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Como erros em série e negligência inutilizaram plano para impedir 8/1

8.jan.2023 - Golpistas bolsonaristas invadem o Congresso Nacional, em Brasília (DF) - Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
8.jan.2023 - Golpistas bolsonaristas invadem o Congresso Nacional, em Brasília (DF) Imagem: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

25/02/2023 04h00

As cenas de invasão e destruição na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro só foram possíveis porque, 48 horas antes, uma série de erros e indícios de negligência inutilizaram um plano para proteger os prédios públicos elaborado pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Distrito Federal.

Documentos mostram que a estratégia para conter os manifestantes circulou com atraso entre instâncias com papel decisivo no policiamento de Brasília. Aprovado às 15h28 de sexta-feira (6) pelo então secretário Anderson Torres, que está preso por ordem do Supremo Tribunal Federal, o plano não chegou aos PMs antes do fim da tarde daquele dia.

Além disso, autoridades não responderam adequadamente a informações de inteligência disponíveis ainda na sexta-feira (6), que já indicavam o risco de tentativa de tomada do poder.

Plano foi enviado com atraso a PMs

A sequência de erros começa na sexta-feira (6), quando o atraso no envio de um documento crucial dispara uma série de problemas.

Naquele dia, o planejamento de segurança do Distrito Federal para os dias 7 e 8 ficou pronto às 14h11 na SSP. Ele previa ações de policiamento ostensivo, bloqueio do acesso de pessoas e veículos à Praça dos Três Poderes e outros protocolos para os atos do fim de semana.

As medidas previstas pelo plano foram definidas após uma reunião que começou às 10h e reuniu representantes da Secretaria de Segurança, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e outros órgãos.

Àquela altura, as informações de inteligência não garantiam que os protestos fossem acontecer e a expectativa era de que os eventos tivessem "baixa adesão".

Em um ofício do dia 13 de janeiro, o coronel Adriano Henriques, chefe do 1º Comando de Policiamento Regional, informa que, até 13h de sexta-feira (6), o planejamento para o fim de semana não havia sido encaminhado oficialmente à sua unidade, responsável pelos batalhões que patrulham a região da Esplanada.

Segundo ele, o documento só chegou às 17h52 daquele dia, após o fim do expediente.

Especialistas destacam o descompasso entre os vários órgãos ligados à segurança:

"Só o atraso no envio do planejamento não seria suficiente para causar todo o transtorno que houve"

José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo

"Se a inteligência não detectou o que ia acontecer, errou. Se o plano de segurança era tão importante, foi encaminhado de forma equivocada. Se tudo isso foi feito, quem recebeu os dados não atentou para os problemas e não se preparou. O fato é que você teria tempo para agir. Hoje, há várias ferramentas que permitem um contato ágil"

Robson Rodrigues, antropólogo e ex-Chefe do Estado Maior Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

Torres viajou aos EUA com risco de invasão a Congresso já identificado

O atraso no envio do plano não foi a única falha das autoridades na sexta-feira (6).

Na noite da mesma sexta-feira, quando as informações de inteligência já identificavam o risco de invasão do Congresso, o então secretário de Segurança viajou para Orlando, nos Estados Unidos - onde já se encontrava o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Torres, um delegado do PF que havia sido ministro da Justiça de Bolsonaro até dezembro de 2022, antecipou as próprias férias já na nova função de chefe da segurança do DF, já que só estaria oficialmente dispensado a partir da segunda-feira seguinte, dia 9.

Em 14 de janeiro, ele foi preso no Aeroporto de Brasília, quando chegava dos EUA, por suspeita de envolvimento nos atos golpistas do dia 8. A prisão foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal.

Ainda na sexta-feira (6), um relatório produzido pela Subsecretaria de Inteligência da SSP já citava o deslocamento de caravanas até Brasília e o risco de vandalismo nos protestos marcados para aquele fim de semana:

"As divulgações apresentam-se de forma alarmante, dada a afirmação de que a 'tomada de poder' ocorreria, principalmente com a invasão ao Congresso Nacional. (...) Há orientação de que os participantes sejam adultos em boa condição física, sendo vedado a participação de crianças e daqueles que apresentam dificuldade de locomoção"

Trechos do Relatório de Inteligência Nº 6, da Subsecretaria de Inteligência da SSPMensagens do governador destoam de preocupação da polícia com atos

Além dos erros nos momentos iniciais, os documentos revelam indícios de negligência por parte de autoridades nas horas que antecederam os atos de vandalismo.

Diante das informações de inteligência que apontavam movimento acima da média nos atos do fim de semana, o coronel Bilmar Angelis, subcomandante geral da Polícia Militar, ordenou no sábado (7) que todo o efetivo da corporação estivesse de sobreaviso no dia seguinte.

Mesmo assim, o então governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) acalmou Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado, em mensagem enviada às 20h daquele dia.

"Não teremos problemas", afirmou ele sobre os protestos.

Às 11h21 de domingo (8), Ibaneis manteve o discurso em recado enviado ao ministro da Justiça, apesar da PM ter deixado de sobreaviso o efetivo. O governador encaminhou a Flávio Dino um áudio no qual Fernando Sousa, então secretário-executivo de segurança de Brasília, informava que a situação estava "tranquila" no Distrito Federal.

Sousa estava à frente do policiamento em Brasília, já que Torres se encontrava fora do país.

Os bolsonaristas partiram do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em direção à Praça dos Três Poderes às 13h03 de domingo. Cerca de 1 hora e meia depois, romperam o bloqueio que protegia o Congresso Nacional e deram início à invasão do prédio.

Nas horas seguintes, os golpistas invadiram e destruíram o Palácio do Planalto e a sede do Supremo.

A presidente do STF, a ministra Rosa Weber, escreveu para Ibaneis às 16h25: "Já entraram no Congresso."

O governador respondeu por mensagem: "Coloquei todas as forças de segurança nas ruas.".

De fato, o efetivo de sobreaviso foi acionado às 15h para tentar debelar o vandalismo, mas isso não resolveu a situação de imediato.

Rocha foi mais enfático em uma mensagem enviada a Sousa às 16h39: "Tira esses vagabundos do Congresso e prenda o máximo possível".

Com as cenas de destruição se alastrando na Praça dos Três Poderes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto de intervenção na segurança pública de Brasília, passando o comando das polícias do DF para o Ministério da Justiça. A situação só foi totalmente controlada no início da noite, com Sousa fora do comando dos efetivos policiais. A intervenção federal durou 23 dias.

Na segunda-feira (9), por volta de 0h, o governador de Brasília foi afastado do cargo por 90 dias por decisão de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo. Ele foi acusado de "descaso e conivência" com os atos golpistas do dia 8 em Brasília.

Procurado pelo UOL, o governador Ibaneis Rocha não se manifestou sobre o caso. Em nota publicada nas redes sociais, ele afirma que as investigações em curso provarão sua inocência. "Não há nada que possa me ligar aos golpistas que atacaram os Três Poderes", diz ele no texto.

A SSP também não se manifestou até a publicação desta reportagem. Este texto será atualizado assim que o órgão enviar um retorno.