque nós temos que ter certeza, Kennedy, que não existe nenhum modelo melhor que o modelo democrático. A democracia, ela é complicada, porque você tem que ter paciência, você tem que conversar muito, mas não existe nada no mundo melhor do que o exercício da democracia. Eu digo sempre, a democracia é a capacidade de você conversar com as pessoas mesmo tendo divergências com as pessoas.

[Kennedy Alencar]: Churchill dizia: O pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros. Não é isso?

[Presidente Lula]: É o seguinte, se não fosse a democracia, eu não teria sido presidente do Brasil, um índio como Evo Morales não teria sido presidente da Bolívia. Então a democracia é isso. E quanto mais democracia, melhor, quanto mais liberdade, melhor, quanto mais direito de expressão, melhor. É assim que deve ser o mundo.

[Kennedy Alencar]: Ainda nesse bloco de política externa, presidente, sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia, que o senhor quer fechar até o meio do ano, e que há uma mudança de posição importante em relação ao que o senhor falava na campanha, o senhor colocou esse acordo no topo da sua prioridade de política externa, e eu tenho visto que o pilar ambiental tem caminhado ao lado do pilar comercial.

Queria o que senhor falasse um pouco por que é importante colocar esse pilar ambiental tão forte, e, na negociação com a União Europeia, eu estou falando de compras governamentais, explicar o que é isso, e se além das compras governamentais, tem algum ponto que Brasil e Argentina querem sustentar para assinar esse acordo.

[Presidente Lula]: Uma das coisas que Argentina e Brasil querem é que nós não queremos perder o direito de nos reindustrializarmos.

[Kennedy Alencar]: E a cúpula governamental é fundamental para isso.

[Presidente Lula]: Sobretudo para a pequena e média empresa brasileira. Então, o que europeus tem que entender é que eles já conquistaram um estado de bem-estar social, uma situação econômica que nós na América do Sul ainda não conquistamos. E nós não podemos prescindir de querer sonhar em conquistar um padrão econômico igual eles e padrão social igual eles, por isso que nós queremos fazer o acordo, eu acho que não é só Brasil e Argentina, é a América do Sul que endurece, a França é muito dura na negociação.

[Kennedy Alencar]: A preocupação da França é com a agricultura.

[Presidente Lula]: Eu sei, e muito forte, ou seja, agricultura, para eles, vale uma coisa extraordinária, porque não querem abrir mão para comprar nenhuma pena de frango no Brasil.

[Kennedy Alencar]: Como chega num acordo?

[Presidente Lula]: Eu acho que conversando. Eu pretendo conversar com o Macron, eu pretendo conversar com outros líderes europeus individualmente e depois eu espero que a reunião, a gente chegue a um acordo que permita União Europeia e América do Sul formar uma espécie de um bloco para que a gente possa enfrentar, do ponto de vista do debate comercial, econômico e tecnológico, os dois poderios, China e Estados Unidos.

[Kennedy Alencar]: E a questão ambiental é fundamental, não é? Porque a União Europeia suspendeu qualquer tratativa com o Brasil porque? porque o Bolsonaro fazia aqui no meio ambiente. Fala um pouquinho por que é que é importante, para sua política externa, esse pilar ambiental?

[Presidente Lula]: Porque veja: a questão do clima hoje não é mais uma coisa trivial, é uma coisa extremamente importante, porque nós estamos vendo as mudanças do planeta, estamos vendo a catástrofe que acontece todo dia. Está chovendo muito onde não chovia, está fazendo muita seca onde chovia muito, ou seja, as nossas geleiras estão derretendo, então o Brasil tem, na questão climática, um potencial extraordinário, inclusive um potencial econômico.

Além do potencial da nossa floresta, da nossa biodiversidade, a gente tem um potencial econômico discutindo crédito de carbono que nenhum outro país tem. Eu estou fazendo— vou promover uma reunião entre todos os países amazônicos, tirar uma proposta unitária para discutir com o restante do mundo. E na questão do clima, tem uma coisa séria, que é o seguinte: é preciso mudar a governança mundial. É preciso que a gente tenha mais países participando das Nações Unidas, mais países participando do Conselho de Segurança e mais países ajudando a ter credibilidade nas decisões, porque hoje você tem um Conselho de Segurança baseado na geopolítica de 45. Ela já não existe mais.

[Kennedy Alencar]: No fim da Segunda Guerra Mundial.

[Presidente Lula]: Então, quando você decide que você vai tomar determinada decisão climática, não pode ficar para cada estado nacional decidir depois, porque senão não se cumpre. Então tem que ter uma governança forte, que algumas decisões, sobretudo na questão climática, decidiu? Todo mundo é obrigado a cumprir.

Eu disse para os alemães o seguinte: a gente não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade. A gente quer que a Amazônia, sob o poder soberano do Brasil, a gente quer fazer com que cientistas do mundo inteiro possam contribuir para estudar a riqueza da nossa biodiversidade, saber o que a gente pode extrair dali para a indústria de fármaco, para a indústria de cosmético, para gerar emprego para aquela gente, e o que é que a gente pode ganhar em troco a nível de crédito de carbono, porque esse é o grande desejo do mundo.

Então nós, além de ajudarmos na despoluição do planeta, a gente vai poder ganhar dinheiro para ajudar o povo da Amazônia a ser desenvolvido, porque se não der essa condição para o povo, ele vai continuar tentando explorar do jeito que ele quiser: vai cortar madeira, vai fazer móveis. E outra coisa, Kennedy: nós vamos ser muito duros com as madeireiras ilegais. Vamos ser muito duros com o garimpo, sabe? Não é mais brincadeira, não dá para a gente achar que é um direito do cidadão entrar numa terra que não é dele, cavar buraco, jogar terra no rio, jogar mercúrio no rio.

[Kennedy Alencar]: Forças Armadas envolvidas nesse esforço?

[Presidente Lula]: Hein?

[Kennedy Alencar]: Forças Armadas envolvidas nesse...

[Presidente Lula]: Vai, vai, obviamente. Sem as Forças Armadas, sem a Polícia Federal e sem a participação da sociedade apoiando, a gente não consegue mudar. Eu tomei a decisão, em Roraima, com relação aos yanomamis. Tem muita gente que não quer, tem muita gente ligada ao garimpo, mas essa gente que me perdoe, porque não tem nenhuma autorização para fazer pesquisa em Roraima, muito menos nas terras indígenas, e essa gente está lá destruindo o rio, destruindo a floresta em nome do quê? Em nome de ficar rico? Muitas vezes sem pagar imposto para o governo? Muitas vezes lavando o ouro sei lá onde? Ou seja, nós vamos acabar com isso.

