CPI abraçou
as mulheres

Senadores aprenderam a respeitar representantes de metade da população, mas há que melhorar resultado das urnas

Eliziane Gama (texto)
Yuri Lueskas (ilustrações)

Na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado Federal, também conhecida como CPI da Covid, mulher teve, sim, de se levantar da sua bancada para apartar briga de homem.

Em 25 de junho, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) e o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), por pouco, não foram às vias de fato, em plena sessão.

Eu sou essa mulher. Antes sentada e participando dos debates, a uma certa hora acabei me colocando entre os dois parlamentares, bem à frente da mesa do presidente da CPI, para que a tensa concórdia entre eles pudesse ser restabelecida.


Aliás, a tensão esteve presente em quase todas as reuniões de trabalho, algumas vezes envolvendo senadores homens de um lado e mulheres de outro.


No início da CPI, tive vários bate-bocas, por exemplo, com os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI), hoje ministro, que não engoliram o direito à fala conquistado pelas mulheres.


Eles acreditavam que um maior protagonismo feminino traria prejuízos políticos ao governo. Um entendimento equivocado, pois todas as senadoras, inclusive as mais próximas à situação, também podiam explicitar suas opiniões e fazer questionamentos aos depoentes.


A muitas pessoas, uma visibilidade maior das senadoras na comissão poderia parecer um episódio bobo, corriqueiro e apenas fruto da vaidade política. A busca dessa visibilidade, entretanto, tinha um profundo conteúdo democrático e com toda certeza mudou bastante, e para melhor, os rumos da CPI.


Já faz parte da história essa vitória política das senadoras. E ela veio para ficar. Os senadores aprenderam a colocar a viola dentro do saco --não sabemos até quando-- e a respeitar um pouco o segmento que representa mais da metade da população brasileira, embora minoritário no resultado das urnas, situação que precisa ser modificada urgentemente se o Brasil realmente quer se transformar em uma grande nação.


As maiorias masculinas, com poucas exceções, sempre se impuseram às mulheres, reservando-lhes cargos e funções mais rasas no Parlamento ou fora dele. Mal que acompanha muito a direita por suas convicções, bastante o centro e não deixa escapar a esquerda, produto que é da cultura brasileira. O machismo ultrapassa ideologias e o próprio bom senso.


No Congresso e no Executivo, como nas empresas e em toda a sociedade, a mulher precisa conquistar seus espaços com muito argumento, representatividade, competência e diálogo, mas também 'dando canelada', para usar uma imagem apenas figurativa. Só com beijinho e doçura não se resolve essa questão da representatividade feminina.

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Na CPI, se o presidente Omar Aziz (PSD-AM) foi rápido e correto em sua decisão em benefício das mulheres, ao lhes dar o direito de fala, a base governista e provavelmente outros senadores torceram o nariz para a decisão. Ao final aceitaram, mas com o nariz torto e comprido, à moda de Pinóquio.


Estou convicta, a CPI prestou um serviço inestimável à população brasileira e à ciência. E também à luta por mais protagonismo político das mulheres, inclusive dedicando-lhes um capítulo especial no relatório final.


Além do mais, no embalo da CPI, conquistou-se a liderança das mulheres na Casa e o compromisso da presença compulsória do segmento em outras futuras comissões. E novos projetos e resoluções nessa direção estão a caminho.


Há que se avançar mais, em todas as áreas. A princesa Isabel foi a primeira senadora mulher e no Senado não há um corredor, um plenário, uma saleta sequer com o seu nome. Se tive a honra de quebrar a resistência histórica, lamento que na Casa nunca uma senadora relatara antes indicação de ministro para o Supremo Tribunal Federal.


O machismo ultrapassa ideologias e o próprio bom senso.

Creio que em 2021, pelo menos no Congresso Nacional, as mulheres conseguiram bons avanços institucionais. E essa luta não pode arrefecer.


Se as mulheres estão na estrada há anos para garantir e ampliar direitos, e para conquistar igualdade de representação em relação aos homens, em 2021 houve muitos movimentos importantes focando no tema. Destaque para os vários debates de empresárias pleiteando mais participação política das mulheres. Foram simbólicas declarações à mídia pela empresária Luiza Trajano, uma voz insuspeita e integrada a uma larga compreensão democrática da sociedade brasileira.


As mulheres não podem ficar esperando no ponto o ônibus passar -na verdade, nunca esperaram. Somos 52% da população brasileira, por exemplo, e não ocupamos mais que 15% das cadeiras do Congresso. No Executivo e na Justiça essa sub-representação também se verifica.


Estudos indicam: sem mecanismos de incentivos legais, as mulheres só alcançariam a igualdade de representação com os homens no Congresso em 2118. Precisamos nos insurgir contra essa marcha lenta da história, esse caminhão que sobe a ladeira com dificuldade.


Em 2022, tempo de eleição, é um ano importante para dar grandes saltos, alcançar vitórias sólidas para o campo feminino.


Estar com a família, sim! Apostar na harmonia entre homens e mulheres, sim! Ser amorosa, sim! Ir à igreja para orar ou rezar, sim! Mas aceitar a subordinação das mulheres, não! E essa luta passa muito pela política.


Com salto alto, bolsa, batom e o seu jeito de ser, as mulheres em 2022 precisam entrar em maior número nas eleições. Ser candidatas a todos os cargos em disputa. Afinal, ter mandato também é coisa de mulher.


Além do mais, como já vem ocorrendo em muitos países, as mulheres devem dizer sim ao voto. Proclamar: "estou presente", "vou mudar a vida do Brasil e dos brasileiros para melhor".


Nesse sentido, é fundamental que haja campanhas no país inteiro para que o voto feminino não caia na vala comum da abstenção. A força feminina pede votação maciça.


Pode-se votar em qualquer candidato, em qualquer partido, em qualquer programa, é o exercício pleno da cidadania. Mas que se vote. O Brasil pede e clama para ficar mais feminino.

Eliziane Gama é senadora maranhense, ex-líder do partido Cidadania e do Bloco Parlamentar Senado Independente, autora do Projeto de Resolução que criou a Liderança das Mulheres na Casa e foi uma das representantes da bancada feminina na CPI da Covid.

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Este é um capítulo da série

Cartas para 2022

Convidados escrevem sobre como momentos-chave de 2021 impactam no que vai acontecer no ano que vem

Publicado em 26 de dezembro de 2021.

Texto: Eliziane Gama
Ilustrações: Yuri Lueskas
Produção: Marcela Leite
Edição de texto: Clarice Sá e Lúcia Valentim Rodrigues
Direção de arte: René Cardillo e Gisele Pungan