Tragédia no RS vira mote para cobrar 'agenda verde' do Congresso

Estado agrícola, de maioria bolsonarista e com 90% de suas cidades atingidas pela maior enchente da história. Na visão de parlamentares de esquerda, a cheia no Rio Grande do Sul tem fatos e contradições suficientes para diminuir a força da bancada ruralista.

O que aconteceu

Os parlamentares consideram que ficou difícil manter o discurso negacionista sobre mudanças climáticas. Para eles, está provado que o agronegócio desequilibra o meio ambiente, provoca enchentes e secas e as propostas defendidas pela bancada ruralistas são danosas.

O senador Paulo Paim (PT-RS) acredita que a consequência será sociedade pressionar pela pauta verde. Presidente de uma comissão que trata do socorro ao Rio Grande do Sul, o parlamentar vai reunir os projetos que tratam da questão climática.

Ele ressaltou que houve uma sucessão de cheias desde setembro do ano passado. "Acho que chega aqui (Senado) a pressão. A sociedade vai começar a se mobilizar vendo que aconteceu quatro vezes no Rio Grande do Sul. E vai começar a acontecer nos outros estados também".

Este clamor por respostas levaria ao enfraquecimento da bancada ruralista na avaliação de Paim. O senador avalia que ficará mais difícil alterar o marco temporal e prosseguir com projetos sensíveis como o recém aprovado na CCJ que autoriza atividade agrícola nos campos de altitude do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O deputado Pedro Uczai (PT-SC) afirmou que a enchente no RS mudou a conjuntura da questão ambiental no Brasil. Ele considera que alguns setores específicos serão pioneiros em vocalizar a demanda por um freio nos projetos apoiados por ruralistas.

O parlamentar projeta que cientistas e, principalmente, jovens farão pressão. Ele declarou que quanto menor a faixa etária do cidadão, maior o comprometimento com o enfrentamento da crise climática.

A consequência projetada por Uczai é o eleitor descartar votar em políticos sem compromisso verde. Mas ele não acredita que deputados e senadores serão pressionados somente na eleição. O parlamentar declarou que a sociedade está alerta como cada congressista vota nas questões ambientais, fragilizando as propostas da bancada ruralista.

O deputado espera que a pressão seja puxada por populações de lugares atingidos por catástrofes recentes. Além do Rio Grande do Sul, ele citou Santa Catarina, o litoral Norte de São Paulo, o Amazonas e a região serrana do Rio de Janeiro.

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Uczai finaliza dizendo que o Executivo também terá de mudar. Hoje, o ministério, secretarias de estaduais e municipais de meio ambiente têm orçamentos enxutos e pouco poder. A demanda social vai empoderar estas pastas na visão do parlamentar.

Gaúchos descrentes

O UOL conversou com vários moradores do Rio Grande do Sul sobre o assunto. Uma parte acredita que o problema vai se impor e virar demanda social. O restante vê a questão econômica falando mais alto e as pessoas deixando a agenda verde em segundo plano.

Fabiano Maciel Pinheiro, 53 anos, acredita que o político que não se preocupar com a causa ambiental será esquecido pelo eleitor. Para o taxista que trabalha em Porto Alegre, a situação das últimas semanas deixou claro que é preciso frear o desmatamento.

Ele disse que é chegada a hora de o dinheiro parar de se impor. Fabiano declarou que ficará mais difícil que o Plano Diretor das cidades favorecerem as construtoras, algo que ele considera acontecer principalmente nas cidades de praia.

Loreno Mário Proença, 71 anos, ressalta que água chegou aonde jamais chegara. Ele prevê a repetição deste cenário se não houver um freio de arrumação em relação a ocupação do espaço urbano e rural. Quanto maior a repetição de desastre naturais, mais pressão haverá sobre os políticos em sua opinião.

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Roze Dalpiaz, 61 anos, considera a mudança de mentalidade necessária, mas não acredita que vá ocorrer. Técnica em enfermagem, ela faz um paralelo com a covid-19. Mesmo salvando vidas, o SUS não melhorou sua reputação e nem ganhou reconhecimento com a população.

A técnica em enfermagem considera que as cheias passarão e a população do Rio Grande do Sul deixará cair no esquecimento. No restante do Brasil o fenômeno se repetirá com mais força e o resultado será zero pressão sobre políticos. "Não vejo essa mudança nem transformação das pessoas ficando mais conscientes."

Mateus Cigerza, 23 anos, acredita que o dinheiro fala mais alto no Congresso e na sociedade. Ele avalia que na hora de votar as pessoas têm como prioridade a melhora da economia porque querem viver com mais conforto.

Gerente de um café, ele defende a mudança de mentalidade, mas não vê isto acontecendo. Por este motivo, o político que falar de causa ambiental receberá menos do que aquele que fala em aumento de renda na avaliação de Mateus.

Mateus acredita que o dinheiro continuará falando mais alto que a questão ambiental
Mateus acredita que o dinheiro continuará falando mais alto que a questão ambiental Imagem: Felipe Pereira/UOL

Centrão não espera mudanças

Caciques do centrão disseram ao UOL que não deve haver perda de poder dos ruralistas. Eles consideram que a enchente não tem capacidade de mudar a cabeça do eleitor e o agro continuará com força para impor sua agenda.

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Uma liderança ponderou que talvez haja resistência maior ao tratar de rios. Mas, no geral, o parlamentar não considera que a agenda verde passará a rivalizar com os projetos que beneficiam o agronegócio.

Um integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária contou ao UOL que não vê risco de os ruralistas serem enfraquecidos. O argumento para neutralizar o discurso da mudança climática será falar que em 1941 houve uma grande cheia no Rio Grande do Sul e naquela época não se falava em aquecimento global.

Outra estratégia é desqualificar o discurso ambientalista. Será dito que as previsões apocalípticas nunca se confirmaram.

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