Bolsonaro ataca Moraes após virar réu e recicla mentiras sobre eleições
Do UOL, em São Paulo e em Brasília
26/03/2025 14h20Atualizada em 26/03/2025 19h01
Declarações distorcidas e falsas, ataques à esquerda e grosserias à imprensa, que ficou num cercadinho, marcaram o discurso de Jair Bolsonaro (PL) após o STF torná-lo réu hoje por tentativa de golpe do Estado. O ex-presidente negou ter pressionado militares, mas admitiu ter discutido "hipóteses de dispositivos constitucionais".
Bolsonaro e sete aliados são acusados de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Agora, o tribunal iniciará a ação penal que poderá condená-los ou absolvê-los. Veja os destaques da declaração do ex-presidente, que discursou por quase uma hora em frente ao Senado:
8 de Janeiro
O ex-presidente afirmou que desencorajou manifestações violentas depois da derrota. Isto teria ocorrido por meio de lives em suas redes sociais antes de viajar para os Estados Unidos. Bolsonaro, entretanto, pressionou o Exército para não desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis. Uma nota chegou a ser publicada permitindo a permanência de manifestantes que pediam intervenção militar.
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Depois de perder a eleição, o ex-presidente resistiu a pedir a desobstrução das estradas no país. A PRF, subordinada a ele, se omitiu em remover caminhões estacionados no meio do asfalto. A primeira manifestação de bolsonaristas também já pregava contra o STF. Ela ocorreu em março de 2020 e faixas diziam que o Supremo era o povo e pediam intervenção militar com Bolsonaro no poder.
Alguns dias depois desse pronunciamento, os caminhoneiros começaram a obstruir vias pelo Brasil. Eu fiz um vídeo pedindo que eles desmobilizassem. Não tinha intenção nenhuma em parar o Brasil, criar um caos ou estava pensando em outra coisa.
Jair Bolsonaro
Urnas eletrônicas
Bolsonaro voltou a falar que as urnas eletrônicas não são seguras. Ele citou sua insistência em aprovar a volta do voto impresso e disse que a contagem não é pública. Desde a adoção das urnas eletrônicas no Brasil, em 1996, nunca houve comprovação de fraude, nem qualquer indício de irregularidade. As urnas também são auditáveis, diferentemente do que o ex-presidente discursa.
Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elogiou sistema eleitoral brasileiro. "A Índia e o Brasil, por exemplo, estão vinculando a identificação do eleitor a um banco de dados biométrico, enquanto os Estados Unidos dependem amplamente da autodeclaração para a cidadania", diz decreto assinado por Trump.
Não sou obrigado a confiar, a acreditar no programador [das urnas]. Confio na máquina, não sou obrigado a confiar no programador. [...] O voto impresso é um direito, como a contagem pública de votos tem que ser feita.
Jair Bolsonaro
Não pressionar militares
O ex-presidente admitiu ter discutido "hipóteses" com militares, mas disse que não pressionou as Forças Armadas a darem um golpe. A declaração contraria o que está nas investigações da Polícia Federal e nos depoimentos de comandantes do Exército e da Força Aérea. Eles disseram que foram consultados pelo ex-presidente se concordavam em empregar suas tropas num golpe. Eles afirmaram que o então comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, era favorável à intervenção militar.
Outro fato é a atuação de um general. Trata-se de Mario Fernandes, que foi o número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo do ex-presidente e armou um plano para matar Lula, Alckmin e Moraes. Ele conversava com Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, sobre golpe. O general também agia para pressionar o ex-presidente a por a tropa na rua. Em um áudio, afirma que Bolsonaro deixou a possibilidade em aberto. A gravação foi enviada a Cid e, de acordo com a PF, demonstra que o ex-presidente deixou a possibilidade de golpe em aberto.
Os comandantes [das Forças Armadas] jamais embarcariam numa aventura. Discutir, como eu disse, com o então comandante do exército, discutir hipóteses de dispositivos condicionais não é crime.
Jair Bolsonaro
Assinatura do decreto de golpe
O ex-presidente negou tentativa de golpe e disse que a assinatura de um decreto não significaria nada. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pontuou ontem durante a leitura do relatório da denúncia que a tentativa de golpe é "fato punível descrito em lei". "Golpes que se consumam não geram punição dos vitoriosos", disse o PGR.
Não adianta botar um decreto na frente do presidente e assinar. Não convoquei os conselhos da República, nem atos preparatórios houve para isso.
