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Sob governo do PT, Ibama adia restrição à exportação de madeira nativa

Pedro Canário

Do UOL, em São Paulo

08/04/2023 04h00

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) adiou de agosto deste ano para novembro de 2024 a entrada do ipê e do cumaru numa lista de madeiras com restrição adicional para exportação.

É a Licença Cites (Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção). Em seus dois anexos, a Cites diz quais são as espécies de animais e plantas cuja importação e exportação é proibida e quais têm comercialização restrita e precisam de licença especial. O Anexo II, onde o ipê e o cumaru foram incluídos, trata das espécies de venda controlada.

  • O QUE É A CITES: Cites é uma convenção internacional da qual 184 países fazem parte - o Brasil é signatário desde 1975. As madeiras entraram na lista em novembro de 2022, por decisão da Convenção das Partes (COP) da Cites. A exigência da Licença Cites passa a ser obrigatória em novembro de 2024.

Em 1º de fevereiro deste ano, o Ibama publicou uma instrução normativa determinando que a licença fosse exigida a partir de agosto deste ano. A norma foi assinada em dezembro de 2022, ainda no governo Bolsonaro.

A ideia era se antecipar à Cites para evitar que a iminência da regra levasse a uma corrida pela extração das madeiras, espécies nativas da Amazônia de grande interesse internacional, segundo integrante da direção do Ibama da época que pediu para não ser identificado.

Em 7 de março deste ano, no entanto, outra instrução normativa, agora assinada pelo atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, adiou a exigência da Licença Cites para novembro de 2024, conforme o prazo máximo exigido pela Cites. Esticou o prazo em quase um ano e meio.

Liquidação de árvores de 200 anos

Segundo o delegado da PF (Polícia Federal) Alexandre Saraiva, a inclusão das madeiras no Anexo II da Cites "faz uma diferença imensa". "Sinaliza para o mercado consumidor, que agora vai saber que está comprando uma madeira ameaçada de extinção", diz. O adiamento, para ele, "é um absurdo".

Em entrevista ao UOL, Saraiva disse que "a ilegalidade do ipê é gritante". "Estamos vendendo uma árvore que dura mais de 200 anos para se desenvolver a preço de pinus nos Estados Unidos e de eucalipto na Europa - madeiras brancas que amadurecem em cinco anos."

O delegado se refere ao preço no mercado paralelo. Legalmente, o metro cúbico de madeira serrada de ipê custa cerca de US$ 500 no mercado interno e US$ 3.000 para exportação nos portos de Belém e de Paranaguá. Já transformado em tábuas para uso em decks, o ipê sai do Brasil custando US$ 5.200 por metro cúbico, segundo a ITTO (International Tropical Timber Organization, ou organização internacional da madeira tropical), que faz relatórios quinzenais sobre o mercado de madeiras tropicais. Já o pinus sai do Brasil por US$ 185 o metro cúbico.

Saraiva foi candidato a deputado pelo PSB do Rio de Janeiro, mas não foi eleito. Como delegado, foi superintendente da PF no Amazonas e responsável pela investigação que resultou na apreensão de 131 mil metros cúbicos de toras de madeira extraídos ilegalmente em 2020, a maior apreensão de madeira da história da região.

A operação se chamava Handroanthus, o nome científico da espécie do ipê, pôs o delegado em confronto com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (hoje deputado federal pelo PL/SP).

Ipê processado para a exportação vale 10 vezes mais que no mercado interno - Carol Malavolta/UOL - Carol Malavolta/UOL
Imagem: Carol Malavolta/UOL

Lobby da indústria antecedeu decisão do Ibama

Uma semana antes da mudança, em 1º de março de 2023, o gabinete do presidente do Ibama recebeu uma carta da CNI (Confederação Nacional da Indústria) pedindo o adiamento da exigência da licença.