Sinceramente, nós vamos acabar com isso, porque o Brasil precisa ser respeitado no mundo, e a gente só vai ser respeitado no mundo se a gente respeitar internamente. Se alguém tem que pesquisar em algum lugar, essa pesquisa tem que ser autorizada, sabe? Autorizada. Ela tem que pesquisar. Se pesquisar, tem que pedir autorização para explorar, mas as pessoas pedem direito de pesquisa e depois já começam a explorar sem outra autorização.

Então o Brasil vai voltar à normalidade. Nós temos Constituição, nós temos um monte de leis e tudo isso será cumprido em benefício de a gente manter esse país respeitado no mundo.

[Kennedy Alencar]: Presidente, em março tem viagem à China. Eu vi lá no Uruguai, acompanhei a visita também, o Uruguai estava vindo negociar um acordo de livre comércio diretamente, o senhor falou: "Primeiro vamos assinar com a União Europeia e aí o Mercosul negocia com a China". O senhor vai propor para o Xi Jinping o início de uma negociação Mercosul/China? Qual é a prioridade da viagem à China?

[Presidente Lula]: Primeiro, Kennedy, eu queria fazer com que os nossos companheiros do Mercosul compreendam que, sozinhos, todos nós somos pequenos. Mesmo o Brasil, que é grande, ele fica menor se ele tentar negociar sozinho. Teoricamente, parece mais fácil: "Não, o Brasil pode abandonar todo mundo e negociar sozinho". O Brasil não pode abandonar todo mundo porque é exatamente para a América do Sul que o Brasil exporta muitos produtos manufaturados, coisa com mais valor agregado. Por exemplo, a Argentina é o nosso terceiro parceiro comercial no mundo, sabe?

Então é primeiro a China, depois os Estados Unidos, depois a Argentina; não é a Alemanha, é a Argentina. Então, como é que a gente vai prescindir de negociar com essa gente? Não esqueço nunca que, quando eu entrei em 2003 no governo, o nosso fluxo de balança comercial com a Argentina era apenas de 7 bilhões de dólares. Quando eu deixei a presidência, eram 39 bilhões de dólares. Então, o que eu estou prometendo para as pessoas é o seguinte: vamos estar juntos, vamos negociar com a União Europeia e depois vamos negociar conjuntamente com a China. Não vamos tentar cada um tirar proveito individual, porque nós ficamos enfraquecidos.

[Kennedy Alencar]: Então, na China, o principal é negociar a proposta de acordo Mercosul Brasil/China?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: É uma coisa que eu tenho interesse. De quem sabe um acordo América do Sul/China. Sabe, o que nós precisamos é acreditar que sozinhos nós temos menos chances. Parece que teoricamente o Brasil... Olha, o Brasil é muito grande, é muito importante, abandona todo mundo e vai sozinho. Bobagem! Bobagem! Nós precisamos dar valor aos países que são vizinhos do Brasil, e, sobretudo, aos países pequenos. Sabe?

Não tem... O Brasil não pode crescer sozinho, o Brasil tem que crescer junto com os outros. Porque não adianta você ser rico, cercado de miseráveis por todos os lados. É importante que o Brasil, como maior país, maior população, maior economia, o Brasil contribua para que todos cresçam juntos.

[Kennedy Alencar]: Quando a gente financia um projeto na Argentina, no Uruguai, qual é a importância disso? Porque há muita crítica na rede social. Explica por que é importante.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Sabe o que acontece? Se estabeleceu uma discussão baseada na ignorância. O Brasil não financia o país. O Brasil financia a empresa brasileira que vai fazer o serviço. É isso que o Brasil financia. E quando o Brasil financia uma empresa para fazer um serviço em qualquer país do mundo...

[Kennedy Alencar]: É um tipo de exportação.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: É um tipo de exportação. Todos os produtos são comprados do Brasil. Nós exportamos engenharia, então, o Brasil... E depois o Brasil recebe aquilo que ele colocou. Ou seja, é uma grosseria dizer que o Brasil está investindo não sei onde e não investe no Brasil.

Primeiro porque não está investindo, está emprestando dinheiro para uma empresa brasileira fazer serviço lá fora; segundo, se tiver uma disputa, no mesmo projeto, uma empresa para fazer serviço no exterior e o mesmo serviço aqui no Brasil, obviamente que quem vai ganhar vai ser o serviço aqui no Brasil. Obviamente. Nós não estamos tirando dinheiro do orçamento, nós estamos emprestando dinheiro de um banco que pode ser emprestado aqui dentro, pode ser emprestado lá fora, desde que a gente tenha garantia de recebimento. Ah, mas tem pessoa devendo.

[Kennedy Alencar]: No fundo, gera mais empregos no Brasil?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Lógico, lógico. Você viu um estudo publicado que, no valor de 10 bilhões, o Brasil arrecadou 12, o Brasil ganha com isso. O que é muito importante é as pessoas compreendem que um país como o Brasil tem que ajudar os países menores a crescerem; da mesma forma que Estados Unidos e Inglaterra ajudaram o Brasil no começo do século XX, sabe?

Nós somos ajudados por muita gente para construir ferrovia, para construir hidrelétrica, e assim o Brasil cresceu, então, nós temos que ajudar países na América do Sul, países na África. É uma condição sine qua non. Você gostou do "sine qua non". É condição sine qua non, para que o Brasil participe da geopolítica internacional, sendo respeitado, sabe? Porque o Brasil é grande. O Brasil tem que ser respeitado. O Brasil não quer ter hegemonia. O Brasil quer construir parceria com todo mundo. A gente não quer ter hegemonia diante do Uruguai ou diante de um país africano. Não, a gente quer construir parceria para que as pessoas tenham chance de crescer. Isso é simples, e nós vamos fazer.

[Kennedy Alencar]: Presidente, passar para economia agora. Queria uma avaliação do senhor sobre esse caso das Lojas Americanas, os desdobramentos em relação a pagamento de pequenos fornecedores, dívidas trabalhistas e essa reação do mercado. O mercado costuma reagir mal quando o senhor faz um discurso falando de combinar responsabilidade social com a fiscal, mas, em relação às Lojas Americanas, me parece que há uma fraude evidente, uma pedalada evidente, a uma maior compreensão, como o senhor avalia esse caso?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Aí não é pedalada, é motociata. Acho que a gente quando é pequeno, a gente aprende : "Nada como um dia após o outro". Esse lema era vendido como suprassumo do empresário bem-sucedido no planeta Terra. Ele era o cara que financiava jovens para estudar em Harvard, para formar um novo governo. Ele era o cara que falava contra a corrupção todo dia e, depois, ele comete uma fraude que pode chegar a 40 bilhões de reais?

