Para operar no Brasil, a 'Ndrangheta estabeleceu acordos com o PCC. Em dois anos, ao menos três homens com cargos de liderança na Itália estiveram com a organização brasileira. Existe a suspeita de que outros dois também estejam ou tenham passado por São Paulo com a mesma finalidade.
Segundo Gaetano Paci, procurador antimáfia da Calábria, "há muitas evidências de uma relação entre a 'Ndrangheta, que atua no cenário internacional, e narcotraficantes sul-americanos, porque muitas cargas de cocaína partem precisamente de portos brasileiros e muitas desembarcam em Gioia Tauro, um dos maiores portos do Mediterrâneo e que é controlado pela 'Ndrangheta".
Nicola e Patrick Assisi, segundo a investigação da polícia europeia, negociavam drogas junto a Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, preso em Moçambique em 13 de abril deste ano. Ele era considerado o criminoso mais procurado do Brasil. Segundo o MP (Ministério Público), apesar de não ser integrante do PCC, Fuminho é sócio e braço-direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola.
A exportação da droga comprada pela 'Ndrangheta partia para a Europa a partir do porto de Santos, com o aval do PCC. Após o assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, em fevereiro de 2018, quem passou a controlar a região foi André de Oliveira Macedo, 42, o André do Rap. Ele e os Assisi teriam contatos diretos. Em setembro do ano passado, porém, André do Rap foi detido, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Além dos Assisi, a investigação europeia apontou que Domenico Pelle, o principal chefe da máfia na Itália, esteve em São Paulo para negociar drogas pessoalmente com lideranças do PCC pelo menos duas vezes, entre 2016 e 2017. Suspeita-se, inclusive, que ele tenha se encontrado diretamente com Fuminho.
Pelle foi preso na Europa em dezembro de 2018. Ele nega em depoimentos as denúncias que o ligam ao PCC.
Coronavírus atrapalha
Além da queda de líderes importantes, tanto do PCC quanto da 'Ndrangheta, outro problema enfrentado por ambas as organizações criminosas é a pandemia do novo coronavírus.
Numa primeira etapa, o PCC está com dificuldade para importar droga, sobretudo maconha, dos países andinos, já que as fronteiras terrestres estão fechadas. A droga está entrando no Brasil por vias clandestinas aéreas e fluviais.
Uma vez exportada a cocaína para a Europa, Espanha e Itália estão em lockdown, ou seja, em isolamento total, sem a presença de pessoas nas ruas, o que dificulta a logística do tráfico local.
PCC a caminho de ser máfia
Antes da 'Ndrangheta, líderes do PCC presos em São Paulo já tiveram contato com integrantes de outra máfia italiana, a Camorra.
Os irmãos italianos Bruno e Renato Torsi, detidos na prisão de Taubaté, no interior paulista, deram ensinamentos aos até então conhecidos como principais ladrões de banco do estado. Os Torsi deram a ideia da criação de um estatuto com procedimentos a serem seguidos dentro e fora das cadeias. Três anos depois, o PCC surgiu naquele mesmo presídio.
Para o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, considerado o principal investigador do país contra o crime organizado em São Paulo, a exemplo do que ocorreu no passado, quando o PCC aprendeu, com presos que tinham essa "expertise", a se organizar, roubar e sequestrar, o mesmo pode acontecer em breve para que a organização criminosa brasileira evolua no único ponto que a diferencia de uma máfia: a lavagem de dinheiro refinada.
"O PCC é uma autêntica organização criminosa. A lavagem de dinheiro do PCC ainda é embrionária. Mas isso tende a acabar. Os presos da Operação Lava Jato, por exemplo, aqueles operadores de crimes financeiros, já estão sendo condenados em segunda instância. Isso quer dizer que, daqui a pouco, eles vão se tornar réus comuns. Ainda que portadores de diploma universitário, vão parar nas principais penitenciárias do país. Inevitavelmente, vão ter contato com criminosos comuns, do PCC e do Comando Vermelho, por exemplo", afirmou o promotor.