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Jogo de empurra e inação de Câmara e STF facilitam fake news e afetam RS

12.mai.2024 - Bombeiros resgatam moradores com barcos em São Leopoldo, Rio Grande do Sul Imagem: NELSON ALMEIDA/AFP

Do UOL, em Brasília

15/05/2024 04h00

O projeto de lei na Câmara e as ações no STF (Supremo Tribunal Federal) que tratam sobre desinformação estão parados há cerca de um ano. Esse quadro acontece enquanto fake news têm sido disseminadas durante a catástrofe climática no Rio Grande do Sul.

O que aconteceu

À medida que as enchentes no RS aumentavam, cresceram nas redes sociais os ataques ao governo e às Forças Armadas. O ministro José Múcio (Defesa) disse que a disseminação de notícias falsas atrapalhou o trabalho dos militares no Sul. Levantamento feito pela consultoria Quaest mostrou que 70% das menções ao Exército nas redes sociais entre os dias 3 e 10 de maio foram negativas.

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A desinformação furou a bolha das redes e chegou ao Congresso. No sábado (11), o UOL Confere mostrou que sete deputados usaram seu tempo no plenário da Câmara para propagar desinformação.

Mas a disseminação de desinformação teve contribuição de um jogo de empurra entre Legislativo e Judiciário. A disputa entre os Poderes sobre a competência de legislar acabou interferindo no andamento de projetos e ações que envolvem fake news, adiando qualquer resolução sobre os limites e punições para disseminadores de notícias falsas.

Congresso não legislou sobre fake news

A Câmara enterrou o PL das fake news. Durante meses, a Câmara dos Deputados debateu um projeto de lei para regular fake news nas redes sociais. A urgência do texto relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP) foi aprovada em maio do ano passado, mas a proposta nunca foi pautada no plenário pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Cabe aos parlamentares criar leis para definir regras para regular as redes. Mas, até agora, eles se abstiveram de cumprir essa função e criticam as iniciativas do STF sobre o tema.

Em abril deste ano, o projeto sofreu nova derrota após a disputa entre Elon Musk e Alexandre de Moraes. Com a ofensiva do empresário, dono do X (antigo Twitter), contra o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com acusações de censura, parlamentares governistas entenderam que seria a hora de retomar o projeto. Já os partidos de oposição se viram fortalecidos por Musk.

Para uma ala do Congresso, a saída seria criar um novo projeto. O presidente Arthur Lira pediu que os líderes indiquem integrantes para um grupo de trabalho (GT) que vai discutir um novo projeto. Por enquanto, apenas PT, PSD, Republicanos, PP, Novo, MDB, PSB e PL escolheram os seus representantes:

  • Jilmar Tatto (PT-SP);
  • Delegada Katarina (PSD-SE);
  • Márcio Marinho (Republicanos-BA);
  • Ana Paula Leão (PP-MG) e Fausto Pinato (PP-SP);
  • Marcel van Hattem (Novo-RS);
  • Simone Marquetto (MDB-SP);
  • Lídice da Mata (PSB-BA);
  • Eli Borges (PL-TO) e Gustavo Gayer (PL-GO).

Mas os deputados não têm interesse em votar. Parlamentares do centrão e da direita dizem que criar regras para as redes sociais equivaleria a censurar o conteúdo. A avaliação é que com a criação do grupo de trabalho, a nova regulamentação terá que andar, e os deputados estão com a atenção voltada para a eleição municipal.

Enquanto não há uma posição sobre a regulamentação das redes, deputados da oposição e centrão reproduzem fake news no plenário. Um deles, o coronel Meira (PL-PE), apresentou um projeto de lei que criminaliza quem criar empecilhos para voluntários em situações de calamidade pública. Mas a proposta é embasada em informações falsas, como o impedimento e a cobrança de autorização das pessoas que tentarem acessar as regiões atingidas para auxiliar desabrigados. As informações já foram desmentidas pelo governo do RS.

Lira diz que PL foi enterrado porque seria derrotado

Ao UOL, o relator do PL das fake news admitiu que a falta de uma legislação efetiva facilita o trabalho de quem dissemina desinformação. "A inexistência de lei específica facilita a vida de quem vive do vale-tudo na política", disse Orlando Silva.

Os mesmos que vivem de atacar o STF e chegam a questionar a legalidade de decisões do Judiciário são os que obstruem a aprovação de uma lei que ofereça mais instrumentos para combater a desinformação.
deputado Orlando Silva (PCdoB-SP)

Já o presidente Arthur Lira disse que não colocou o PL de Silva em votação porque o texto seria derrotado. Afirmou ainda que se o grupo de trabalho de um novo projeto ainda não foi formado, os líderes é que devem ser cobrados.