E agora, me parece que está chegando na Ambev também. Ou seja, é o seguinte, vai acontecer o que aconteceu com Eike Batista, ou seja, as pessoas vendem uma ideia que eles não são na verdade.

E o que eu fico chateado, Kennedy, é o seguinte, é que qualquer palavra que você fale na área social, qualquer palavra que você fale: "vou aumentar o salário mínimo dez centavos, nós vamos recorrigir o Imposto de Renda, nós precisamos melhorar os pobres", o mercado fica nervoso, o mercado fica muito irritado.

E agora um deles joga fora 40 bilhões de dólares de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta e esse mercado não fala nada. Ele fica em silêncio. Sabe, por que tanto amor pelos grandes e tanto desinteresse pelos menores?

E aí eu aproveito para dizer o seguinte, Kennedy, eu, na verdade, deixa eu dizer uma coisa para você: eu quero um país com responsabilidade fiscal. Eu quero um país com responsabilidade econômica. Eu quero um país com responsabilidade política. Eu quero um país com responsabilidade social. Para tudo isso acontecer, nós temos que fazer o país crescer. Então, eu quero a responsabilidade fiscal para fazer o Brasil crescer.

Eu não posso gastar o que eu não tenho. Eu só posso fazer uma dívida se for para construir um ativo produtivo, que vai me trazer retorno para melhorar, sabe, o crescimento do país. Então, nós, Kennedy, nós vamos levar muita fé na economia e vou te dizer uma coisa, eu vou te dizer uma coisa no primeiro dia do mês de fevereiro, te dizer uma coisa: Nós vamos recuperar a economia deste país. Nós vamos fazer ajustes no Imposto de Renda, nós vamos aprovar a política tributária que eu tenho certeza que no Congresso a maioria quer votar, e nós vamos fazer essa economia voltar a crescer e gerar empregos com carteira profissional assinada, que é o que interessa para o trabalhador.

E vamos tentar normalizar e legalizar as pessoas que trabalham com aplicativos, porque parece que as pessoas são pequenos e médios empreendedores, mas quando quebra um carro, uma motocicleta, eles percebem que não são nada, coitados, porque ele não tem nenhum programa de seguridade social. Então, nós queremos que essa gente seja tratada com respeito na hora em que eles precisam de ajuda, não ser abandonados como são hoje.

Esse país pode ser construído, e eu posso dizer para você me cobrar daqui quatro anos, eu não quero que me cobre amanhã, porque eu tenho um programa de governo para quatro anos. É como plantar um pé de jabuticaba, você não colhe no dia em que você planta, você tem que aguar, tem que torcer para ter muito sol, e depois de um certo tempo você colhe uma jabuticaba muito boa.

[Kennedy Alencar]: Presidente, acho que é importantíssimo não ficar refém do mercado, mas o senhor tem um discurso que é diferente do seu primeiro e segundo mandato, é um discurso mais incisivo em relação ao mercado. O argumento aqui, o senhor leva parte do mercado a apostar contra o governo, que para estratégia de política econômica dar certo seria melhor um discurso do Lula mais parecido com do primeiro mandato do que o discurso atual. Como o senhor responde a esse tipo de crítica?

[Presidente Lula]: Olha, eu respondo isso porque eu não imaginava que o Brasil fosse estar na situação que está 13 anos depois que eu deixei a Presidência da República.

[Kennedy Alencar]: Tem retrocesso grave.

[Presidente Lula]: Quando a gente deixou a Presidência, o país estava sendo a sexta economia do mundo, a ONU tinha reconhecido o fim da fome neste país, este país tinha aumentado o salário mínimo todo ano. O que está acontecendo no Brasil hoje, Kennedy, é que faz sete anos o que setor público, funcionário público federal não recebe reajuste de salário, a Polícia Federal não recebe reajuste de salário, todas as categorias profissionais fizeram acordo abaixo da inflação e o salário mínimo não aumenta há sete anos, esse é o dado concreto, e é isso que nós queremos mudar. Então, o mercado tem que entender que o mercado já ganha demais, seria muito importante que o mercado estivesse preocupado em ajudar a economia crescer. Não apenas eles crescerem. Ah, mas o Lula está nervoso.

Eu não estou nervoso, é que eu fico indignado com coisas que vocês não ficam, com a fome, passa embaixo da ponte, você vê mulher com criança dormindo lá, aquilo é culpa do governo? Não, aquilo é culpa do Estado brasileiro. E o mercado faz parte do Estado brasileiro.

O problema é que eu passo na Faria Lima, está lá, todo mundo bonito, de terno e gravata, todo mundo com ar-condicionado, ganhando muito dinheiro, gritando na Bolsa de Valores, aí quando passo na Praça Roosevelt, eu vejo pessoas envolvidas com drogas, vejo as pessoas com crack, vejo pessoas com fome, eu vejo pessoas pedindo esmola. Eu vejo criança pedindo esmola, coisa que a gente não via mais nesse país, é isso que me incomoda.

Então pode ter certeza que eu sou cidadão indignado, porque um país que já foi a sexta economia do mundo, um país que é o terceiro produtor de alimento do mundo, um país que é o terceiro produtor de proteína animal do mundo, um país que tem tudo para crescer, é um país que só anda para trás, só anda para trás, só anda para trás. Aí eu fico muito nervoso porque a negação da política, que muitas vezes o mercado contribui, muitas vezes o mercado contribui, quantas vezes o seu Lemann criticou a política? Quantas vezes? Eu vi ele tentar dar lição de moral na política. É isso.

Então, quando se critica a política, o que acontece é um Bolsonaro. O que acontece é um genocida. O que acontece é uma pessoa que vendeu óleo durante quatro anos nesse país, e que agora a gente tem que recuperar o Brasil para tranquilidade, para alegria, para esperança, o Brasil que gosta de carnaval, que gosta de futebol, que gosta de dançar, que gosta de sorrir, sabe? Que gosta de reunir a família.

É esse país o que mercado tem que entender que eu quero construir. E é esse país que o mercado tem que entender que eu só posso construir se eu tiver responsabilidade fiscal, mas também tem responsabilidade social. Porque entre o mercado e as pessoas que estão com fome, não me perguntam, porque, obviamente, vou fazer opção para tirar o pessoal da fome.

[Kennedy Alencar]: Presidente, o Banco Central se reuniu ontem e o Copom (Conselho de Política Monetária) manteve juros no patamar atual, 13,75% ao ano, que é um patamar alto, e falou que pode entrar no novo ciclo de alta diante de uma incerteza do arcabouço fiscal. No fundo, é um recado, é uma cobrança para o governo apresentar uma nova regra fiscal em substituição ao teto.