Jair Bolsonaro
Eleição enviesada
Bolsonaro alegou que não competiu em igualdade de condições com Lula em 2022. Ele sugeriu que a Justiça Eleitoral agiu para que o petista tivesse vantagens e reclamou que teve 1,5 milhão de inserções de rádio não veiculadas. A denúncia ocorreu na semana da votação e não houve apresentação de provas.
A apuração demonstrou que o motivo foi falha da campanha de Bolsonaro. As rádios fazem o upload dos programas num banco de dados alimentado pelos partidos. A equipe do ex-presidente não forneceu o material.
O ex-presidente também reclama de uma campanha para jovens votar. Ele declarou que o Tribunal Superior Eleitoral divulgou vídeos, e fez postos incentivando pessoas com idade entre 16 e 18 anos a tirar o título de eleitor, o que teria beneficiado Lula. Ocorre que a Justiça Eleitora faz estas campanhas em toda eleição.
Durante as eleições de 22, o TSE influenciou, jogou pesado contra eu e a favor do candidato Lula.
Jair Bolsonaro
Uso de discurso em horário eleitoral
O ex-presidente protestou contra a proibição do uso de um discurso em Londres na campanha. Ocorre que ele estava na Inglaterra representando o Brasil no enterro da Rainha Elizabeth e buscou benefícios eleitorais na ocasião. Bolsonaro enumerou argumentos que usava nos palanques para exaltar a própria gestão. O TSE acatou o pedido de adversários e impediu a veiculação nas peças de campanha.
Eu não pude mostrar imagens do 7 de setembro, imagens do enterro da Rainha Elizabeth, de parte do meu discurso na ONU, o Lula ao lado ditadores. Eu não podia mostrar nada.
Jair Bolsonaro
Inelegível até 2030
Bolsonaro voltou a criticar a decisão do TSE que o tornou inelegível. O ex-presidente também reciclou informação falsa, sem citar Lula, de que o petista teria se encontrado com traficantes no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Bolsonaro está inelegível por abuso de poder político —o Tribunal Superior julgou a reunião feita por ele com embaixadores para espalhar mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Na eleição, bolsonaristas associaram falsamente CPX, que é abreviação de "complexo", a grupos criminosos. O então candidato Lula utilizou o boné com a sigla durante uma caminhada no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio.
Por que que eu estou inelegível? Por que me reuni com embaixadores? Não foi com traficante no Morro do Alemão, não. Qual voto eu ganhei junto a embaixadores?
Jair Bolsonaro
Passagem de faixa
Bolsonaro disse que não queria passar a faixa presidencial para um "cara com passado como o Lula tem". O ex-presidente viajou para os Estados Unidos antes da cerimônia de posse do petista. Foi a primeira vez que um presidente encerrou seu mandato fora do país. Além de Bolsonaro, o último presidente ditador João Figueiredo e o militar Floriano Peixoto não passaram a faixa para seus sucessores.
Graças a Deus eu saí daqui dia 13 de dezembro, porque eu não queria passar a faixa para um cara com passado como o Lula tem. Não há crime nenhum não passar a faixa, não está escrito que é proibido.
Jair Bolsonaro
PL da Anistia
"Vamos devagar, nem arranjei o namorado e você quer saber o nome do filho", afirmou Bolsonaro sobre o projeto de lei da Anistia no Senado. Em uma segunda entrevista no início da noite, o ex-presidente disse que o Republicanos e o PSD vão apoiar a proposta na Câmara dos Deputados.
Deputados do PL podem votar contra o projeto, segundo o ex-presidente. Ele disse que nenhum partido pode "garantir" o número de votos que terá a favor da proposta. "Até o PL, espero que não, tem dúvida de algumas pessoas que não votariam", pontuou Bolsonaro.
O ex-presidente deu risada ao ouvir uma marcha fúnebre durante a entrevista. Trompetista também tocou música usada nas eleições de 2022 com a frase "Tá na hora do Jair já ir embora". Bolsonaro também voltou a criticar o julgamento do STF que o tornou réu hoje por tentativa de golpe de Estado.
Eu gostaria muito de discutir, sei que ele pode até me responder grosseiramente, eu e o ministro Alexandre de Moraes falasse sobre esse assunto [processo contra o ex-presidente por tentativa de golpe do Estado democrático de Direito]. Não quero marcar [reunião]. Eu gostaria, não vou marcar não. [A conversa] seria ao vivo para vocês, canal aberto.
Jair Bolsonaro