Enquanto tramava golpe, Bolsonaro recebeu 3 ministros do STF 12 vezes
Relatório do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência sobre as visitas ao Palácio do Alvorada mostra que o então presidente, Jair Bolsonaro (PL), recebeu 12 visitas de três ministros do STF entre junho e dezembro de 2022. No mesmo período, segundo a Polícia Federal, teriam se intensificado as articulações golpistas, que tinham entre os principais alvos integrantes do Judiciário.
O que aconteceu
Relatório do GSI integra o inquérito da PF sobre tentativa de golpe. Informações foram encaminhadas à Polícia Federal a pedido do delegado Fabio Shor, que conduziu as investigações encerradas neste mês. Os dados foram tornados públicos na terça-feira (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
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Visitaram o então presidente da República Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli. Nenhuma das visitas consta da agenda dos ministros divulgada no site do tribunal à época. Mendonça foi recebido seis vezes; Nunes Marques, cinco, e Dias Toffoli, uma.
Os três eram apontados como principais interlocutores de Bolsonaro no Supremo durante a gestão dele. Nunes Marques e Mendonça foram nomeados por Bolsonaro ao Supremo. Toffoli era o presidente do Supremo quando Bolsonaro venceu a eleição, em 2019. Os dois se conheciam desde que o ministro era assessor jurídico na Câmara dos Deputados, posto que ocupou entre 1995 e 2000. Na época, Bolsonaro era deputado federal.
A planilha traz nomes, datas e horários, mas não detalha motivos das visitas. Informações brutas foram encaminhadas para a PF, que usou os dados para reconstituir a cronologia da trama golpista descrita no relatório final das investigações. O GSI é o responsável pelo controle de acesso aos palácios presidenciais. Essas informações são sigilosas e pela primeira vez vêm à tona, por decisão de Moraes. A PF não cita os ministros nem os encontros em seu relatório final.
Documento encontrado na sala do PL em Brasília utilizada por Bolsonaro e Braga Netto menciona os três ministros. Em um esboço que reune conceitos jurídicos e a estratégia para decretar "estado de sítio" no TSE há uma sugestão de substitituir os três ministros do STF que ocupavam cadeiras no TSE na época por eles.
A PF aponta que, desde o primeiro ano do governo Bolsonaro, as milícias digitais bolsonaristas alimentavam discursos de desconfiança em relação às urnas eletrônicas e de ataques ao Poder Judiciário, tanto nas redes sociais quanto por meio de autoridades e influencers reverberando os discursos com fake news. Essa retórica foi intensificada, segundo a PF, para alimentar grupos radicais. Essas milícias digitais acabaram influenciando os protestos de 8 de janeiro de 2023 e o homem-bomba que atacou o Supremo com explosivos no dia 13 de novembro deste ano.
No mesmo período das visitas, a trama golpista ganhou força entre militares e integrantes do governo Bolsonaro. Houve reuniões para alinhar estratégias e montar planos, inclusive de fuga.
Conforme todos os atos executórios descritos, a investigação reuniu elementos que permitiram a conclusão de que os investigados atuaram de forma coordenada, mediante divisão de tarefas, desde o ano de 2019, com o emprego de grave ameaça para restringir o livre exercício do Poder Judiciário e impedir a posse do governo legitimamente eleito, com a finalidade de obter a vantagem relacionada à manutenção no poder do então presidente da República, Jair Bolsonaro.
Trecho do relatório final da PF que indiciou Jair Bolsonaro e outros 36 por tentativa de golpe
Principais datas e visitas
Reunião ministerial em julho mostra pressão de Bolsonaro para questionar os sistemas eleitorais. Em 5 de julho, ele reuniu os ministros do governo para falar da importância de eles assumirem um discurso público de desconfiança no sistema eleitoral. O encontro foi gravado. O vídeo foi divulgado, expondo os discursos das autoridades na época.
Em 9 de novembro, o general da reserva Mario Fernandes imprimiu um plano de golpe denominado "Punhal Verde Amarelo" e levou até o Palácio da Alvorada. Ele era então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência e, segundo a PF, era um dos militares mais radicais entre os auxiliares de Bolsonaro. O plano incluía os assassinatos do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes e era de conhecimento de Bolsonaro e de seu vice na chapa em 2022, Braga Netto. Bolsonaro negou ter tratado disso.
Três dias depois, o general Braga Netto se encontrou com o então ajudante de ordens do presidente, Mauro Cid, e os chamados "kids pretos". Eles discutiram o plano golpista de monitorar e matar o ministro Alexandre de Moraes, segundo aponta o inquérito da PF. O plano acabou sendo abortado.
Em 19 de novembro, uma minuta com o roteiro do golpe foi apresentada a Bolsonaro no Alvorada, que recebeu uma versão atualizada do documento em 7 de dezembro. Nesta data, o presidente se reuniu com os comandantes do Exército, da Marinha e com o então ministro da Defesa para apresentar a proposta, que foi rechaçada pelo comandante do Exército na época, general Freire Gomes.
Dois dias depois, Bolsonaro fez ajustes na minuta. Em 9 de dezembro, ele levou o documento ajustado ao general Estevam Theophilo, que era o comandante do Coter (Comando de Operações Terrestres) e fazia parte do Alto Comando do Exército. O general teria sinalizado apoio ao golpe, segundo a PF. O Coter é o órgão dentro do qual estão as Forças Especiais, grupo especializado de militares também chamado de "kids pretos", que estava na linha de frente da trama golpista.
No dia 15 de dezembro, os "kids pretos" foram mobilizados em Brasília e chegaram perto da casa de Moraes. A movimentação tinha a intenção de colocar parte do plano em prática. Segundo a PF, a iniciativa foi abortada devido à falta de apoio integral das Forças Armadas, sobretudo pela recusa do comandante do Exército, Freire Gomes, e pela falta de apoio da maioria do Alto Comando ao golpe.
Entre um evento e outro, Bolsonaro recebia ministros do STF em audiência. Confira a relação completa abaixo:
Entrada e saída de pessoas do Alvorada (de junho a dezembro de 2022)
Dias Toffoli - 1 visita
9/11 - entrada às 14h14
Nunes Marques - 5 visitas
28/6 - entrada às 22h18
19/7 - entrada às 19h10
10/8 - entrada às 18h05
29/8 - entrada às 20h
9/11 - entrada às 9h25
André Mendonça - 6 visitas
2/6 - entrada às 7h22
16/6 - entrada às 12h38
3/9 - entrada às 21h
5/9 - entrada às 9h25
11/11 - entrada às 8h25
17/12 - entrada às 12h02
O que dizem os envolvidos
Bolsonaro fala em "visita de cortesia". O ex-presidente disse às colunistas do UOL Letícia Casado e Raquel Landim que os ministros fizeram visitas de cortesia, assim como as que o presidente Lula recebe dos magistrados da Corte.
STF ainda não comentou. O Supremo foi procurado, mas ainda não respondeu sobre os motivos de não terem divulgado as visitas nem sobre os assuntos tratados nas reuniões. O espaço está aberto a manifestações.