Como está esse debate entre o senhor e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, para a nova regra fiscal?

[Presidente Lula]: Veja, eu estou muito respeitoso com o Banco Central. Eu tive uma conversa com o presidente do Banco Central, e eu estou muito respeitoso porque eu vivi oito anos com o presidente do Banco Central, Meirelles, e a gente tinha uma política de controlar a inflação, mas a gente também tinha no BNDES dinheiro para investir, para a gente contrapor o aumento dos juros.

O que acontece é o seguinte: o presidente do Banco Central tem que explicar por que 13,5%, e por que qualquer perspectiva de voltar a aumentar se nós não temos inflação de demanda. Porque quando você aumenta os juros, a verdade é que você está numa subida de preço muito grande, porque as pessoas estão comprando muito, as pessoas estão comprando em excesso, você tem que frear, aí você aumenta a taxa de juros, mas não é isso que está acontecendo no Brasil, não é isso.

O Brasil precisa voltar a crescer. Então, eu acho que a sociedade brasileira, eu vou dizer, olhando bem na câmera, acho que a sociedade brasileira, eu vou fazer uma reunião com alguns empresários, pretendo fazer uma reunião com alguns bancos, junto com os empresários, para a gente discutir com muita seriedade a taxa de juros nesse Brasil. Não existe nenhuma razão para taxa de juros estar em 13,75%. Nenhuma razão, nenhuma razão.

Então é o seguinte: nós vamos começar a cobrar. Nós vamos começar a cobrar. Eu lembro do doutor Ermírio de Moraes, quando era vivo, ele passava todo dia cobrando a taxa, diminuir juros. O Zé Alencar?

[Kennedy Alencar]: Cobrava.

[Presidente Lula]: ...o meu vice, todo dia cobrava. Então, eu vou voltar a cobrar. Eu vou voltar a cobrar, porque é o seguinte: esse cidadão do Banco Central foi eleito por quem? Foi eleito pela Câmara, tá? Portanto, ele tem responsabilidade. Ele não votou, sabe? Ele não...

[Kennedy Alencar]: O senhor quer acabar com a autonomia do Banco Central?

[Presidente Lula]: Isso, para mim, é bobagem. Eu fui presidente oito anos da República, e o Meirelles teve toda autonomia para fazer política monetária que ele quis fazer. O que acontece é que a gente conversava.

[Kennedy Alencar]: É que agora tem uma autonomia legal.

[Presidente Lula]: O que acontece é que a gente conversava, e o Brasil deu certo. E este país está dando certo? Esse país está dando certo? Esse país está crescendo? O povo está melhorando de vida? Não! Então eu quero saber de que serviu a independência. Eu vou terminar— esse cidadão terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação o que significou o Banco Central independente.

[Kennedy Alencar]: E aí, eventualmente, pode ter uma proposta de mudança disso?

[Presidente Lula]: Eu acho que pode, mas veja: também para mim, Kennedy, eu quero te dizer que isso é irrelevante para mim. Isso é irrelevante, isso não está na minha pauta. O que está na pauta é a questão da taxa de juros. Outro dia eu me queixei que eles fizeram uma meta de inflação de 13,7%. Quando você faz uma meta de inflação de 13,7%, você está exagerando numa promessa que você tem que arrochar para cumprir.

[Kennedy Alencar]: Isso.

[Presidente Lula]: Eu estou dizendo que o Brasil não precisava disso. Nós fizemos uma meta de 4,5% com menos 2 e mais 2. Ora, este país, com 4% de inflação, com a economia crescendo, esse país vai embora, esse país cresce. É que o presidente do Banco Central nunca viveu a inflação que eu vivi de 80% ao mês. Nunca viveu.

Então ele quer chegar à inflação padrão europeu, e não, nós temos que chegar à inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5% no Brasil, de 4%, é de bom tamanho se a economia crescer. Você, com 4% de inflação, com 4,5, com a economia crescendo, é uma coisa extraordinária. Agora, você faz uma meta que é ilusória, você não a cumpre e, por conta disso você fica prejudicado...

[Kennedy Alencar]: Eles não cumpriram a meta.

[Presidente Lula]: Não cumpriram, e fica prejudicando o crescimento do país. Isso é normal? Em nome de quem? Vamos perguntar para o Presidente da Câmara, para o Presidente do Senado se eles estão felizes com a atuação do Banco Central, porque eu acho que eles imaginavam que fazer do Banco Central autônomo, a economia voltar a crescer, o juro ia abaixar e tudo ia ser maravilhoso, e não é.

Não é, porque durante todo esse mandato, o BNDES, ao invés de servir para emprestar dinheiro para os empresários crescerem, para a pequena e média empresa crescerem, o BNDES resolveu devolver 360 bilhões para o Tesouro. Ou seja, é uma inversão de valores. O BNDES é um banco de desenvolvimento social que ele foi criado para emprestar dinheiro para o crescimento do Brasil.

Pode emprestar tanto para o estado, que tem capacidade de endividamento, como pode emprestar para os empresários, mas sobretudo para pequenos e médios empresários, para a chamada microeconomia, ou seja, nós somos um país capitalista em que não tem capital circulando. É preciso colocar o dinheiro para circular, e com juros a 13,5% não é possível.

[Kennedy Alencar]: Presidente, estou preocupado com o tempo, tem muita coisa. Eu cobri a eleição americana em 2020 e vi como foi difícil combater a extrema-direita lá. O Biden enfrentou fake news, jogo baixo do Trump. Em 2022, aconteceu a mesma coisa no Brasil: jogo baixo da parte do Bolsonaro, fake news. E não dá para usar as mesmas armas para combater. Não dá para usar fake news, não dá para usar mentira como arma política e fazer esse jogo baixo. O senhor aprendeu a combater a extrema-direita? Tem uma receita?

[Presidente Lula]: Não, deixa eu te falar uma coisa, Kennedy, que é muito engraçado. Eu acho que nem eu e nem ninguém no Brasil estávamos acostumados a fazer campanha política baseados na mentira, baseados numa quantidade de inverdades que eu nunca imaginei, ou seja, as pessoas são capazes de dizer que tem um elefante voando e as pessoas acreditam. Sabe? Então, uma mentira repetida um milhão de vezes por muita gente ao mesmo tempo vai se tornando verdade.

Então, qual é o discursa da direita no mundo inteiro? Pátria amada. Costumes. E religião. Então, o que nós temos que construir? Isso eu tenho inclusive feito proposta, falei com o chanceler Olaf Scholz, falei com o Macron e vou falar com todos os líderes: os setores progressistas e democratas da sociedade precisam se preparar para construir uma narrativa para desmontar esse discurso atrasado, xenófobo, um discurso que não leva a nada.

