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Caminhoneiros pedem golpe e tocam movimento sem liderança identificada

Do UOL, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Luziânia (GO)

31/10/2022 18h26

Sem uma liderança abertamente identificada, caminhoneiros bolsonaristas criaram grupos de troca de mensagens no aplicativo Telegram para organizar protestos em rodovias do país contra a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há ao menos 29 grupos divididos por estado, segundo levantamento feito pelo UOL Notícias. Muitas mensagens têm conteúdo golpista e alguns grupos estão sendo desativados pela própria plataforma.

Após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, caminhoneiros fecharam trechos de rodovias em pelo menos 16 estados para contestar o resultado das eleições. O UOL esteve em dois bloqueios e conversou com manifestantes que confirmaram o teor golpista dos atos.

Como os grupos se mobilizam. Pessoas não identificadas criam o grupo e fixam uma mensagem padronizada orientando os caminhoneiros a paralisar rodovias e vias de acesso às cidades, com instruções sobre locais e horários.

Neles, há direcionamento para grupos menores, indicando ações pontuais em cidades no interior dos estados.

A mensagem ainda cita um prazo de 72 horas antes de uma suposta intervenção militar, o que seria um golpe de estado. Em seguida, o autor da mensagem exclui a própria conta, para dificultar a sua identificação.

Os grupos também são usados para disseminação de fake news, citando falsas fraudes nas urnas eletrônicas.

Manifestantes montaram tendas e fazem refeição para caminhoneiros mobilizados em paralisação em rodovia de Luziânia (GO) - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Manifestantes montaram tendas e fazem refeição para caminhoneiros mobilizados em paralisação em rodovia de Luziânia (GO)
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Outras lideranças negam apoio a ato e reconhecem vitória de Lula. Caminhoneiros conhecidos pela liderança na categoria procurados pelo UOL Notícias negam apoio às paralisações e dizem reconhecer a vitória de Lula nas urnas. Wallace Landim, conhecido como Chorão, que ganhou visibilidade na greve de 2018, pediu o fim dos atos. "Não é o momento de parar esse país. Vamos aceitar. Isso é a democracia", disse em vídeo.

O deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da frente parlamentar mista em defesa dos caminhoneiros autônomos e celetistas, disse que o ato é ideológico. "Essas pessoas não representam os caminhoneiros." A CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística) se referiu aos atos como "antidemocráticos" e diz que a pauta da categoria é econômica, não política.

Grupo "recrutou" manifestantes para ato em Luziânia. Integrantes do grupo de caminhoneiros de Goiás "recrutaram" manifestantes para o bloqueio de hoje na BR-040 em Luziânia (GO). "Leve a bandeira, vista a camisa [da seleção brasileira], vamos cantar o nosso hino nacional. Bora, gente", convocou um dos integrantes do ato.

Após descumprir ordens da PRF (Polícia Rodoviária Federal), caminhoneiros bolsonaristas foram dispersados do local com bombas de gás lacrimogêneo.

Ali, havia tendas montadas e alimentos distribuídos para os manifestantes. Embora não haja uma liderança nacional claramente identificada, a reportagem do UOL Notícias identificou duas pessoas à frente do ato em Goiás.

Um desses líderes se identificou como Henry Ford, 58, empresário ligado ao agronegócio. E reforçou a motivação golpista do ato. "Vai ter uma intervenção militar! As eleições foram fraudadas, as urnas foram roubadas. Entendeu? Aí, como não ganha?", questionou, repetindo a falsa informação de fraude nas urnas.

Por volta das 14h20, os líderes mandaram os militantes bolsonaristas mudarem o discurso. "Não falem em 'intervenção militar.' Falem em 'resistência cívica'", diziam os líderes ao microfone. Eles pediram para espalhar esse discurso a todos os bloqueios no Brasil.

Manifestantes paralisam a Via Dutra (RJ), na altura do km 281 - Lola Ferreira/UOL - Lola Ferreira/UOL
Manifestantes paralisam a Via Dutra (RJ), na altura do km 281
Imagem: Lola Ferreira/UOL

No Rio, plano para fechar Ponte Rio-Niterói e avenida Brasil. No grupo do Rio de Janeiro, participantes incentivam o fechamento de vias importantes como a Ponte Rio-Niterói e a avenida Brasil, o que não ocorreu até as 16h.

Desde hoje cedo, caminhoneiros fazem uma paralisação em Barra Mansa (RJ), na altura do km 281 da Via Dutra, principal via que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. Por volta das 16h, o protesto já completava mais de 15 horas.

A paralisação de Barra Mansa também circulava no grupo do Telegram dos caminhoneiros no Rio de Janeiro. "Barra Mansa já está tudo parado", escreveu um dos membros. "Dutra está fechada em Barra Mansa nos dois sentidos", disse outra pessoa no grupo. Os participantes do ato chegaram inclusive a compartilhar um vídeo no grupo, para mostrar a paralisação.

Assim como em Luziânia (GO), o UOL Notícias verificou um tom golpista entre os manifestantes, com relatos de que só iriam deixar a rodovia caso houvesse intervenção militar. Não foi possível identificar uma liderança no local, com manifestantes recebendo marmitas e água de outros bolsonaristas que passavam pelo local.

Balanço de paralisação. Nos grupos do Telegram, um integrante chegou a compartilhar informações consolidadas sobre as rodovias paralisadas no país, detalhando se estavam com bloqueio total ou parcial.

Instruções para produzir coquetel molotov. Alguns dos membros defendem inclusive o uso de armas e até ensinam como fabricar um coquetel molotov —arma química incendiária usada em protestos.

Quantos membros participam dos grupos no Telegram? A quantidade de membros varia de estado para estado. Alguns deles contam com quase 20 mil participantes.

Iniciativas que não deram certo. Contudo, há iniciativas onde a mobilização não se consolidou, já que havia poucos manifestantes, conforme indicam trocas de mensagens nesses grupos.

Foi o que ocorreu, por exemplo, em Betim (MG). "Betim tá fraco, tinha só oito pessoas. Fomos embora", disse o membro do grupo no Telegram destinado a mobilizar atos em Minas Gerais.

O que diz a PRF. Em nota, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) disse que está "comprometida com a segurança viária e com a intenção de manter a sociedade atualizada quanto a qualquer bloqueio ou restrição de tráfego nas estradas e rodovias federais."

A PRF informou também que acionou a AGU (Advocacia-Geral da União) para conseguir liberar estradas bloqueadas e que adotou todas as providências para o retorno da normalidade do fluxo nas rodovias afetadas.