"A partir do momento em que há uma licença Cites para determinada espécie, essa perde valor de mercado pela queda drástica no interesse comercial", disse a CNI, em carta ao Ibama assinada por Davi Bomtempo, gerente executivo de meio ambiente e sustentabilidade da entidade.

"Em outras palavras, ninguém quer adquirir madeira de espécies constantes na Cites", concluiu o executivo, no ofício, ao qual o UOL teve acesso.

Procurada pela reportagem, a CNI disse que a exigência da Licença Cites vai causar "prejuízo à comercialização" das madeiras. Mas garante que o adiamento não vai causar uma corrida pela madeira, já que a exportação de espécies nativas só acontece por meio de acordo entre o país vendedor e o país comprador. Atualmente, apenas o cedro e o mogno exigem a Licença Cites.

"Com a entrada das duas novas espécies, o volume de pedidos aumenta exponencialmente, já que essas são algumas das espécies nativas brasileiras mais comercializadas internacionalmente. Consequentemente, o tempo de análise dos pedidos de licença e a demora na liberação das cargas também tende a aumentar na mesma proporção, o que causaria atrasos, cargas paradas e prejuízo à comercialização", disse a entidade, em nota.

Ibama nega ter cedido a lobby

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, nega que tenha adiado a exigência da Licença Cites a pedido da CNI, embora confirme ter sido procurado pela entidade. Segundo ele, a instrução normativa de seu antecessor no comando do Ibama, Eduardo Bim, "estava errada".

"A CNI, obviamente, reagiu", analisa Agostinho. "O setor empresarial que trabalha com madeira veio atrás do Ibama, mas a nova instrução normativa não foi nem um pouco motivada por pedido do setor empresarial. Foi reconhecido que houve uma falha", afirmou, em entrevista ao UOL.

Segundo ele, "na convenção da Cites, ficou decidido que a licença entraria em vigor em dois anos. Só que, no final do ano passado, o governo Bolsonaro publicou um monte de coisa que já estava em andamento, inclusive essa instrução normativa sobre a Cites, que não observava o prazo que foi negociado na convenção. A IN saiu com prazo errado, obrigando a gente a corrigir".

Agostinho garante que não foi um adiamento da exigência da licença, "longe disso". "Eu adoraria proibir agora, porque a exploração do ipê já é predatória faz bastante tempo, mas nesse caso a gente foi obrigado a corrigir."

O presidente do Ibama afirma que a justificativa de que a regra com prazo menor foi editada para evitar uma corrida pelas madeiras "não faz sentido". Em casos de comércio internacional, diz ele, "vale o que está no acordo".

"A norma do Ibama não resolveria isso [a corrida pela madeira]. Acordos internacionais têm força de lei no Brasil, e instruções normativas, não. Elas apenas regulamentam a aplicação de leis. Portanto, a instrução normativa não poderia ter um prazo menor do que o acordo internacional", afirma.

Erro nenhum

Presidente do Ibama até dezembro de 2022 e responsável pela instrução normativa com prazo menor, Eduardo Bim contesta a explicação de Agostinho. "Não tem erro nenhum", diz ele, ao UOL.

"A gente pode colocar um regime mais restritivo e exigir a Licença Cites antes de ela entrar em vigor, problema zero com isso. A convenção deu um prazo de dois anos para exigir, mas isso não significa que a gente não possa exigir antes", afirma.

De fato, em 12 de janeiro deste ano, a notificação da Cites aos países signatários diz que a exigência da licença para o ipê teve a "entrada em vigor postergada em 24 meses, ou seja, até 25 de novembro de 2024".

Quem ganha e quem perde na briga do ipê - Carol Malavolta/UOL - Carol Malavolta/UOL
Imagem: Carol Malavolta/UOL

Pará é o maior vendedor e EUA são principal destino para ipê

A inclusão do ipê e do cumaru no Anexo II da Cites atendeu a pedido conjunto da Colômbia, do Panamá e da União Europeia. Na petição, os países dizem que as espécies são objeto de grande interesse internacional. Especialmente o ipê, cuja madeira densa e dura é usada para fazer decks, pisos, móveis, cercas, muros e até para estruturas em construções, segundo o pedido.