Lira também falou que não tem como impedir deputados de eventualmente disseminarem informações falsas na tribuna.

O que é que eu vou falar? Eu vou impedir o parlamentar de falar na tribuna? Cada um é responsável pelo que diz e pelo que fala, mas a atividade parlamentar a gente precisa, de uma maneira ou de outra, com seus limites, ter um pouco de tolerância, porque aqui nem todos pensam da mesma forma, nem defendem os mesmo princípios, nem são dos mesmos grupos políticos, nem ideológicos. O meu papel aqui é sempre dar espaço para que o debate seja feito e minimizar as diferenças de gente que pensa diferente, que age diferente e trabalha diferente. Os extremos aqui são bem clarificados.
Arthur Lira, presidente da Câmara

STF se absteve de julgar ação

Dentro do STF, as ações também estão paradas. Novas regras para a internet poderiam ser definidas pelo Supremo em duas ações que questionam os limites do Marco Civil da Internet. Mas, para evitar conflitos entre os Poderes, os ministros têm postergado a análise .

A discussão na Corte é sobre a validade do artigo 19 do Marco Civil. Com a justificativa de "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", a norma define que as plataformas só podem ser responsabilizadas e retirar do ar conteúdos se não cumprirem decisão judicial de remover conteúdo específico.

O tema foi pautado em 2023 e adiado. O ministro Dias Toffoli pediu vista (mais tempo para analisar o caso). A ideia do ministro era dar tempo para o Congresso legislar sobre o assunto e, assim, evitar mais um conflito com o Legislativo.

Regulamentação do TSE já surtiu efeitos. Um dos exemplos da importância da regulamentação por parte dos órgãos competentes foi a resolução aprovada neste ano pelo TSE que prevê, dentre outras coisas, regras para impulsionamento de publicações com conteúdo político-eleitoral na pré-campanha e responsabilização das plataformas caso elas não adotem medidas para coibir a divulgação de conteúdos "notoriamente inverídicos". Em reação à resolução, o Google já anunciou que não permitirá mais anúncios políticos em sua plataforma.

Disputa entre Poderes

A disputa sobre legislação de fake news é só um capítulo dos embates entre Legislativo e Judiciário. Deputados e senadores têm diversos projetos para diminuir o alcance de decisões de magistrados, tais como: uma PEC que autoriza o Congresso a derrubar decisões do STF; uma que limita o uso de decisões monocráticas por parte dos ministros; uma para que medidas contra parlamentares só possam ser realizadas depois de autorização do Legislativo; e outra para estipular mandato fixo para os ministros.

STF controla investigações contra parlamentares. A caneta dos magistrados pode invalidar leis consideradas inconstitucionais. Mas ela tem um poder ainda mais cobiçado pelos congressistas: o de suspender investigações que atinjam a eles ou a pessoas de seus interesses. Essa conta entra no cálculo de deputados e senadores na hora de votar um projeto contra o Supremo.

O embate se arrasta há anos, mas ganhou novos contornos na atual legislatura. Boa parte das cadeiras é ocupada por políticos que se elegeram com críticas aos ministros da corte nas redes sociais, amplificando o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As prisões e condenações efetivadas após o 8 de janeiro e as medidas judiciais contra parlamentares bolsonaristas no início do ano aumentaram a temperatura contra as ações dos magistrados.

Fake news na mira da PF

A pedido do governo federal, a PF abriu inquérito para apurar fake news. Em meio à inação de Congresso e STF, o governo federal vem assumindo a dianteira e mandando investigar casos de fake news que possam prejudicar os resgates no Rio Grande do Sul, mas, de forma considerada polêmica, já que os pedidos têm mirado, sobretudo, desafetos do governo.

O ministro da Secom, Paulo Pimenta, solicitou na semana passada que o Ministério da Justiça determinasse a investigação de postagens de opositores. O pedido listava postagens do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), do senador Cleitinho (Republicanos-MG) e de influenciadores como Pablo Marçal. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou ofício à PF, que abriu a investigação.

PF é obrigada a atender pedido do ministro. Nestes casos, a PF tem que abrir a investigação solicitada pelo ministro da Justiça, o que não quer dizer necessariamente que a investigação vai se limitar aos nomes indicados por Paulo Pimenta. O caso foi distribuído para a ministra Cármen Lúcia e tramita sob sigilo na corte.

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