[Kennedy Alencar]: É uma guerra cultural que precisa ser feita para disputar?

[Presidente Lula]: Não, eu acho que tem que ser uma coisa preparada tecnicamente e a gente tentar, Kennedy. Eu não sei como fazer, mas nós vamos tentar estabelecer uma discussão na sociedade brasileira, porque nós temos que responsabilizar um pouco as empresas, sabe, que fomentam...

[Kennedy Alencar]: As redes sociais. Como fazer isso sem censurar?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não, não é preciso censurar. Se a sociedade participar e encontrar um dominador comum de que tal coisa tem que ser brecada pela própria empresa, você não pode publicar lá que você pode...

[Kennedy Alencar]: Uma mentira e deixar no ar. Exato.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não pode publicar uma coisa e apenas dizer "isso é mentira". Se é mentira, não pode ser publicado. Eu acho que sozinho talvez ninguém saiba como fazer, mas se a gente abrir um debate na sociedade, se a gente abrir as pessoas que são especialistas em internet, se a gente abrir os meios de comunicação, e a gente fazer uma discussão...

[Kennedy Alencar]: Vai tratar disso com Biden, provavelmente.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: A gente vai tratar disso...

[Kennedy Alencar]: Com Biden.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Até porque eu acho que a única forma de ter uma regulação é mundial. Não dá para fazer uma regulação apenas no país, portanto, é preciso que seja um assunto a ser discutido no G20. Porque, veja, o Biden derrotou o Trump, mas não derrotou a extrema-direita, ela está viva.

Aqui no Brasil a gente derrotou o Bolsonaro, mas ainda é possível derrotar o bolsonarismo, que é aquele fanático, aquele que acredita em tudo, aquele que ofende as pessoas, aquele que xinga as pessoas. Eu tenho uma tese que é a seguinte: se um dia você entrar num bar com a tua esposa, e um cara, porque você jornalista sério, te xinga. Você pode abrir um processo, que aquele cara é bandido. Uma pessoa séria e honesta...

[Kennedy Alencar]: Não falha uma.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Uma pessoa séria e honesta jamais, jamais atacará alguém. Então se um cara te xingar, pode tirar a fotografia dele e denunciar, porque ele é 171. Ele tem alguma coisa de estelionatário na vida dele.

[Kennedy Alencar]: Presidente, a gente precisa fazer um pequeno intervalo. "É Notícia" volta daqui a pouco com a entrevista exclusiva com o presidente Lula.

Estamos de volta, "É Notícia" entrevista hoje com exclusividade o presidente Lula. Presidente, a gente estava falando que essa questão extrema-direita, está óbvio que o Bolsonaro cometeu crimes ao longo do mandato.

Os de responsabilidades não podem mais ser punidos porque o Arthur Lira não deu seguimento ao pedido de impeachment, mas no âmbito dos crimes comuns há enquetes, há processos que podem levar a uma responsabilização objetiva do Bolsonaro. A gente tem o genocídio yanomami. O Bolsonaro estimulava invasão de terra, não é? Ele é partícipe disso. Acabou a discussão jurídica e filosófica se o Bolsonaro é genocida ou não com a questão em Roraima, com a questão dos yanomami.

Eu pergunto se o senhor acha necessário punir um presidente pelo precedente que ele abre. O presidente chega à Presidência da República, comete tantos crimes, se ele não é punido, no futuro, um outro presidente pode achar: "Eu posso agir da mesma maneira, eu posso usar o Estado - como ele usou no ano passado - para chegar aos mesmos objetivos".

Opinião do presidente Lula: Bolsonaro precisa ser punido objetivamente? A gente viu hoje o caso, Senador Marcos do Val, do Podemos, do Espírito Santo, publicamente dizendo que ouviu do Daniel Silveira, que foi preso quando perdeu o mandato, e pelo Bolsonaro, uma proposta de gravar o Alexandre de Moraes para se tentar dar um golpe de estado para mandar prender o Alexandre de Moraes e não deixar o senhor assumir. Isso é um senador da República, e aliado dele, que está falando. Pergunto para o senhor: é necessário punir o Bolsonaro para que isso nunca mais aconteça no Brasil, o senhor acha?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu acho que é necessário pelo seguinte: ele deve ser julgado em algum momento por genocídio, não apenas no caso dos yanomami, no caso do covid-19, porque ele foi um presidente que se colocou contra tudo, tudo que é cientista deste país. Ele se colocou contra praticamente todo mundo que clamava para que a gente comprasse a vacina rápido e clamava para que o governo fizesse publicidade da necessidade de tomar vacina. Ele não, ele fez o contrário.

Ele preferiu comprar cloroquina, ele preferiu falar que com a vacina as pessoas viravam jacaré, que as pessoas morriam. Ele disse as maiores barbaridades. Por isso eu tenho chamado ele de genocida, porque ele em algum momento vai ser julgado. Quem sabe algum dia, um grupo de pessoas que tiveram parentes mortos na covid? [tosse] Desculpa, Kennedy.

[Kennedy Alencar]: Fica tranquilo.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Quem sabe essas pessoas abram um processo nele, até a nível internacional, porque esse cidadão teve a pachorra de desrespeitar tudo aquilo que a gente tinha de normalidade na política brasileira. Ele ofendeu a Suprema Corte, ele ofendeu o Congresso Nacional, ele ofendeu o papa, ele ofendeu o Macron, ofendeu a mulher do Marcon, ele ofendeu todo mundo. Ele é descarado! E esse cidadão preparou um golpe. Hoje eu tenho consciência, vou dizer aqui em alto e bom som, esse cidadão preparou um golpe. Eles queriam fazer aquela bagunça no dia primeiro de janeiro, mas perceberam que não dava porque tinha muita polícia e muita gente na rua.

[Kennedy Alencar]: Hoje o senhor tem certeza do envolvimento do Bolsonaro em 8 de janeiro?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu tenho certeza do envolvimento dele. Tenho certeza de que o Bolsonaro participou ativamente disso, e ainda está tentando participar. Ou seja, ele é um cidadão quase psicopata, ou seja, esse cidadão não pensa, ele não raciocina, ele vomita as coisas, com o maior desrespeito do mundo, com a maior falta de objetividade e de sinceridade do mundo.

[Kennedy Alencar]: Muita gente tem a tese: "Ah, ele tem que ficar só inelegível, não pode prender o Bolsonaro porque tem uma convulsão social".

