Cármen assume TSE mantendo ofensiva às fake news de olho nas eleições

A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), assume nesta segunda-feira (3) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sendo a primeira mulher a ocupar o posto duas vezes. Apesar do perfil mais discreto e menos combativo do que o do antecessor, Alexandre de Moraes, a expectativa é de manutenção de uma gestão firme, de olhar para as mulheres e de novos desafios com as fake news e a IA (Inteligência Artificial) nas eleições.

O que aconteceu

Cármen Lúcia toma posse como presidente do TSE para o biênio 2024-2026. A troca faz parte da rotação de comando que ocorre a cada dois anos na corte, que é sempre comandada por um ministro do STF. Seu vice será o também ministro do STF Kássio Nunes Marques.

No posto, Cármen Lúcia será a responsável por decidir as pautas de julgamento do tribunal. Também caberá a ela a organização das eleições municipais de 2024, uma das funções do TSE.

Além de dar seguimento às discussões de desinformação nas eleições, Cármen seguirá no comando de uma investigação sobre fake news no STF. No Supremo, ela é relatora do inquérito que investiga políticos bolsonaristas e influenciadores por fake news envolvendo a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul.

Isso a deixa em uma situação semelhante à de Moraes. O ministro se notabilizou pelos embates com o bolsonarismo em sua gestão no TSE e por também ser o relator de inquéritos no STF que atingem diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, além dos manifestantes do 8 de janeiro.

Discreta, mas linha dura

Especialistas e ex-ministros ouvidos pelo UOL destacam as qualidades técnicas de Cármen e a veem como uma pessoa da mesma "escola" de Alexandre de Moraes. Isto é, apesar de menos combativa que o antecessor, que costuma fazer manifestações duras e chega a ter embates com advogados em sessões plenárias, ela adota posturas firmes quando necessário. Para o ex-ministro da corte eleitoral e hoje advogado Henrique Neves, a gestão dela representará uma continuidade da gestão de Moraes.

Na avaliação de Neves, Cármen adotará estilo combativo se assim for necessário. "O objetivo é de sempre fazer uma eleição tranquila e legítima. Se o momento exigir eventualmente o combate maior a determinado assunto, o tribunal vai focar neste assunto", disse o ex-ministro.

Uma amostra do estilo de Cármen se viu em julgamento realizado no último dia 21, quando o STF analisou uma denúncia contra a deputada federal Carla Zambelli. Na ocasião, Cármen, que votou por tornar ré a parlamentar, afirmou que a "desinteligência natural" de Zambelli, acusada de invadir o sistema do CNJ com a ajuda de um hacker, era mais preocupante que IA. E Moraes complementou: "Eu chamaria burrice mesmo, natural".

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Quando vossa excelência [ministro Moraes] descreve que havia entre as notas, as providências, a possibilidade de vossa excelência ter, inclusive, determinado a própria prisão, eu começo a não me preocupar com a inteligência artificial, mas com a desinteligência natural de alguns que atuam criminosamente -- além de tudo, sem qualquer tracinho de inteligência. Porque aí vossa excelência se auto prender por falsificação, num órgão que é presidido por um colega de vossa excelência é um salto triplo carpado criminoso. Impressionante. Só para acentuar a minha preocupação com a desinteligência natural, ao lado da inteligência artificial.
Cármen Lúcia, em julgamento no STF sobre denúncia contra Carla Zambelli

A Ministra Cármen Lúcia, como professora de Direito Constitucional, saberá certamente gerenciar a dosimetria da atuação do TSE no seu papel de governança eleitoral em nosso país de modo a buscarmos um resultado justo e transparente pelos competidores a partir do asseguramento das regras do jogo.
Vânia Aieta, presidente da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e professora da UERJ, sobre o que esperar de Cármen Lúcia na presidência do TSE

Ineditismo e atenção às mulheres

É a segunda vez que a ministra assume a presidência da corte eleitoral. Ela foi a primeira mulher a comandar o TSE, de abril de 2012 a novembro de 2013. O ineditismo da situação, bem como seu histórico de defesa das mulheres em suas atuações no STF e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), fazem especialistas preverem uma atenção maior de Cármen à equiparidade de gênero no cenário eleitoral em sua gestão.

