STF tem maioria para obrigar governo a elaborar plano para melhorar prisões
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria hoje (3) para declarar o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro e exigir do governo federal a elaboração de um plano para melhorar a situação das unidades prisionais.
Entenda o julgamento
A ação foi movida pelo PSOL e cobra o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional. O termo é usado para definir uma situação de massiva e generalizada violação de direitos em determinada área.
Até o momento nove ministros votaram: o relator Marco Aurélio Mello (já aposentado), Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Todos defendem a necessidade de um plano nacional para rever a situação (veja as medidas abaixo).
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O ministro Gilmar Mendes, decano do tribunal, não conseguiu participar da sessão e votará amanhã (4). Como Marco Aurélio votou antes de se aposentar, André Mendonça não votou neste julgamento.
Este foi o primeiro voto de Barroso após assumir o comando do STF, na última quinta (28). O ministro havia dito em entrevista que o tema prisional seria o primeiro caso que levaria a julgamento.
Em 2021, Marco Aurélio votou para reconhecer a situação precária dos presídios do país, afirmando que a situação não envolve apenas uma ou outra unidade prisional, mas todo o sistema brasileiro.
"A conclusão é única: nas penitenciárias do país, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais no tocante à dignidade e à integridade física e psíquica das pessoas sob custódia. Há falência estrutural de políticas públicas", escreveu Marco Aurélio Mello, em voto.
Hoje (3), Barroso retomou a votação e seguiu o colega para fixar necessidades de mudanças no sistema carcerário. O ministro fez um panorama da situação atual nos presídios, apontando que a taxa de superlotação média é de 136% no Brasil, mas que isso oculta disparidades regionais graves, com presídios com taxas de ocupação de 2.681%.
"A superlotação compromete todos os demais serviços prestados aos presos. Há relatos de prisões que não distribuem sequer um rolo de papel higiênico por cada preso. Em outras, distribuição de um kit de higiene a cada 20 meses", disse Barroso.
Basta parar um instantinho e imaginar a vida sem papel higiênico e sem poder escovar os dentes.
Luís Roberto Barroso, presidente do STF
O ministro também reforçou que a maior parte da população carcerária é jovem, negra e pobre, com presos tratados de forma desumana, o que dificulta a sua reinserção à sociedade e facilita a reincidência.
"Tais prisões poderiam ser substituídas por medidas alternativas, como prisão domiciliar e tornozeleira eletrônica, evitando o contato com presos perigosos e facções criminosas", disse Barroso, que reforçou que parte da crise com organizações criminosas deriva justamente da atuação dos grupos dentro dos presídios.
Não basta aumentar vagas. É preciso não ter a ilusão de que a solução para o sistema carcerário é aumentar infinitamente o número de vagas. Em muitas situações, será preciso aumentá-las, mas é preciso conjugar com outras políticas públicas e outra visão de qual seja o problema. O sistema penal prende quando não há necessidade e mantém pessoas presas para além do tempo de condenação.
Luís Roberto Barroso, presidente do STF
Os demais ministros acompanharam as posições de Barroso e Marco Aurélio na sequência.
Moraes sugeriu que o CNJ editasse uma resolução para reduzir a desproporcionalidade entre as varas criminais e de execução penal. Estas últimas são responsáveis por lidar com o cumprimento das penas.
"É desproporcional o número de varas criminais e daqueles que atuam nas varas de execuções penais, que acaba sendo delegada ao segundo plano. E isso é péssimo. Enquanto não equilibrarmos um pouco não será possível controlar a entrada e saída (de presos)", disse.
Quais medidas devem ser adotadas:
O governo federal deverá elaborar um plano nacional para superar o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário em até três anos. Pelo voto de Marco Aurélio, o plano deverá levar em consideração balizas como:
- Redução da superlotação nos presídios;
- Diminuição do número de presos provisórios;
- Adequação das instalações dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros normativos em aspectos como espaço mínimo, lotação máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança;
- Separação dos custodiados a partir de critérios como gênero, idade, situação processual e natureza do crime;
- Garantia de assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à Justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e remunerado;
- Contratação e capacitação de pessoal para atuação nas instituições prisionais;
- Eliminação da tortura, maus-tratos e aplicação de penalidades sem o devido processo legal;
- Tratamento adequado a grupos vulneráveis, como mulheres e população LGBT.
Os ministros divergiram apenas no prazo para a apresentação de um plano. Marco Aurélio defendeu três meses de prazo, enquanto Barroso propôs seis meses e foi acompanhado pelos colegas.
Barroso defendeu ainda que o plano nacional seja elaborado em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)
Para Barroso, o plano elaborado pelo governo federal deverá ser homologado pelo STF e caberá ao CNJ fiscalizar o seu cumprimento, divergindo de Marco Aurélio neste ponto.
Estados e municípios devem elaborar planos semelhantes, seguindo as mesmas balizas, para solucionar a crise em até dois anos.
Juízes e tribunais deverão informar o motivo da prisão provisória em vez de medidas cautelares alternativas, além de terem que considerar o "quadro dramático" do sistema penitenciário na aplicação da pena e durante o processo de execução penal.
A União deve liberar o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional e diz que o governo deve se abster de fazer novos contingenciamentos.