Coronavírus atrapalha, mas não trava tráfico internacional de drogas do PCC
Resumo da notícia
- Fronteiras fechadas atrapalham vias terrestres do tráfico internacional de drogas
- Tráfico de drogas ocorre normalmente por vias clandestinas aéreas e fluviais
- Uma vez no Brasil, cocaína exportada para Europa tem outro adversário: o lockdown
A expansão do novo coronavírus, que alterou a rotina da maioria das pessoas e a dinâmica de diversos setores econômicos do Brasil e do mundo, apresentou reflexo na atuação do crime organizado brasileiro.
A circulação de drogas não parou, mas a importação feita desde países andinos ficou inibida. Isso diminuiu a exportação daqui para Europa, África e Ásia. Assim, o lucro das facções diminuiu. Mas não secou.
Com fronteiras terrestres fechadas e com fiscalização mais intensa, as duas maiores facções criminosas brasileiras, PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho), perderam uma das vias de entrada de maconha e cocaína.
Isso impactou diretamente na importação da maconha, que costumava entrar no Brasil majoritariamente por terra desde o Paraguai. Com relação à cocaína também houve impacto, mas menor.
Em território nacional, PCC e CV redistribuem a droga vinda de países vizinhos aos estados e a outros grupos criminosos, parceiros, mas menores.
Pelo fechamento das rotas terrestres, o preço da maconha, no atacado e no varejo, nas ruas das cidades, aumentou, segundo policiais federais e civis dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pará entrevistados pela reportagem.
Além da venda no Brasil, o PCC atua no tráfico internacional, enviando drogas para Europa, África e Ásia por meio de navios de carga. A principal droga exportada, no entanto, é a cocaína, que tem entrado no país durante o coronavírus com mais facilidade do que a maconha.
Uma vez exportada para a Europa, porém, Espanha e Itália estão em lockdown, ou seja, em isolamento total, sem a presença de pessoas nas ruas, o que dificulta a logística do tráfico local.
De acordo com o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Presidente Prudente (SP), "certamente o PCC está com dificuldade de trazer a droga para o Brasil".
"A produção que vinha por via terrestre está praticamente parada, embora ainda tenha pequenos aviões que tragam essa droga, que chega até São Paulo", afirma.
Segundo ele, a pandemia está atrapalhando o tráfico do PCC e de todo grupo criminoso organizado do mundo, entre eles, cartéis sul-americanos e máfias europeias, mas não impedindo totalmente os delitos.
"É um resultado natural do fechamento das fronteiras. Não tem como mandar droga para fora se a droga não está chegando normalmente. A tendência neste período é diminuir", diz.
Desde o início da pandemia até 19 de abril, as forças policiais que atuam na fronteira do Brasil apreenderam 15,7 toneladas de drogas. No mesmo período, 6,7 milhões de maços de cigarro contrabandeados também foram apreendidos.
Há, em portos e fronteiras, subsequentes apreensões que superam toneladas de drogas desde então, segundo policiais federais, que avaliam que o número é alto, apesar das fronteiras fechadas.
O coordenador geral de fronteiras do Ministério da Justiça, Eduardo Bettini, confirma que o crime organizado possui estratégias e rotas alternativas para quando existem entraves na divisa do país. Durante a pandemia, o foco das autoridades foi justamente reforçar a fiscalização nas rotas alternativas.
"Buscamos intensificar essas ações onde havia mais porosidade. Eles [criminosos] têm uma gama de alternativas ali e o que nós fizemos foi fortalecer o policiamento nessas rotas", diz ele ao UOL.
"Desde março, estávamos numa crescente em relação à apreensão de drogas. No caso do contrabando de cigarro, a gente continua na ascendente", afirma Bettini.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que, desde o fechamento das fronteiras, o programa Vigia (especializado em situações complexas) está reforçando a fiscalização nas "cerca de 20 'cidades gêmeas', municípios cortados pela linha de fronteira, seca ou fluvial, das 33 existentes no país".
"O reforço, além de aumentar a fiscalização nessas áreas e combater o crime organizado, reduz riscos à saúde relacionados aos problemas sanitários decorrentes da circulação de pessoas, manutenção de linhas de suprimento de itens essenciais, garantia do abastecimento e manutenção do fluxo de comércio em rodovias. Neste sentido, desde o fechamento das fronteiras, houve um aumento nas apreensões de drogas e cigarros", diz a pasta.
