'A gente nunca sabe se alguém tá gravando', disse Bolsonaro ao ser gravado

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) admite preocupação com o risco de ser gravado durante reunião no Palácio do Planalto com advogadas de defesa de seu filho Flávio Bolsonaro, em agosto de 2020.

O que aconteceu

Encontro discutiu estratégias para blindar Flávio. Além de Bolsonaro, participaram da reunião o então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, e duas advogadas.

Áudio expõe preocupação de participantes com vazamentos. Bolsonaro diz que "a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa". Já Augusto Heleno alerta, após o presidente avisar que iria conversar com o chefe do Serpro (Serviço de Processamento de Dados do Governo Federal), Gustavo Canuto, que o assunto deveria ser tratado de forma "fechadíssima".

Ambos, porém, estavam sendo gravados no dia. A Polícia Federal encontrou o áudio da gravação em um celular de Ramagem. Material faz parte da investigação sobre a "Abin paralela" no governo Bolsonaro e teve o sigilo levantado nesta segunda-feira (15).

Ramagem diz que Bolsonaro sabia de gravação e a autorizou para flagar um crime. O deputado federal afirma que ele iria registrar um pedido "nada republicano" de um enviado do ex-governador Wilson Witzel, que acabou não participando da reunião. Em postagem em seu perfil oficial no X (antigo Twitter), Ramagem afirmou ainda que foi contra a atuação do GSI: "O presidente Bolsonaro sempre se manifestou na reunião por não quer favorecimentos ou jeitinhos. Eu me manifestei contrariamente à atuação do GSI no tema, indicando o caminho por procedimento administrativo pela Receita Federal, previsto em lei, e ainda judicial no STF", afirmou.

Advogadas de Flávio Bolsonaro queriam provar suposta perseguição de auditores da Receita ao senador. Uma das estratégias, discutidas no encontro pelas advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach com os chefes da inteligência do governo Bolsonaro, seria checar junto ao Serpro os dados de acesso dos auditores às informações de Flávio e pessoas ligadas a ele.

Veja o trecho da conversa

"Bolsonaro: É o caso conversar com o [Gustavo] Canuto [diretor do Serpro]?

Advogada Luciana Pires: Sim, sim. Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita (inaudível) esses acessos lá.

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Augusto Heleno: Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar (inaudível).

Bolsonaro: Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém.

Luciana: Não, mas não. Que não cometa o crime e que investigue".

Senador chegou a ser denunciado. Mas a investigação acabou sendo anulada em 2021 pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Foi a partir das suspeitas iniciais de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual levantadas pelos auditores que a polícia e o Ministério Público do Rio de Janeiro passaram a investigar o filho de Bolsonaro.

Em paralelo à estratégia jurídica, defesa tentou questionar atuação de auditores. Estratégias discutidas no encontro, de tentar questionar a atuação dos auditores via Corregedoria da Receita Federal e via Serpro acabaram sendo colocadas em prática.

Após a revelação da gravação, Flávio Bolsonaro negou ter relação com a Abin. Segundo ele, a defesa focava em questões processuais, portanto, a Abin não teria nenhuma utilidade. "A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à Prefeitura do Rio de Janeiro", escreveu ele em nota.

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Hoje senador criticou novamente a investigação da PF. "O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família. A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis", afirmou.

Advogada se defende. A advogada Luciana Pires disse que sua "atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico". "Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso. Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão."

O advogado de Heleno, Matheus Milanez, não quis se manifestar.

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