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu acho... deixa eu falar uma coisa para você: eu defendo para todos eles a presunção de inocência. Não quero que façam com ele o que fizeram comigo, não quero. Não quero que ele vá para a cadeia para depois provarem a inocência dele. Eu fui para provar que o Moro e o Dallagnol não eram sérios, e provei.

Então eu acho que é o seguinte, ele cometeu crimes, ele ofendeu a Suprema Corte, ele ofendeu tudo o que ele tinha que ofender, ele tem que responder por esses crimes, sabe, ele tem que responder não na instância superior, porque é presidente da República, não, está quase virando crime comum. Esse dos yanomami agora, tenho um discurso dele, tenho vários discursos dele por garimpeiro.

[Kennedy Alencar]: Sim.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Ele manda jogar mercúrio, ele manda invadir a terra, ele manda defecar na água. Sabe, a maior irresponsabilidade. Ele fala que as pessoas podem fazer o que bem entenderem. Ora, esse cidadão foi Presidente da República, esse cidadão foi chefe supremo das Forças Armadas, esse cidadão foi autoridade máxima deste país, ele precisava ter o mínimo de respeito. Ele não teve! Ele mesmo incentivou muita gente a segui-lo.

Porque você sabe, Kennedy, você deve ter ouvido quando você era muito criança, da tua mãe, que a mentira, ela anda de avião; e a verdade é passo de tartaruga, ou seja, a verdade você tem que convencer, precisa discutir muito. A mentira não, você mente e deixa para lá. Então, eu acho que o Bolsonaro em algum momento vai ter que ser julgado. Sabe, eu acho que... não sei se a pena dele vai ficar inelegível ou não, mas ele cometeu crime, na minha opinião, e ele tem que ser julgado em algum momento por genocídio contra a população, vítima do covid, e pelo que aconteceu com os yanomamis.

[Kennedy Alencar]: Presidente, o senhor sempre fala da importância de se normalizar o país, reconstruir, as pessoas poderem discutir sem se desrespeitar. O Bolsonaro teve mais de 49% dos votos no segundo turno, nem todo esse eleitorado dele aprova o genocídio de yanomami, fake news e os atos terroristas em Brasília. O que o senhor tem a dizer para essa parcela da população, esse eleitor que votou no Bolsonaro, não votou no senhor, mas não endossa esse modus operandi do bolsonarismo raiz?

[Presidente Lula]: Kennedy, a gente não pode discutir esse processo eleitoral sem discutir duas coisas, a indústria de mentiras que foi criada nesse país, o envolvimento de muita gente das Forças Armadas, da Polícia Rodoviária, da Polícia Militar de quase todos os países, de parte da Polícia Federal, muita gente envolvida, você viu o resultado disso em vários estados com a Polícia Rodoviária Federal não deixando os ônibus levar as pessoas para votar. Além dessa máquina de mentira, além desse uso da máquina, eu tenho dito que desde Marechal Deodoro da Fonseca até o Fernando Henrique Cardoso, todos os presidentes juntos nunca gastaram o que ele gastou.

Ora, esse cidadão utilizou do orçamento público quase que 60 bilhões de dólares, 300 bilhões de reais, ele fez de investimento de isenção de imposto de desoneração, sabe, distribuição de dinheiro. Distribuindo dinheiro para taxista perto das eleições, para caminhoneiros, ou seja, da Caixa Econômica, 8 bilhões de reais para emprestar para pessoas que têm dificuldade de pagar.

[Kennedy Alencar]: Ou seja, essa votação foi turbinada por isso?

[Presidente Lula]: Lógico que foi turbinada.

[Kennedy Alencar]: Mas e para quem votou nele, que mensagem que o senhor tem?

[Presidente Lula]: Vamos apenas dizer o seguinte: eu respeito muito o eleitor, porque o eleitor, ele se dirige à urna pela qualidade da informação que recebe, em primeiro lugar, e pela quantidade de coisa que ele acredita que vai acontecer na vida dele. Não é pouca coisa, sabe, no ano eleitoral você distribuir 600 reais sem nenhum cadastro, sem nenhuma seriedade, numa mesma família tinha três pessoas recebendo 600 reais, aí depois você abre uma linha de crédito na Caixa Econômica para emprestar 8 bilhões para essas pessoas que recebiam 600 reais, a 3,45% de juros ao mês. Obviamente que essas pessoas não vão poder pagar, obviamente que essas pessoas não vão poder pagar.

E agora, nós estamos tratando... desenrola, resolver o problema das pessoas que estão com dívida. Eu acho que o Bolsonaro teve 49% de voto, não é a votação dele, ele, certamente... ele, certamente, ficará no limite de 20 e poucos por cento de bolsonarista raiz, essa gente raivosa. E eu acho que a sociedade vai caminhando para a normalidade. O tempo vai andando, a gente vai governando, as coisas vão acontecendo, porque são 14 mil obras paradas.

[Kennedy Alencar]: Sim.

[Presidente Lula]: 14 mil obras paradas, a maioria do meu tempo de governo. Sabe? Então, nós, agora, a partir do mês de fevereiro, quando eu voltar dos Estados Unidos, eu vou começar a viajar o Brasil dando ordem de recomeçar centenas e centenas de obras do Minha Casa Minha Vida, do Luz Para Todos, do Água Para Todos, ou seja, de estrada que falta 20 quilômetros, 15 quilômetros, ou seja, nós vamos retomar para a economia brasileira voltar a crescer. Três coisas que eu fiquei sabendo ontem, em três adutoras, no ano passado tinha sido destinado um milhão de reais para cada obra dessas, ou seja, nada.

[Kennedy Alencar]: Nada.

[Presidente Lula]: Ontem mesmo, nós assinamos 180 milhões para um, 215 milhões para outra e 115 milhões para outra, para as coisas puderem começarem a andar e a gente voltar a gerar emprego.

E tenho ponderado com os meus ministros que quando for fazer investimento, sabe, pedir para que empresários contratem as pessoas lá da localidade para gerar emprego local, como fizemos no PAC, é por isso que eu estou otimista em dizer para você o seguinte: nós precisamos construir uma narrativa contra a mentira, não é mentir como eles. É tentar mostrar para o povo brasileiro, sabe, compreender o que é mentira, sobretudo em época de eleição.

[Kennedy Alencar]: Presidente, aquele relatório do Ricardo Cappelli, que fez intervenção na segurança do Distrito Federal, deixou muito claro que não houve negligência, não houve incompetência, houve um planejamento ali para uma tentativa de golpe, uma ação da Polícia Militar do Distrito Federal, inclusive de setores das Forças Armadas, e o senhor trocou o comando do Exército.

