Central em desastres, defesa civil tem menos de 0,1% de maiores orçamentos
Os gastos em defesa civil responderam nos últimos dois anos por menos de 0,1% dos orçamentos da União e dos dez estados com maior volume de despesas, de acordo com levantamento do UOL. Segundo especialistas, a falta de dinheiro é um dos principais problemas enfrentados pelo setor hoje no Brasil.
O que aconteceu
Governo federal e estados analisados dedicaram R$ 12 bilhões à defesa civil no orçamento de 2024. O valor representa 0,09% do total das despesas previstas pelos documentos, estimadas em R$ 13 trilhões.
Só o orçamento da União ficou em R$ 5 trilhões ao longo desse ano. Desse valor, apenas R$ 1 bilhão com defesa civil.
Gasto da União no setor cresceu R$ 165 milhões de 2023 para 2024. Ainda assim, não soma hoje 0,02% das despesas. O dinheiro está espalhado por áreas como segurança (R$ 800 milhões) e urbanismo (R$ 200 milhões). Distribuir alimentos em emergências e adaptação a mudanças do clima são parte das ações previstas.
Rio Grande do Sul cortou pela metade verba para aparelhar Defesa Civil. Para 2024, valor é de R$ 50 mil — contra R$ 100 mil no ano passado. No estado, o orçamento total para a defesa civil aumentou de R$ 3 milhões para quase R$ 8 milhões nos últimos dois anos. Porém, o valor reservado à área representa 0,009% das despesas.
Governo gaúcho informa que orçamentos de defesa civil foram suplementados. Em 2023, a valor total recebido pela área chegou a R$ 118 milhões. Em 2024, R$ 187 milhões. Em nota, o governo estadual informou ainda que "ações da defesa civil são executadas com o apoio de outros órgãos, como Desenvolvimento Social, Saúde, etc".
Baixos investimentos se repetem em todo país. Em oito estados, os percentuais dos orçamentos para defesa civil são maiores do que o do Rio Grande do Sul — mas todos menores que 1%. São eles: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo. Além do Rio de Janeiro, só Minas investe mais que R$ 1 bilhão na área.
Entre estados com maiores orçamentos, Rio de Janeiro foi o único a destinar mais de 1% de gastos à defesa civil. Em 2023 e 2024, o estado reservou, em média, 2,5% das despesas à área. Em 2022, o Rio foi palco do maior desastre natural já registrado no Brasil, quando as chuvas em Petrópolis causaram a morte de 947 pessoas.
Proporcionalmente, Porto Alegre gastou com Defesa Civil três vezes menos do que a cidade de São Paulo em 2024. A capital gaúcha reservou 0,04% de seu orçamento ao setor, contra 0,12% da capital paulista. No caso da cidade do Rio, o investimento médio em defesa civil neste ano também foi de 0,04%.
Defesa Civil abrange gestão de riscos e desastres. Ações de prevenção, mitigação e preparação para emergências estão sob responsabilidade do setor — assim como as providências de resposta e recuperação após desastres. O Brasil tem defesas civis estaduais e municipais — além de órgãos federais ligados à área.
Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil se organiza em três níveis. Enquanto a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (ligada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional) coordena o gerenciamento de riscos e de desastres em nível federal, as defesas civis estaduais e municipais cuidam da área nos estados e municípios.
Falta dinheiro
Problema é apontado como "maior desafio" em levantamento do governo federal. Realizada em 2021, uma pesquisa dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e Desenvolvimento Regional em quase 2 mil municípios indicou que 65% das defesas civis do país não contavam sequer com sede própria para operar.
Disponibilidade de recursos "não apenas na fase de resposta ao desastre" era "sonho" na região sul, segundo análise. Nesta parte do país, fica não só o Rio Grande do Sul, que foi fortemente impactado pelas chuvas e enchentes no último mês, como Santa Catarina — outro estado que tem sofrido com temporais.
Falta de investimento em sirenes e outras estruturas é motivo de queixa entre membros das defesas civis. Mesmo itens básicos como telefones, viaturas e equipe com mais de duas pessoas ainda são raridade na maioria dos órgãos.
Mudanças climáticas ainda não tiveram seu impacto precisamente dimensionado, apesar de comprovadas pela ciência. Com a transformação do clima, a intensidade dos desastres naturais aumentou e eventos passados deixaram de servir como boas referências para projeções de futuro. Nesse cenário, prefeitos e outros gestores temem investir em obras que, com o tempo, se mostrem menores ou maiores do que o necessário.
Para especialistas, solução é investir continuamente em adaptações. Porta-voz de Justiça Climática do Greenpeace, Rodrigo Jesus afirma que medidas abrangem da troca do asfalto por substitutos mais absorventes em obras de recapeamento à contratação de psicólogos especializados em desastres na área de saúde.
Expectativa é que tragédia no sul gere boom de proposições relativas a orçamentos de defesa civil. Entretanto, também é consenso que o avanço de pautas do tipo deve enfrentar resistência no Congresso Nacional, já que o tema é alvo do lobby de indústrias importantes — como a petrolífera e o agronegócio.
Outros setores também já se movimentam. Em abril, antes das enchentes, seguradoras apresentaram na Câmara uma proposta de Seguro Social de Catástrofe, com indenização de R$ 15 mil a vítimas de desastres naturais. Especialistas temem que, se aprovado, dispositivos assim inibam o desenvolvimento de políticas públicas de adaptação climática.
O que disseram
O aumento gradual do aquecimento global ao longo deste século deve intensificar progressivamente a incidência de chuvas extremas e de períodos secos em todo o Brasil (...) Extremos de chuvas nas regiões Sul e Sudeste e na faixa leste do Nordeste, onde ficam os maiores centros urbanos e se concentram mais de dois terços da população do Brasil podem aumentar o risco de deslizamentos de terras e inundações bruscas
Trecho do "Diagnóstico de capacidade e necessidades municipais em proteção e defesa civil", do Governo Federal
De 2023 a 2024, o Estado empenhou R$ 579 milhões em recursos para o enfrentamento a desastres naturais em diversas frentes. Na Lei Orçamentária Anual, apenas para 2024 estão previstos R$ 117 milhões para projetos que contemplem ações de enfrentamento e prevenção de desastres naturais. Depois das enchentes deste mês de maio, o governo já anunciou mais R$ 658,8 milhões em ações de enfrentamento
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em nota
Os valores destinados à Defesa Civil reforçam o comprometimento do governo do Estado em investir em ações que garantam a segurança e o bem-estar da população, principalmente, em um cenário com tantos eventos extremos ocasionados pela mudança climática
Adilson Faria, secretário de Planejamento e Gestão do estado do Rio
A maioria das prefeituras, notadamente as de menor porte, tem dificuldades, técnicas e orçamentárias, para elaborar projetos e planos de trabalho de defesa civil. É essencial a integração da União, Estados e municípios seja permanente para se desenvolverem juntos e atenuar os efeitos das tragédias
Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas
O melhor caminho é olhar para a adaptação climática como um fator a ser considerado em todos os projetos e não como o primeiro ponto a ser flexibilizado e negligenciado. Agir assim sai mais barato do que os gastos com reconstrução que esses desastres exigem. Faltam estruturas permanentes dedicadas ao tema
Rodrigo Jesus, porta-voz de Justiça Climática do Greenpeace
Não estruturamos uma defesa civil preparada para eventos climáticos extremos. Temos muitas deficiências nesse sentido e precisamos utilizar bem os recursos públicos. Esse é um modelo que a gente não tem ainda, mas que vai precisar estabelecer para lidar com situações que serão cada vez mais fortes
Roberto Andrés, urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais