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Pela 1ª vez em 200 anos, comandantes militares viram réus por seus golpes

Levou dois séculos, mas militares das mais altas patentes serão finalmente julgados por civis no Brasil por crimes políticos.

Em decisão histórica, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal colocou no banco dos réus três generais quatro estrelas, um almirante, um tenente-coronel e um presidente-capitão - além de dois de seus acólitos civis. Juntos, os oito tramaram o frustrado golpe para manter Jair Bolsonaro ilegitimamente no poder e matar o presidente que o derrotou na eleição.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde Donald Trump escapou de julgamento por estimular um golpe e voltou ao poder na Casa Branca, a Justiça brasileira tem sido célere e pode impedir algo parecido de acontecer no Brasil. Se conseguir, será um feito inédito.

Como detalha o jornalista Ricardo Lessa em seu livro "O Primeiro Golpe do Brasil", militares tentam - e quase sempre conseguem - dar golpes para tomar o poder desde a fundação do país:

  • Cerca de um ano após declarar a Independência, em 12 de novembro de 1823, D. Pedro 1º mandou tropas dissolverem a Assembleia Constituinte. Prenderam e exilaram deputados críticos ao seu poder. Estava inaugurado o papel dos militares como tutores dos civis, 200 anos antes do 8 de janeiro de 2023.
  • A vitória na Guerra do Paraguai (1864-1870) consolidou a imagem do Exército como instituição forte e indispensável ao país, o que multiplicou sua influência na política nacional.
  • Principal comandante militar da fase decisiva da guerra, Luís Alves de Lima e Silva foi aclamado herói, recebeu o inédito título de Duque de Caxias e acabaria por se tornar o patrono do Exército.
  • Após a guerra, Caxias assumiu papéis políticos decisivos: foi senador vitalício, Ministro da Guerra, e Presidente do Conselho de Ministros (cargo equivalente ao atual primeiro-ministro).
  • Não foi o único. Seus colegas de armas viraram marqueses, barões, viscondes e assumiram cargos no governo como ministros ou se elegeram para cargos de poder. A casta militar virou casta política.
  • O fortalecimento do Exército e dos militares coincidiu com sua crescente insatisfação com o regime monárquico. Tinham a percepção de que o governo imperial não reconhecia adequadamente suas conquistas durante a guerra. Se julgavam credores da nação. Queriam mais.
  • Em 1889, esse descontentamento culminou na proclamação da República por militares que derrubaram o imperador, sem consulta popular.
  • Os dois primeiros presidentes da República foram marechais. Não seriam os únicos comandantes militares a ocuparem o mais alto cargo de poder civil.

Em 134 anos de República, o Brasil teve 5 marechais, 4 generais e um capitão como presidentes (sem contar a junta provisória da ditadura militar). Governaram por quatro décadas, o que dá quase 30% do tempo de todos os mandatos presidenciais do período republicano. Vários desses generais e marechais foram ditadores.

Mas nenhum deles nem nenhum comandante militar foi julgado por crimes políticos. Ao contrário, seu exercício no poder foi sempre recompensado, jamais punido.

A impunidade está na origem do avanço progressivo dos militares sobre o poder civil.

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  • O massacre de Canudos (1896-1897), descrito por Euclides da Cunha em Os Sertões, reforçou o Exército como garantidor da "ordem republicana", legitimando o uso sistemático da força contra movimentos populares vistos como ameaças à República.
  • As revoltas tenentistas da década de 1920 consolidaram ainda mais a presença dos militares no jogo político nacional. O golpe de 1930 não deixou de ser também um golpe militar.
  • Essa trajetória de intervenção militar crescente na vida civil culminou com o golpe militar de 1964 que implantou uma ditadura que durou 21 anos.
  • Os crimes da ditadura, as torturas, assassinatos e desaparecimento de opositores a regime foram anistiados. A impunidade mais uma vez teve consequências.
  • O ataque do dia 8 de janeiro de 2023 não inaugurou um padrão, mas confirmou a tradição militar de se imiscuir na vida civil e exercer o papel de tutor nação. É uma jabuticaba verde e amarela.

Tamanho peso do poder militar sobres os civis é muito raro em grandes democracias. Países europeus e norte-americanos têm baixíssima participação militar na chefia do governo. Até entre os vizinhos latino-americanos o Brasil se destaca na quantidade de anos sob governo militar.

Por isso, é tão importante o STF ter colocado pela primeira vez golpistas militares no banco dos réus e, assim, sinalizar que crimes políticos cometidos por militares não permanecerão impunes para sempre.

Mas tão importante quanto acabar com a impunidade fardada é as instituições brasileiras estabelecerem limites claros para o papel dos militares na vida política nacional e romper com a tutela histórica das armas sobre a urna. Isso exclui qualquer possibilidade de anistia para golpistas recorrentes.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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