Eu queria entender, hoje, para registro histórico, como o senhor define o que aconteceu em 08 de janeiro, e se o senhor acha que se tivesse assinado uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem], operação de garantia da lei e da ordem, para um general comandar... as Forças Armadas comandar a retomada dos palácios, se teria tido sucesso uma tentativa de golpe de Estado?

[Presidente Lula]: Deixa eu dizer para você, Kennedy, eu estava tão tranquilo naquele final de semana, que foi da festa da posse. Sabe, eu duvido que em algum lugar tenha tido uma posse tão bonita, tão alegre, como a posse do dia 1º, que eu jamais imaginei que poderia ter acontecido aquilo, jamais. Ou seja, aquilo só aconteceu porque as pessoas que tinham que tomar conta quiseram que acontecesse. É inegável, é inegável que o Exército poderia permitir tanta gente gritando por golpe durante meses na porta do quartel.

[Kennedy Alencar]: O senhor tem claro hoje que foi tentativa de golpe?

[Presidente Lula]: Acho que foi tentativa de golpe. Acho desde o primeiro dia. Foi tentativa de golpe.

[Kennedy Alencar]: E se tivesse assinado a GLO, o golpe se consumiria?

[Presidente Lula]: Olha, eu não sei se iria se consumar, mas o dado concreto é: quando me falaram de GLO, eu falei: "Não tem GLO!". Sabe? Esse país, eu ganhei as eleições, eu sou o comandante dele, a gente vai acabar com esse negócio utilizando outras regras, e veio a ideia de fazer a intervenção aqui em Brasília, e fazer intervenção na polícia aqui de Brasília, na Secretaria de Segurança, e nós conseguimos controlar as coisas e colocar as coisas em ordem.

Eu acho... eu não posso afirmar que as Forças Armadas estavam favoráveis a isso. Eu posso te garantir que tem gente que não estava, mas eu posso te garantir que tinha muita gente que estava, porque não é possível. Houve tempo em que a gente não podia pisar na grama na frente de um quartel que estava escrito lá, sabe? "Proibido: área militar". E, de repente, deixar pessoas ficarem militando um golpe durante meses na porta do quartel, sabe?

E depois começaram a xingar os generais que não quiseram dar golpe, começaram a xingar os amigos, ou seja, essa é uma coisa que eu estou muito satisfeito com o general Tomás. Ele tem um discurso correto, que é, sabe, um discurso legalista. Está decidido na Constituição o papel das Forças Armadas, elas podem prestar um serviço extraordinário a esse país cumprindo aquilo que está na Constituição. E o que ele me disse textualmente foi o seguinte: "Presidente, nós vamos recuperar as Forças Armadas no cumprimento daquilo que é afirmado pela nossa Constituição", e é assim que eu quero.

[Kennedy Alencar]: Presidente...

[Presidente Lula]: Ou seja, eu prefiro que o nosso Exército volte a ser o Exército de Caxias do que ser o Exército de Bolsonaro. É isso que eu quero, no fundo.

[Kennedy Alencar]: Presidente, estamos chegando aqui na reta final, eu queria perguntar para o senhor se o senhor pode considerar ainda a possibilidade de disputar a reeleição em 2026 ou se o senhor descarta completamente, se é algo 100% resolvido na sua cabeça?

[Presidente Lula]: Essa pergunta, Kennedy, qualquer coisa que eu responder você não vai acreditar. Deixa eu te falar uma coisa: eu tenho consciência que somente a minha candidatura poderia derrotar o Bolsonaro. Tá? Eu tenho consciência. Não é nenhuma vaidade, não, é consciência de que, pelo legado que eu tinha, eu poderia ganhar essas eleições.

[Kennedy Alencar]: E se em 2026 for isso de novo?

[Presidente Lula]: Agora, o que eu acho é que a gente precisa construir novos candidatos em 2026. Nós temos gente extraordinária no governo, nós temos...

[Kennedy Alencar]: Mas eu estou entendendo, por essa resposta, que o senhor não descarta.

[Presidente Lula]: Não, veja, eu? Se eu puder afirmar para você agora, eu falo: eu não serei candidato em 2026. Eu vou estar com 81 anos de idade, sabe? Eu preciso aproveitar um pouco a minha vida, porque eu tenho 50 anos de vida política. Isso é o que eu posso te dizer agora. Sabe? Agora, se chegar...

[Kennedy Alencar]: Política como nunca.

[Presidente Lula]: Não, se chegar no momento, sabe, e estiver uma situação delicada e eu estiver com saúde, porque também só posso ser candidato se eu estiver com saúde perfeita, sabe? Mas saúde perfeita com oitenta e pouco, 81 de idade, energia de 40 e tesão de 30, pronto, aí eu posso; se não? Sabe, nós temos gente extraordinária, nós temos vários governadores fantásticos que estão participando do governo.

Nós temos o Rui Costa, nós temos o Wellington, nós temos o Camilo, nós temos Flávio Dino, nós temos o Renanzinho, nós temos gente da maior qualidade, você não tem noção, e essa é a razão do meu sucesso, sabe? Que eu estou garantindo o nosso sucesso: é porque o pessoal é muito competente, o pessoal tem muita experiência, e todo mundo quer o que país volte a crescer, e todo mundo quer, sabe, se projetar nacionalmente, e vou contribuir para isso: eu vou contribuir para que surjam muitas e novas lideranças para que o Brasil nunca mais vote num psicopata para ser presidente do Brasil.

[Kennedy Alencar]: Qual é a diferença do Lula como presidente nesse terceiro mandato e do Lula que foi presidente no primeiro e segundo mandatos?

[Presidente Lula]: Olha, eu me considero mais experiente, me considero mais conhecedor da máquina. Você não sabe o que é desmontar uma máquina montada pelo Bolsonaro, porque ele tem gente em tudo, sabe, que é repartição pública, entranhado, sabe? Aqui e lá fora.

Tem gente trabalhando lá fora, ganhando dinheiro, sabe, como se estivesse trabalhando aqui dentro, e não é embaixador, não é diplomata, não é representante, sabe?

É gente que está trabalhando lá fora porque foi trabalhar lá fora e ficou lá fora. Nós vamos, então, tentar fazer, sabe, uma coisa muito justa, não vamos perseguir ninguém, nós vamos apenas colocar as pessoas no seu devido lugar, sabe? Nós vamos tentar consertar. Eu tenho mais experiência, tenho mais experiência na parte econômica, tenho mais experiência na parte funcional no governo, sabe? Tenho mais experiência na ação política, sabe?