De acordo com a proposta dos países à Cites, 469,6 mil metros cúbicos de ipê da Amazônia foram exportados legalmente entre 2017 e 2021, dos quais 96% saíram do Brasil.

Nesse período, o consumo internacional do ipê do Brasil cresceu 126%, conforme estudo baseado em dados do Ibama e citado no pedido.
Os Estados Unidos são o maior mercado para o ipê da Amazônia, respondendo por 36% das compras, sempre conforme a proposta enviada à Cites.

O Pará é o maior exportador de madeiras nativas do Brasil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Foram 212 mil metros cúbicos de madeira natural entre 2020 e 2021, dos quais 4% foram ipê, segundo reportagem do jornal paraense O Liberal.

O mercado ilegal também é aquecido: em 2016, operação do Ibama apreendeu 350 metros cúbicos de ipê oriundos de um esquema ilegal de extração e venda de madeira. A carga encheu 18 caminhões e foi avaliada em US$ 567 mil na época.

Entre 2016 e 2017, 10,1 mil metros cúbicos de ipê com "indícios de ilegalidade" foram comprados por 37 países. No mesmo período, 11 países da União Europeia, entre eles França, Portugal, Bélgica e Holanda, confessaram ter importado 9,7 mil metros cúbicos de ipê com "alguma forma de origem ilegal", conforme relatório do Greenpeace citado no pedido dos países.

Em 2018, 473 metros cúbicos de ipê sem origem comprovada foram apreendidos numa operação da PF (Polícia Federal) com o Ibama que interceptou 400 contêineres com madeira da Amazônia.

Na avaliação dos países signatários do pedido de inclusão do ipê na Cites, o "alto valor de exportação" da madeira dá aos madeireiros "não apenas motivação para construir estradas ilegais, aumentando a degradação florestal e a destruição da biodiversidade, mas também para obter documentos oficiais por meio de relatórios fraudulentos de estoques" para lavar a madeira extraída ilegalmente e conseguir vendê-la depois.

Impacto econômico

Para Marco Lentini, especialista florestal sênior da Imaflora, a inclusão das madeiras no Anexo II da Cites é importante para atenuar o risco de que essas espécies entrem em extinção. "Mas é um adicional, não existe resposta simples para esse problema", diz ele, ao UOL.

"Se a gente fosse purista, diria que, sim, entrar na Cites é bom, mostra que é um produto que tem que ter mais cuidado. Mas, ao mesmo tempo, isso afasta o consumidor. Quando o consumidor vê que uma madeira está na lista da Cites, ele entende que não é para comprar, e aí cabe aos empreendedores explicar que o Anexo II descreve as espécies ameaçadas de venda controlada, e não proibida", afirma.

No entendimento de Lentini, restrições ao comércio de recursos naturais podem "causar sanções maiores a quem é legal do que a quem é ilegal". "Se proibir, quem for dono de terra florestal vai desmatar para plantar soja, e quem estiver na ilegalidade vai continuar", diz.

Alexandre Saraiva discorda. "Qual é o impacto do ipê no PIB? É insignificante!", diz. Para ele, favorecer esses exportadores prejudica as empresas que preferem vender madeiras de plantio, como eucalipto ou pino, e que, aí, sim, têm "peso relevante" no PIB, segundo ele.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a extração de madeira faturou R$ 3,9 bilhões em 2021, alta de 26% em relação a 2020.

Nesse segmento, no entanto, o setor mais importante é o da exportação de madeira em toras para fabricação de papel e celulose, que faturou R$ 7,2 bilhões em 2021, ainda de acordo com o IBGE. O ipê e o cumaru não são usados para isso.