Importação de drogas do Paraguai por via aérea
Em 10 de abril deste ano, a Polícia Nacional do Paraguai localizou um avião monomotor abandonado em uma fazenda desabitada na cidade de Bahia Negra, no norte do país, que faz fronteira com o Mato Grosso do Sul.
Dentro o avião, havia 12 bolsas com 385 kg de cocaína ao todo. Segundo a polícia, a droga, que vinha da Colômbia tinha como destino final o Brasil. Possivelmente, os traficantes souberam da operação policial e fugiram.
Policiais paraguaios afirmam que, desde que Paraguai e Brasil fecharam suas fronteiras em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o tráfico internacional de drogas teve problemáticas, mas contornáveis.
Boa parte da maconha que chega no Brasil, entra no país via fronteira terrestre, principalmente na região da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, que não tem nenhum tipo de fiscalização.
A maconha costuma ser produzida na região de Amambay, cuja capital é Pedro Juan Caballero. Traficantes que exportam a droga do Paraguai ao Brasil ao PCC e ao CV (Comando Vermelho) passaram a levá-la via rotas clandestinas aéreas.
Já com relação à cocaína, pouco foi alterado, porque essa droga já chegava ao Brasil via rotas clandestinas, pelo ar e pelos rios, do norte ao centro-oeste do país.
Ruben Paredes, chefe de investigações da Polícia Nacional do Paraguai na região da capital, Assunção, afirma em entrevista ao UOL que "o tráfico aéreo é o que está ocorrendo nesta época de coronavírus, já que por via terrestre, agora, há muito controle de fiscais. Ontem, por exemplo [domingo (26 de abril)], apreendemos um avião com problemas mecânicos com maconha dentro".
Paredes é considerado um dos principais investigadores da polícia paraguaia no combate ao crime organizado. Ele diz que os integrantes do PCC que vivem no Paraguai, no momento, estão escondidos.
"Agora, há muito controle de policiais e promotores na fronteira, que está fechada. Inclusive, não há, nas ruas, sem venda de drogas, nenhum sicário, o que é inédito em Pedro Juan Caballero. Não sei há quantos anos não vejo isso", afirma.
"O controle aéreo no Paraguai é difícil. Não existe um radar territorial. Apenas no aeroporto. Nesta época de quarentena, é mais fácil para os traficantes agir no tráfego aéreo. Por terra, nada", complementa o policial.
Negócios com a máfia italiana
Para operar no Brasil, a máfia do sul da Itália chamada 'Ndrangheta estabeleceu acordos com o PCC. Em dois anos, ao menos três homens com cargos de liderança da máfia estiveram com chefes da organização brasileira.
Existe a suspeita de que outros dois mafiosos italianos também estejam ou tenham passado por São Paulo com a mesma finalidade.
"Há muitas evidências de uma relação entre a 'Ndrangheta, que atua no cenário internacional, e narcotraficantes sul-americanos. Porque muitas cargas de cocaína partem precisamente de portos brasileiros e muitos desembarcam em Gioia Tauro, um dos maiores portos do Mediterrâneo e que é controlado pela 'Ndrangheta", diz ao UOL Gaetano Paci, procurador antimáfia da Calábria.
Nicola e Patrick Assisi, "correspondentes" da máfia italiana na América do Sul e presos na Praia Grande em julho do ano passado, negociavam drogas junto a Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, preso em Moçambique em 13 de abril deste ano, segundo investigação da polícia e promotoria italiana.
Segundo o MP (Ministério Público), apesar de não ser integrante do PCC, Fuminho é sócio e braço-direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola.
A exportação da droga comprada pela 'Ndrangheta partia para a Europa, sobretudo, a partir do porto de Santos, com o aval do PCC.
Após o assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, em fevereiro de 2018, quem passou a controlar a região foi André de Oliveira Macedo, 42, o André do Rap. Ele e os Assisi teriam contatos diretos. Em setembro do ano passado, porém, ele também foi detido, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Além dos Assisi, a investigação europeia apontou que Domenico Pelle, o principal chefe da máfia na Itália, esteve em São Paulo para negociar drogas pessoalmente com lideranças do PCC pelo menos duas vezes, entre 2016 e 2017. Suspeita-se, inclusive, que ele tenha se encontrado diretamente com Fuminho. Ele foi preso na Europa em dezembro de 2018. Pelle nega em depoimentos as denúncias que o ligam ao PCC.
Ouça também o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Esse e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.
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