TCE apura denúncia contra edital de Tarcísio sobre câmeras corporais da PM

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo analisa, em caráter de urgência, pontos do edital publicado pelo governo de São Paulo para contratar novos fornecedores de câmeras corporais para a Polícia Militar.

O que aconteceu

O TCE recebeu uma representação em 29 de maio que aponta irregularidades no edital das câmeras. No mesmo dia, o presidente do tribunal acatou a representação e sorteou um conselheiro relator. Agora, a denúncia será avaliada em plenário. Outras eventuais representações serão julgadas pelo mesmo relator.

A análise ocorre em caráter de urgência, já que, segundo o documento, as empresas devem apresentar propostas em 10 de junho. O presidente do TCE institui esse tipo de tramitação pela relevância, impacto e urgência de prazos próximos à abertura das propostas. Agora, uma sessão no plenário do tribunal debaterá dúvidas e pedirá esclarecimentos sobre a representação. Depois, o relator fará um julgamento sobre a procedência dos pontos levantados na representação.

Suspensão, extinção ou liberação do edital. Após o julgamento, o documento poderá ser liberado, caso a representação seja julgada improcedente, reformulado com base nos apontamentos do tribunal ou suspenso, caso a representação seja julgada procedente.

O edital foi publicado em 22 de maio e é alvo de críticas de especialistas em segurança pública.

Ao UOL, o governo de SP afirmou não ter sido notificado sobre a representação. A denúncia aponta problemas como "políticas de regresso na tutela dos direitos humanos", como reconhecimento facial, "possibilidade de ligar e desligar as câmeras voluntariamente" e o número de equipamentos adquiridos.

Representações no TCE podem ser feitas por pessoas, partidos, associações ou sindicatos. Segundo o tribunal, elas são apresentadas em formato de denúncia por ilegalidades ou irregularidades cometidas contra a probidade administrativa.

O que diz a representação

Documento ao qual o UOL teve acesso pede a suspensão do edital e cita irregularidades. De autoria da vereadora do PSOL-SP Elaine Cristina Mineiro, a denúncia questiona a modalidade escolhida, de pregão eletrônico, o orçamento sob sigilo e "iminente violação de direitos humanos e individuais pelo uso do reconhecimento facial".

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Modalidade escolhida pelo governo seria inadequada. "O edital está inadequado na modalidade licitatória optada, pregão eletrônico, em razão de o serviço não ser comum". Além disso, o documento afirma que há contradições entre as partes. Segundo a vereadora, de acordo com a legislação, o pregão é exclusivo para aquisição de bens e serviços comuns —"cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital".

"A melhor forma seria a concorrência entre as empresas", diz a vereadora. "Assim seria possível analisar outros critérios que não somente o custo. Em pregões, o primeiro critério é o preço dado. Para um serviço tão complexo quanto o das câmeras corporais, essa modalidade não é adequada."

Objeto complexo que terá diversas etapas de execução, diz representação. A vereadora afirma que, pelo fato de o serviço envolver "manuseio e operação de tecnologia apurada", a modalidade de pregão não é indicada. "O serviço avança para o gerenciamento e o tratamento de dados em tempo real, com a junção de tecnologia de reconhecimento facial."

Valor total sigiloso, segundo edital. "O orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas em razão da complexidade da contratação requerida", diz o edital. Com isso, segundo a vereadora, o documento se torna contraditório — já que o governo mantém os valores em sigilo alegando se tratar de um sistema complexo.

A população está diante de uma proposta de política de segurança pública que vem com vícios administrativos, ferramenta violadora de direitos humanos, projeto de hipervigilantismo e sem a exposição da situação de custos do modelo atual e da perspectiva para o novo modelo.
Elaine Cristina Mineiro, vereadora de São Paulo pelo PSOL

Reconhecimento facial

Governo diz que câmeras corporais terão novas funcionalidades. Por meio de nota, a secretaria da Segurança Pública, de Guilherme Derrite, disse que "os novos dispositivos terão novas funcionalidades, como reconhecimento facial, leitura de placas de veículos, melhoria da conectividade, entre outras inovações em relação às atuais COPs [câmeras operacionais portáteis]".

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Reconhecimento facial exclui empresa que fornece câmeras atualmente, segundo a representação. A exclusão do consórcio seria, segundo a denúncia da vereadora, "para cobrar especificidade que apenas a sua parceira, Edge Group, poderia atender". O serviço atual é considerado exitoso, diz, ela. "Está descartando-se um sistema que funcionou bem para utilizar serviços com recursos em sigilo."

Grupo de tecnologia Edge, dos Emirados Árabes, fechou parceria com o governo de São Paulo em janeiro. A empresa diz trabalhar em um sistema de monitoramento inteligente em São Paulo, batizado de Bola de Cristal. O CEO do grupo é Marcos Degaut, ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para a vereadora, a suposta inclinação do governo à empresa parceira feriria o principio da impessoalidade —que garante a isonomia entre as partes.

Nova tecnologia vai reproduzir casos de perfilamento racial, diz vereadora. "É escandaloso que o principal problema apontado para esse tipo de sistema de segurança, o racial, não seja citado em nenhum ponto do edital, evidenciando que não há estudos ou providências para garantir a segurança da população negra de São Paulo."

Edital deveria ter estudos que avaliem o impacto racial das câmeras com a nova tecnologia. "Não há qualquer segurança sobre os procedimentos pelos quais serão operados os mecanismos de coleta de dados biométricos por reconhecimento facial", diz a representação. As informações podem ficar armazenadas de forma indefinida, com a possibilidade de uso dos dados sem autorização ou conhecimento dos indivíduos, de acordo com a denúncia.

O que diz o governo

Governo alega que novo edital vai possibilitar economia aos cofres públicos. "O novo contrato deverá gerar uma economia superior a 30% em relação aos contratos anteriores, que seguirão vigentes até que as novas câmeras sejam entregues, garantindo a operação contínua do programa", diz a SSP.

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Edital cumpre diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública. "Todas as situações descritas para o acionamento das câmeras corporais já estão inseridas no protocolo operacional da corporação, em vigor desde 2020. No estado, o acionamento é obrigatório, e o descumprimento da norma resultará em penalidade ao policial, de acordo com todos os ritos estabelecidos pela corporação." O governo federal recomendou, porém, que as câmeras gravem de forma ininterrupta, com exceção de momentos que firam a privacidade dos agentes, como o uso do banheiro.

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