Cármen deve dar continuidade ao trabalho da gestão Moraes também sobre cotas de gênero nas eleições. O TSE editou uma súmula para orientar como a Justiça Eleitoral deve lidar com os casos de candidaturas laranjas femininas.

Outro ponto destacado é a tentativa constante de Cármen de trazer a sociedade para o debate. É o que reforça a professora Raquel Ramos Machado. "Esse seu perfil de abertura à sociedade também será visto como presidente do TSE", diz Raquel, que é professora de Direito Eleitoral e de Teoria Democrática da Universidade Federal do Ceará.

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A Ministra Cármen Lúcia foi a primeira mulher a assumir o cargo de Presidente do TSE, nas eleições de 2012, e entra novamente para a história ao ser a primeira a presidir a Corte pela segunda vez. A ocupação deste espaço de poder por uma magistrada, com um legado em prol dos direitos das mulheres, dará voz a nossa luta.
Ezikelly Barros, professora de pós-graduação em Direito Eleitoral da UERJ

A ministra tem uma atuação protetora da atuação das mulheres, por que sabe dos desafios que elas enfrentam. Certamente ela levará estes desafios, seja na atuação administrativa, seja na tomada de decisões. Outro aspecto é que a ministra Cármen Lúcia é uma julgadora muito preocupada com o desenvolvimento da democracia participativa, ou seja com a ampla participação da sociedade no diálogo institucional e na tomada de decisões.
Raquel Ramos Machado, professora de Direito Eleitoral e de Teoria Democrática da UFC, Raquel Ramos Machado

Fake news, IA e big techs

O combate à desinformação nas eleições deve continuar sendo um dos principais desafios do TSE, mas agora também há uma atenção especial para o uso de IA. Cármen Lúcia já tem dialogado com grandes empresas de tecnologia, as big techs, mas vinha evitando falar em público sobre o assunto para não parecer atravessar a gestão de Moraes.

Os temas estão no radar de Cármen, que considera importante qualificar os juízes eleitorais para enfrentar usos cada vez mais sofisticados de IA. Como vice-presidente, Cármen foi relatora de 12 resoluções que disciplinam as regras que valerão para a eleição deste ano. Entre elas, está uma que prevê a responsabilização de big techs por fake news.

A medida foi considerada uma forma de regulamentar a atuação das empresas. A iniciativa ocorre em meio à falta de regulamentação por parte do Congresso e de uma decisão clara do STF sobre o tema.

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A norma fez o Google proibir anúncios políticos. A proposta prevê responsabilização de plataformas que não retirarem imediatamente conteúdos considerados desinformação, ou com discurso de ódio, racismo, homofobia, entre outros de teor antidemocrático, inclusive conteúdos de cunho "político-eleitoral". O Google entendeu que se tratava de uma proposta de difícil cumprimento, com um conceito muito amplo, e resolveu proibir os anúncios na plataforma.

Organização das eleições

O TSE tem atribuições na eleição municipal. Neste ano, as eleições serão para escolher os prefeitos e vereadores de municípios de todo o país. Nestes casos, a maior parte da atuação da Justiça Eleitoral se dá pelos juízes de primeira instância e pelos Tribunais Regionais Eleitorais de cada estado. Ainda assim, cabe ao TSE estabelecer regras.

Corte seguirá como a responsável pela totalização dos votos. Apesar de grande parte das eleições municipais depender da estrutura da Justiça Eleitoral na primeira instância, a totalização dos votos de todo o país será feita pelo TSE, em sua sede. A partir da totalização, o tribunal encaminhará aos tribunais regionais para divulgação, a partir de seus sistemas, os resultados das disputas em cada município.

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