Expertise em lavagem de dinheiro é o que falta para PCC virar máfia
Resumo da notícia
- Principal organização criminosa do Brasil, PCC está em processo de cartelização
- Integrantes do PCC aprenderam a sequestrar e se organizar com quem tinha experiência
- Lavagem de dinheiro requintada é o que falta para o PCC chegar ao patamar de máfia
- Presos da Lava Jato terão contato com membros do PCC, que podem aprender lavagem
- As diferenças entre facções, organizações criminosas, cartéis e máfias
Principal organização criminosa do Brasil, que domina a exportação de drogas para outros continentes, o PCC (Primeiro Comando da Capital) está a um passo de se tornar uma máfia, nos moldes de grupos italianos, japoneses, mexicanos e colombianos. O grupo, de origem paulista, está no processo de se juntar aos principais nomes do crime organizado mundial.
O que falta para o PCC chegar a esse patamar, segundo investigações do MP (Ministério Público) e da PF (Polícia Federal), é a lavagem de dinheiro não precária. "O PCC ainda enterra dinheiro e mantém a contabilidade em papéis. Falta ter uma lavagem de dinheiro requintada. Mas isso não deve demorar para acontecer. A organização criminosa está em pleno processo de cartelização", diz o promotor Lincoln Gakyia, considerado como o principal investigador do país contra o crime organizado em São Paulo.
Segundo o delegado da PF (Polícia Federal) Elvis Secco, para este ano, é esperado apreender, no mínimo, R$ 1 bilhão em dinheiro e bens de facções e outras organizações criminosas no Brasil. Até esta publicação, a polícia havia conseguido apreender mais de R$ 500 milhões.
O PCC surgiu em 31 de agosto de 1993 na cadeia de Taubaté, no interior de São Paulo, com o objetivo inicial de combater o sistema penitenciário e judicial, além de exigir melhores condições dentro dos presídios. Foram oito homens os responsáveis pela criação da facção. Eles eram tidos como os principais assaltantes de banco de São Paulo. Apenas um está vivo, mas hoje é tido como inimigo do grupo e está preso isoladamente: José Márcio Felício, o Geleião.
Em contato com pessoas presas por outros tipos de crime, o grupo passou a se especializar em sequestros, roubos, associação criminosa e, principalmente, tráfico de drogas. Hoje, a organização criminosa tem mais de 33 mil membros, um efeito colateral de diversas políticas públicas ineficientes. Agora, o PCC quer atingir o topo da criminalidade mundial.
Contatos com sequestradores e mafiosos
Dois irmãos da máfia italiana Camorra, identificados como Bruno e Renato Torsi, detidos na prisão de Taubaté, no interior de São Paulo, nos anos 1990, deram ensinamentos aos até então conhecidos como principais ladrões de banco do estado de São Paulo. Os italianos deram a ideia da criação de um estatuto com procedimentos a serem seguidos dentro e fora dos presídios.
"Esses dois presos italianos ficaram presos em São Paulo no presídio de Taubaté, o mesmo lugar onde foi criado o PCC. E deram os ensinamentos de máfia. Teve outro preso, o Mauricio Norambuena, que sequestrou o Washington Olivetto, que era de um movimento chileno revolucionário, também fez vários ensinamentos para os presos", disse Josmar Jozino, o repórter que revelou a existência do PCC no início dos anos 2000.
"O grupo que sequestrou o empresário Abílio Diniz, no final dos anos 1980, ficou preso na Penitenciária do Estado. Teve contato com esses presos também. E eles foram ensinando aos presos como sequestrar, como fazer um assalto bem-sucedido e como criar um sistema de comunicação", complementou o jornalista, autor de livros sobre a organização criminosa paulista.
Para o promotor Lincoln Gakiya, a exemplo do que ocorreu no passado, quando o PCC aprendeu a se organizar, roubar e sequestrar com presos que tinham essa "expertise", o mesmo pode acontecer em breve para que a organização criminosa evolua no único ponto que a diferencia de uma máfia: a lavagem de dinheiro refinada.
"O PCC é uma autêntica organização criminosa. A lavagem de dinheiro do PCC ainda é embrionária. Mas isso tende a acabar. Os presos da Operação Lava Jato, por exemplo, aqueles operadores de crimes financeiros, já estão sendo condenados em segunda instância", disse.
