Ficha limpa foi passada a sujo
Toda espécie de dependência é ruim. Não importa que a substância seja o álcool, a morfina ou a desfaçatez, esse grande narcótico da política brasileira. Uma semana depois de aprovar emenda constitucional que anistiou algo como R$ 23 bilhões em multas aplicadas contra partidos que malversaram ou subverteram a aplicação de verbas públicas, o Senado pôs para andar um projeto de lei que passa a sujo a Lei da Ficha Limpa.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta reduz o prazo de inelegibilidade dos políticos condenados ou com mandatos cassados. Hoje, são banidos das urnas por oito anos. Mas como o castigo só começa a ser contado depois do cumprimento da pena, um sujeito condenado a oito anos de cadeia, ppor exemplo, fica longe das urnas por 16 anos. O jejum será menor porque o relógio da inelegibilidade passará a ser acionado na data da condenação, não no final da pena.
Como se fosse pouco, a proposta contém trechos que deixam assanhado o bolsonarismo. Anota, a certa altura, que, numa condenação por abuso de poder econômico ou político, caso de Bolsonaro, a perda dos direitos políticos será aplicada se o comportamento "implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos". Quando o TSE condenou Bolsonaro, o eleitor já havia lhe sonegado um novo mandato. O que leva os devotos do capitão a especular sobre a hipótese de um pedido de anulação de sua inelegibilidade, habilitando-o para as urnas de 2026.
A coisa já passou pela Câmara. Foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em votação simbólica. O texto vai ao plenário acompanhado de um requerimento de urgência. Apenas um senador —Alessandro Vieira, do MDB de Sergipe, manifestou sua contrariedade. Uma evidência de que o vício em desfaçatez é um fenômeno suprapartidário, pós-ideológico e pré-falimentar.
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