Bolsonaro fez 'flerte perigoso com o golpismo', diz relator do TSE
O ministro Benedito Gonçalves disse, durante julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) flertou com o golpismo em suas lives semanais e discursos proferidos durante seu mandato na presidência da República. O relator votou a favor da condenação do ex-presidente.
O que aconteceu
"Existe um flerte perigoso com o golpismo", disse o relator, citando "as falas feitas em discursos, não só coordenadas nas lives de 2021 e 2022".
"Essas falas vão sendo juntadas e sendo contextualizadas", afirmou o ministro. Esse é o principal argumento de seu voto na ação que pode tornar o ex-presidente inelegível por uma reunião com embaixadores em julho de 2022 para propagar inverdades sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral brasileiro.
Benedito apontou que Bolsonaro buscou "vitimizar-se e descredibilizar a competência" da Corte Eleitoral.
Além disso, falou que o então presidente "despejou sobre os embaixadores mentiras atrozes" sobre o processo eleitoral, "negando legitimidade a procedimentos democráticos que produziram resultados que o desagradaram", como a segurança do voto eletrônico.
"Difundiu ameaças veladas sobre a possível necessidade de sair" dos limites da Constituição, "criando falsa legitimação para eventuais pensamentos golpistas que se insinuassem".
O relator também citou a minuta de teor golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres: "O ministro de Estado e Justiça deveria ter outro cuidado". Benedito afirmou que esse documento era "golpista em sua essência e perigosamente compatível com a lógica defendida [por Bolsonaro] na reunião com embaixadores".
Ele ressaltou não haver dúvidas de que Bolsonaro "difundiu informações falsas a respeito do sistema eletrônico de votação direcionado a convencer que havia grave risco de que as eleições de 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória do candidato adversário."
Golpista em sua essência e perigosamente compatível com a lógica defendida pelo primeiro investigado."
Benedito Gonçalves sobre Jair Bolsonaro
Como está o julgamento
Em suas falas iniciais, Benedito Gonçalves defendeu a inclusão da minuta golpista no caso em julgamento e, em seguida, passou ao mérito do caso em si, que foi a reunião do então presidente com embaixadores para atacar o sistema eleitoral brasileiro.
O relator rechaçou a tese da defesa de que o evento não poderia ser considerado eleitoral por não ter ocorrido pedido de voto ou ter sido feito a eleitores em potenciais — uma vez que os diplomatas não votam nas eleições.
O ministro apontou que o evento foi transmitido pela TV Brasil, fato que "potencializou" a disseminação das inverdades proferidas por Jair Bolsonaro naquele evento. "O caráter eleitoreiro é apontado com a conexão da fala do primeiro investigado e sua estratégia à campanha à reeleição", afirmou.
Gonçalves também afirmou que houve "caráter eleitoreiro" naquela reunião, além do uso da máquina pública em benefício do então presidente e candidato à reeleição.
Em outro ponto, Benedito ressaltou que o ex-presidente confundiu seu papel constitucional de chefe das Forças Armadas e portou-se como um "militar à frente das tropas" naquele encontro.
O ministro citou as lives realizadas por Bolsonaro em 2021 e em 2022, e ponderou que "existe um flerte perigoso com o golpismo" no conteúdo dessas gravações.
Para Benedito, essas lives com ataques às urnas eletrônicas e a propagação de inverdades coaduna com a minuta golpista, de modo que tudo é parte de um mesmo contexto de caráter antidemocrático.
Por fim, o relator proferiu seu voto em favor da condenação de Jair Bolsonaro, mas defendeu que o candidato a vice na chapa com ele, Walter Braga Netto, seja inocentado.
Após a leitura, a sessão foi suspensa e será retomada na próxima quinta-feira (29), com o voto do ministro Raul Araújo — recentemente, Bolsonaro expressou desejo de que Araújo peça vista, o que suspenderia o julgamento.
Principais pontos destacados pelo relator em seu voto:
- Manutenção da minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres;
- Rejeitou comparação do caso analisado hoje com o da chapa Dilma-Temer, julgado pelo TSE em 2017;
- Rechaçou a tese de que o evento realizado por Bolsonaro com embaixadores não teve caráter eleitoral;
- Apontou 'falsa simetria' ao comparar a reunião então presidente do TSE, Edson Fachin, com diplomatas em maio de 2022, e o encontro de Bolsonaro com representantes internacionais em julho do mesmo ano;
- Afirmou que Bolsonaro foi pessoalmente responsável pela reunião com os embaixadores;
- Disse que Bolsonaro "distorceu" sua competência como líder das Forças Armadas ao portar-se como "militar em exercício à frente das tropas.
O que Gonçalves disse sobre Bolsonaro ao votar por sua condenação:
O relator destacou que Bolsonaro buscou se "vitimizar" e "descredibilizar" a competência do corpo técnico e a lisura dos ministros do TSE para levar a atuação da Corte eleitoral "ao absoluto descrédito internacional".
Pontuou que o ex-presidente despejou sobre os embaixadores "mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira", e contestou perante a comunidade internacional as decisões do STF e do Congresso que culminaram na rejeição do voto impresso, "negando legitimidade a procedimentos democráticos que produziram resultados que o desagradaram".
Que Bolsonaro "difundiu ameaças veladas sobre a possível necessidade de sair das quatro linhas da Constituição tendo em vista a rejeição da proposta de voto impresso e de parte das sugestões das Forças Armadas na comissão de transparência, criando falsa legitimação para eventuais pensamentos golpistas que se insinuassem".
O relator afirmou que "a discrepância entre as declarações feitas por Bolsonaro e a realidade não constitui mera imprecisão ou equívoco, mas manipulação de sentidos, conduzida com método para fins de manter suas bases políticas mobilizadas por elementos passionais a serem explorados para fins eleitorais".
Ele também disse que Bolsonaro "desprezou informações disponibilizadas pelo TSE" e que na reunião com embaixadores o então presidente "repetiu as mesmas declarações falsas que vivia repetindo".
Entenda o trâmite do julgamento
A primeira fase, da leitura do relatório e do parecer, foi concluída na semana passada.
Segunda etapa: a leitura do voto de Benedito Gonçalves. O relator também pode abordar questões preliminares, que envolvem o andamento do processo, caso o tema tenha sido abordado por uma das partes.
Benedito Gonçalves informou que fez um resumo do relatório para dar celeridade ao julgamento.
Depois de Benedito, a ordem de votação é a seguinte: Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE.
Qualquer ministro pode pedir vista e suspender o julgamento. Se isso ocorrer, o caso deve ser devolvido em até 60 dias para retomada da discussão.
*Participam da cobertura
Do UOL, em Brasília: Paulo Roberto Netto
Do UOL, em São Paulo: Ana Paula Bimbati, Beatriz Gomes, Fabíola Perez, Isabella Cavalcante e Tiago Minervino
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