"Isso quer dizer que, daqui a pouco, eles vão se tornar réus comuns. Ainda que portadores de diploma universitário, vão parar nas principais penitenciárias do país. Inevitavelmente, vão ter contato com criminosos comuns, do PCC e do Comando Vermelho, por exemplo", complementou o promotor.
A um passo de se tornar máfia
O jurista Wálter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, apontou que cartel e máfia são sinônimos, mas têm um poder grande na criminalidade. "O termo máfia, que se perde no século e tem uma origem que ninguém consegue precisar, é um termo da região siciliana, na Itália. Cartel tem a terminologia mexicana", disse.
"Os cartéis e as máfias têm controle de território, social, transnacionalidade, geram lei de silêncio e podem influenciar em eleições. Cartéis mexicanos, por exemplo, sempre influenciaram em eleições. Máfia italiana na Sicilia também influenciou. Ao PCC, falta apenas a transnacionalidade", afirmou o desembargador aposentado.
Ivana David, desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que, abaixo das máfias e cartéis, estão as facções e as organizações criminosas. "Uma torcida de futebol, por exemplo, é uma facção. Mas é uma facção não criminosa. Quando a facção tem como fim atos ilícitos, torna-se uma organização criminosa, que é o caso do PCC", explica.
Evidências do PCC na Itália
Gaetano Paci, procurador antimáfia de Calábria, cedeu entrevista à reportagem na cidade de Riccione, ao norte do país, à margem do mar Adriático, em junho deste ano. Ele participou de uma palestra no DIG Awards (prêmio a documentários investigativos de jornalistas). Durante o evento, a ligação do PCC com a 'Ndrangheta foi discutida, tendo como base uma reportagem do UOL.
Segundo Paci, considerado como o principal investigador italiano sobre as máfias do sul do país, "há muitas evidências de uma relação entre a 'Ndrangheta, que atua no cenário internacional, e narcotraficantes sul-americanos. Porque muitas cargas de cocaína partem precisamente de portos brasileiros, particularmente dos portos de Recife e Santos".
"São navios que seguem rotas específicas para o transporte de contêineres. Muitos desembarcam em Gioia Tauro, um dos maiores portos do Mediterrâneo e que é controlado pela 'Ndrangheta", complementou o procurador antimáfia.
Cecilia Anesi, jornalista do IRPI (Projeto de Jornalismo Investigativo da Itália), especialista e palestrante sobre máfias italianas, afirmou à reportagem, no porto de Nápoles, sul do país, que "já é notável a ligação entre o PCC e a 'Ndrangheta". Aquele porto é um dos pontos de chegada de drogas, sobretudo a cocaína, enviada pelo PCC à Europa.
"Há investigações que apontam a ligação entre chefes da 'Ndrangheta com integrantes do PCC. Sobretudo, com o Fuminho (Gilberto Aparecido dos Santos), que foi citado em ligações telefônicas entre membros da máfia como o contato direto para o comércio de cocaína", disse.
Denúncia recente do MP (Ministério Público) paulista apontou que, além da ligação com a máfia italiana, o cartel mexicano de Sinaloa, do narcotraficante Joaquín Guzmán Loera, conhecido como El Chapo, é um "grande fornecedor de drogas em larga escala para o PCC, abastecendo tanto o mercado interno quanto exportando drogas para a Europa". A PF (Polícia Federal) informou que a denúncia foi a primeira ligação entre o PCC e o cartel.
Documentário "Primeiro Cartel da Capital"
O selo MOV.doc, destinado a produções documentais do UOL, lançou a série PCC - Primeiro Cartel da Capital. Com direção de João Wainer (diretor dos documentários "Junho - o mês que abalou o Brasil" e "Pixo"), a série de quatro episódios é o resultado de um trabalho minucioso de apuração da equipe de Notícias da maior empresa brasileira de conteúdo, serviços e produtos da internet.
A equipe trabalhou na investigação por seis meses com gravações em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Rio Branco e Nápoles (Itália). O resultado é uma grande série documental que busca entender como um grupo de oito detentos se transformou numa facção que hoje tem mais de 33 mil membros e tenta conquistar o monopólio do tráfico de drogas no país.
O documentário tem reportagem, pesquisa e produção dos jornalistas Flávio Costa, Luís Adorno, Aiuri Rebello e Eduardo Militão, e apresentação de Débora Lopes.
- Ouça o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Este e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.
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