Eu voltei muito mais maduro na questão política, porque eu, desde o golpe da Dilma, eu fico pensando onde é que nós erramos, onde é que nós acertamos, e eu acho que um erro que a gente comete é a gente acreditar que é o Congresso que depende do governo. Não é o Congresso que depende do governo, é o governo que depende do Congresso.

Então, você cumprimentar um deputado, você cumprimentar um presidente da Câmara, você abraçar uma pessoa, você participar de uma festividade qualquer faz parte da boa relação política que a gente tem que construir.

Você vai ter gente que vai ser inimiga a vida inteira, você vai ter gente que vai ser amiga a vida inteira e você tem uma maioria de pessoas que são pessoas que pensam diferente de você, mas que estão dispostas a votar num projeto que seja interessante para o Brasil. É com essas pessoas que a gente pretende contar para a gente aprovar tudo que nós precisamos aprovar nesse país.

Então eu sou diferente nisso, com as experiências, barba branca, menos cabelo do que eu tinha. Então, isso serviu para que eu fosse mais experiente, mas continuo com a energia de 30.

[Kennedy Alencar]: Presidente, chegamos aqui no final. Tem um pinga-fogo. Eu já fiz vários com senhor nas nossas entrevistas, esse é um pouco diferente. Eu queria o que senhor dissesse, muito sucintamente, em uma ou duas palavras, como o senhor pegou uma área do governo e como o senhor pretende que esteja daqui a quatro anos, como o senhor gostaria que ficasse. Economia?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Olha, economia estava praticamente destruída. Nós vamos reconstruir a economia.

[Kennedy Alencar]: Saúde?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Isso é um desastre. Vamos fazer com que a saúde volte a funcionar, sobretudo para o povo mais pobre.

[Kennedy Alencar]: Educação?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Essa é outra coisa que eles conseguiram estragar, ou seja, ensino técnico, ciência e tecnologia, nós vamos efetivamente voltar a acreditar na alfabetização na idade certa, fazer escola de tempo integral para esse país voltar a acreditar no seu futuro.

[Kennedy Alencar]: Cultura.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Cultura você sabe que estava totalmente destruída. Nós vamos reconstruir com a nossa querida Margareth Menezes. Tem muita gente boa, e nós vamos fazer desse país um país da cultura. Eu quero criar comitês culturais em todas as capitais do país. Para que a cultura não seja uma coisa do governo, seja uma coisa da sociedade.

[Kennedy Alencar]: Meio ambiente?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Essa é outra coisa prioridade. Não sei dizer como encontramos o Brasil. Sabe, não sei, o ex-presidente não cuidou nada, pelo contrário, ele incentivou o desmatamento, a queimada, o garimpo, a madeireira ilegal, tudo isso vamos corrigir.

[Kennedy Alencar]: Direitos Humanos.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: É outra coisa que vamos votar, e eu coloquei uma pessoa extraordinária, que é o Sílvio Almeida. Nós vamos tentar fazer com que a gente tenha menos violência nesse país, e, por isso, tem uma coisa sagrada, não é só polícia, é o Estado tem que estar presente nas comunidades. Se o Estado não estiver presente com escola, com lazer, com cultura, sabe? O Estado não vai cuidar do nosso povo com carinho.

[Kennedy Alencar]: Mulheres.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Essa é uma tarefa que eu tenho uma mente brilhante, que é a Janja. Ela se preocupa muito com isso. Eu tenho certeza que nós vamos fazer o Brasil ser respeitado no mundo inteiro. Além do trabalho que já fizemos no governo do PT, eu tenho certeza que a gente vai fazer muito mais em defesa da mulher.

Não só da violência contra mulher, mas a gente vai fazer mais naquela coisa da contribuição, trabalho igual, salário igual entre mulher e homem.

[Kennedy Alencar]: Políticas para negros.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Nós colocamos um Ministério da Igualdade Racial, uma pessoa fantástica, a irmã da Marielle, e acho que vamos fazer com que a questão racial seja diminuída nesse país, e aí temos que apostar muito na educação das nossas crianças.

Quando eu era presidente, a gente tentou colocar História Africana no Ensino Fundamental, que era para as crianças compreenderem como surgiram os escravos no Brasil, isso vai voltar.

[Kennedy Alencar]: Indígenas.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu sinceramente conheço muitas etnias, já visitei muitas aldeias, mas eu nunca imaginei que esse genocida tivesse permitido a destruição de um povo como ele permitiu a destruição dos yanomami. Ver aquelas crianças como eu vi, com o braço da grossura do meu dedo, aquelas crianças com fome.

Aquele povo comendo comida que não gosta, porque não respeita os hábitos alimentares deles? Não adianta mandar sardinha em lata para os caras, não adianta mandar macarrão, eles não comem. Eles querem comer outra coisa. Então nós vamos recuperar o povo indígena no Brasil, vamos visitar muitas aldeias. A nossa ministra Sônia Guajajara vai ter que viajar o Brasil inteiro. Eu quero um relatório perfeito de cada etnia, porque a gente vai definitivamente dar cidadania ao povo indígena no Brasil.

[Kennedy Alencar]: LGBTQIA+?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: A mesma coisa, a mesma coisa. Não é possível que esse país seja tão preconceituoso. Ontem até elogiei a Suprema Corte por ter aprovado a união civil, ou seja, porque é uma coisa que nós temos que entender a normalidade da opção do ser humano. O ser humano é o que ele quiser ser, ele faz o que ele quiser fazer, desde que ele respeite o direito dos outros, é simples e acabar com esse preconceito.

E eu, sinceramente, quero acabar com isso, ou seja, nós queremos que esse pessoal seja tratado da mesma forma que eu quero ser tratado, que você quer ser tratado, com respeito!

Porque na hora que ele paga o Imposto de Renda, ninguém quer tratar ele diferente. Na hora do voto, ninguém trata ele diferente. Por que na relação humana trata ele diferente? Por isso é que nós vamos punir severamente as pessoas que façam qualquer preconceito contra qualquer tipo de pessoa.

[Kennedy Alencar]: Presidente, agradeço muito a entrevista que o senhor deu aqui para mim e para a Rede TV. Muito obrigado.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Kennedy, eu só lamento que o tempo seja muito curto. Ou seja, quando a gente começa gostar de entrevista, ela acaba.

[Kennedy Alencar]: Vamos marcar outra.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu espero que a gente marque outra.

[Kennedy Alencar]: Um abraço, obrigado. Boa sorte no trabalho.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu desejo boa sorte a você nessa nova empreitada sua.

[Kennedy Alencar]: Obrigado. Valeu! Boa noite para o senhor. Obrigado.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Obrigado.

[Kennedy Alencar]: Notícias fica por aqui. Um abraço, boa noite, até a próxima!