OPINIÃO
No 1º round, Bolsonaro é moído no Supremo. Com cães de guarda, com tudo
Matheus Pichonelli
Colaboração para o UOL
25/03/2025 17h49Atualizada em 25/03/2025 21h29
Tinha tudo para dar mais sono do que a transmissão ao vivo de uma partida de xadrez.
De um lado, cinco ministros do Supremo Tribunal Federal com uma pilha em forma de denúncia e as imagens ainda frescas da invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 - o desfecho de anos de ataques às urnas eletrônicas e às instituições promovidas por Jair Bolsonaro, ministros e aliados, hoje na mira da acusação formal da Procuradoria-Geral da República.
De outro lado estariam os advogados dos oito denunciados, com seus poréns, datas vênias e jargões jurídicos para contestar não o mérito, mas os aspectos formais do processo. Por que o julgamento ficou na Primeira turma e não no plenário? Por que um ex-advogado e um ex-ministro de Lula vão julgar o ex-adversário dele? Quando os acusados terão acesso à íntegra das provas? Por que dar fé na delação de um ex-ajudante de ordens que (supostamente) depôs sob pressão e medo da prisão? (Todos os poréns, como esperado, foram levantados. Nenhum ficou de pé. Os juízes mandaram os acusados levantar e seguir o jogo).
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Até onde se sabia, Jair Bolsonaro assistiria ao julgamento do recebimento da denúncia na casa de aliados ou na sede do PL, seu partido. Até que, perto do início da sessão, às 9h30, o protagonista do chamado "núcleo crucial" do golpe (GONET; Paulo) chegou à sede do Supremo para assistir de camarote - e ficar cara a cara com Alexandre de Moraes.
Não teve espectador, dentro ou fora do plenário, que não trancou a respiração.
Bolsonaro entrou com os advogados e deixou do lado de fora os cães de guarda - entre eles os deputados tenente-Coronel Zucco, Zé Trovão, sargento Fahul, Carlos Jordy, Paulo Bilynskyj, Mário Frias e outros integrantes de um elenco que parecia integrar a tropa do sargento Pincel, o folclórico personagem de "Os Trapalhões".
O cheiro de pólvora passou, então, a rodear as peças no tabuleiro, e o suspense deu lugar à comédia.
Do lado de fora tinha bajulador tentando chamar mais atenção do que os próprios denunciados. Era o caso do deputado federal Coronel Meira (PL-PE), que armou um escarcéu por não conseguir acessar o plenário da Primeira Turma. Sobrou para a polícia judiciária filtrar os palavrões do esquentadinho. "Eu sou coronel, sou deputado. Tem que respeitar essa porra", carteirou o parlamentar em vídeos que não demorariam para viralizar nas redes.
Pior fez o desembargador aposentado Sebastião Coelho, advogado do ex-assessor da Presidência Filipe Martins. Ele chegou a subir ao terceiro andar do prédio e interrompeu a sessão com um grito ao ser detido: "sanguinários". O defensor acertou o endereço, mas errou a data. Martins é parte do "núcleo 2" dos denunciados. Mas o caso deles só será analisado pela 1ª Turma no fim de abril. Espera agora que o defensor esteja em liberdade até lá.
Bolsonaro no STF
Do lado de dentro, o provável futuro réu mostrou que é possível, sim, o mesmo corpo ocupar dois lugares ao mesmo tempo. Enquanto assistia ao próprio julgamento, ele falava no Twitter sobre o jogo entre Brasil e Argentina.
O tuíte começava estranho e terminava como sempre: um ataque ao Judiciário.
"No meu caso, o juiz apita contra antes mesmo do jogo começar?e ainda é o VAR, o bandeirinha, o técnico e o artilheiro do time adversário; tudo numa pessoa só".
A "pessoa só", claro, era o ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro é fã ou é hater.
O ex-presidente estava lá por duas razões: constranger os algozes e ostentar, para as câmeras, a coragem que detratores (e até aliados) veem faltar ao filho, Eduardo Bolsonaro, ao se licenciar da Câmara e reorganizar o time nos Estados Unidos.
Fazia tudo isso enquanto repercutia, mundo afora, a entrevista ao jornal britânico Financial Times em que comparava o Brasil a uma ditadura e pedia ajuda a Donald Trump.
Diante dos ministros da Primeira Turma, coube ao advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, apresentar os argumentos do momento mais aguardado do dia. Ele, que no passado viu as digitais do futuro cliente na trama golpista, desta vez chamou a denúncia contra Bolsonaro de "peça de ficção".
O denunciado, segundo Vilardi, não assinou a tal minuta golpista e aceitou a derrota de 2022. Faltou explicar por que o cliente não ficou no Brasil na virada para 2023 para passar a faixa ao presidente Lula. Bolsonaro, como se sabe, estava nos Estados Unidos, mesmo destino de outros aliados que decidiram deixar o Brasil antes de a bomba explodir. Entre eles Anderson Torres, ex-ministro e então responsável pela segurança (frouxa) da Praça dos Três Poderes. Era a primeira semana dele no novo trabalho, como secretário de Segurança do Distrito Federal.
Numa tentativa de descredibilizar a acusação, Vilardi lembrou que havia muitos planos golpistas correndo por Brasília após as eleições e, pela lógica, nem era possível colocá-los em prática simultaneamente. Até aí, não havia lógica também em receitar cloroquina para ema, e mesmo assim Bolsonaro, se falhou, não foi por falta de tentativa.
Vilardi lembrou ainda que, em um primeiro momento, Bolsonaro repudiou os ataques de 8 de Janeiro. Hoje ele repudia o que chama de penas desproporcionais aos invasores. Aposta todas as fichas hoje no projeto de anistia aos golpistas já de olho no próprio pescoço amanhã.
Lógica por lógica, valeu a ironia de ver as voltas que a Terra (redonda) dá quando o advogado Matheus Milaez, defensor do general e ex-ministro do GSI Augusto Heleno, chamou a denúncia contra ele de "terraplanismo argumentativo". Um terraplanista fã da turma que assistiu à argumentação na TV certamente chorou sentado na borda do próprio planeta - onde chamam golpe militar de "revolução".
Na dúvida, o defensor tentou descolar o general do capitão ao dizer que o cliente sempre silenciou diante dos absurdos do ex-chefe. Ah, tá.
No fim, valeu o argumento apresentado por Alexandre de Moraes para aceitar a denúncia. De acordo com ele, a organização criminosa seguiu todos passos para depor o governo legitimamente eleito. Buscou o objetivo com empenho e atos concretos - lembrou também que o pelotão de frente não era composto apenas por velhinhas armadas com a Bíblia e batom.
O plano, insistiu Moraes, só não foi além porque os denunciados esbarraram na resistência dos comandantes do Exército e Aeronáutica. O da Marinha, que disse "topo", está agora a um passo de se tornar réu.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL